Hussein tenta romper coalizão
Pedro J. Bondaczuk
A
proposta iraquiana de retirada de suas tropas do Kuwait, feita ontem, que num
primeiro instante provocou euforia em Bagdá e em várias partes do mundo, antes
que fossem detalhadas as condições impostas para a desocupação do emirado, não
apresenta nenhuma alteração em relação à que foi anunciada em agosto de 1990,
duas semanas após a invasão. Pelo contrário, traz novas exigências, de caráter
econômico, além das anteriormente feitas.
Saddam
Hussein, por exemplo, exigem que os aliados reconstruam o que destruíram em seu
país. A julgar pelas informações procedentes do Golfo Pérsico, tal reconstrução
deverá orçar ao redor dos US$ 80 bilhões. É claro que a coalizão não irá bancar
essas despesas, pois isso equivaleria a aceitar, implicitamente, a derrota na
guerra, o que não condiz com os fatos.
Além
disso, o Iraque exige o perdão de sua dívida externa, que gira ao redor de US$
60 bilhões, e as da Jordânia e Yemen, que se mostrar leais a Bagdá ao longo de
toda a crise. Foi uma proposta, portanto, feita para não ser aceita.
Fica
claro o objetivo dessa iniciativa. Trata-se de mais uma batalha na guerra
psicológica que se trava, paralela dos mísseis, aviões e canhões. E nesse tipo
de confronto, o presidente iraquiano já mostrou ser um perito. Certamente sua
jogada não irá impressionar um George Bush, ou um John Major, ou François
Mitterrand. Mas alguma simpatia, certamente, ele irá obter.
Até
porque Saddam fez sua proposta quando ainda não esfriou a reação de mal estar
provocada pelo erro cometido por pilotos aliados --- ou pelo serviço secreto
ocidental ao indicar um alvo errado --- que foi a destruição de um abrigo
antiaéreo em Bagdá, que redundou na morte de centenas de civis.
Nem
bem o Conselho do Comando Revolucionário anunciou sua disposição de retirada do
Kuwait --- com todas as exigências a reboque --- e eis que já colhe os
primeiros frutos. O anúncio acentuou as divergências que já vinham se
manifestando sutilmente nos últimos dias, entre as superpotências.
Os
militares soviéticos nunca engoliram a decisão do presidente Mikhail Gorbachev
de autorizar o uso da força contra seus antigos aliados, e clientes de suas
armas. Um general graduado do Exército Vermelho chegou a classificar a atitude,
com todas as letras, de "traição" a um amigo.
Como
se vê, Saddam sabe usar muito bem as armas psicológicas de que possa lançar mão
e vem se mostrando um inimigo muito mais resistente e perigoso para a coalizão
do que se poderia imaginar antes da guerra. Além de tudo, pode estar reservando
surpresas desagradáveis para seus adversários, em termos militares, mostrando
que eles não conseguirão se livrar com tanta facilidade assim do
"monstro" que eles próprios criaram.
(Artigo
publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 16 de fevereiro
de 1991).
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