Wednesday, March 26, 2014

Hussein tenta romper coalizão


Pedro J. Bondaczuk


A proposta iraquiana de retirada de suas tropas do Kuwait, feita ontem, que num primeiro instante provocou euforia em Bagdá e em várias partes do mundo, antes que fossem detalhadas as condições impostas para a desocupação do emirado, não apresenta nenhuma alteração em relação à que foi anunciada em agosto de 1990, duas semanas após a invasão. Pelo contrário, traz novas exigências, de caráter econômico, além das anteriormente feitas.

Saddam Hussein, por exemplo, exigem que os aliados reconstruam o que destruíram em seu país. A julgar pelas informações procedentes do Golfo Pérsico, tal reconstrução deverá orçar ao redor dos US$ 80 bilhões. É claro que a coalizão não irá bancar essas despesas, pois isso equivaleria a aceitar, implicitamente, a derrota na guerra, o que não condiz com os fatos.

Além disso, o Iraque exige o perdão de sua dívida externa, que gira ao redor de US$ 60 bilhões, e as da Jordânia e Yemen, que se mostrar leais a Bagdá ao longo de toda a crise. Foi uma proposta, portanto, feita para não ser aceita.

Fica claro o objetivo dessa iniciativa. Trata-se de mais uma batalha na guerra psicológica que se trava, paralela dos mísseis, aviões e canhões. E nesse tipo de confronto, o presidente iraquiano já mostrou ser um perito. Certamente sua jogada não irá impressionar um George Bush, ou um John Major, ou François Mitterrand. Mas alguma simpatia, certamente, ele irá obter.

Até porque Saddam fez sua proposta quando ainda não esfriou a reação de mal estar provocada pelo erro cometido por pilotos aliados --- ou pelo serviço secreto ocidental ao indicar um alvo errado --- que foi a destruição de um abrigo antiaéreo em Bagdá, que redundou na morte de centenas de civis.

Nem bem o Conselho do Comando Revolucionário anunciou sua disposição de retirada do Kuwait --- com todas as exigências a reboque --- e eis que já colhe os primeiros frutos. O anúncio acentuou as divergências que já vinham se manifestando sutilmente nos últimos dias, entre as superpotências.

Os militares soviéticos nunca engoliram a decisão do presidente Mikhail Gorbachev de autorizar o uso da força contra seus antigos aliados, e clientes de suas armas. Um general graduado do Exército Vermelho chegou a classificar a atitude, com todas as letras, de "traição" a um amigo.

Como se vê, Saddam sabe usar muito bem as armas psicológicas de que possa lançar mão e vem se mostrando um inimigo muito mais resistente e perigoso para a coalizão do que se poderia imaginar antes da guerra. Além de tudo, pode estar reservando surpresas desagradáveis para seus adversários, em termos militares, mostrando que eles não conseguirão se livrar com tanta facilidade assim do "monstro" que eles próprios criaram.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 16 de fevereiro de 1991).


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