Gênio ou louco?
Pedro
J. Bondaczuk
A linha divisória entre
a genialidade e a loucura é sumamente tênue, imperceptível, no mínimo duvidosa
e, para muitos, sequer existe. Tanto o gênio, quanto o louco fogem do padrão
considerado “normal” na sua maneira de pensar e, principalmente, de se comportar
em sociedade. Não raro, ambos são confundidos e pagam, muitas vezes, preço
proibitivo por essa confusão. O louco, por deixar de receber o devido
tratamento e o gênio por ser submetido a terapias duvidosas que findam por
enlouquecê-lo de fato. Suponho que o primeiro tenha, vez ou outra, rasgos de
genialidade e que o segundo apresente, em algumas circunstâncias (só não sei em
quais) assomos de loucura.
Um dos personagens do
mundo literário que mais me fascinam e que, até hoje, não consegui me convencer
se foi gênio, como muitos asseguram, ou louco, como a sociedade o considerou
enquanto vivo, foi Antoine Marie Joseph Artaud. Identificado assim, pelo nome
de batismo, poucos saberão de quem se trata. Mas o caso muda de figura quando
se menciona o pseudônimo que adotou em sua vida artística: Antonin Artaud.
É uma figura
simultaneamente respeitada no mundo artístico, como poeta, ator, escritor
dramaturgo, roteirista e diretor de teatro, e repudiada pela sociedade, como um
sujeito insano, perigoso e que teria de ser segregado do convívio com as
pessoas “normais”. Tanto que passou parte considerável da vida em manicômios e
foi encontrado morto no quarto de um deles. Há, como em tudo que cercou a sua
vida, duas versões antagônicas a propósito de sua morte. Uma dá conta que ele
cometeu suicídio (a mais aceita e que me parece mais verossímil). Outra,
todavia, é a que assegura que ele morreu de causas naturais.
Ele foi muito mais
personagem, de uma infinidade de escritores, do que propriamente autor, embora
tenha escrito vários livros, quatro dos quais traduzidos para o português e
lançados no Brasil, a saber: “Linguagem e vida” (Perspectiva, 2011), “Eu,
Antonin Artaud” (Assírio & Alvim, 2007). “O teatro e seu duplo” (Martins
Editora, 2006) e “Heliogabalo” (Assírio & Alvim). Há inúmeros filmes em que
ele é o personagem enfocado. Há, ainda, documentos sonoros e audiovisuais em
profusão que tratam dele. E a dúvida persiste e até se acentua: foi gênio ou
louco?
Antonin Artaud nasceu
na cidade francesa de Marselha, em 4 de setembro de 1896. Foi encontrado morto
no quarto de um manicômio do bairro de Ivry-sur-Seine, em Paris, em 4 de março
de 1948, quando faltavam seis meses para completar 52 anos de idade. Apesar de
haver certo escrúpulo da imprensa ao tratar de suicídios, é praticamente certo
que ele se matou. Internado, pela primeira vez, em 1937, em decorrência de
algumas atitudes tidas e havidas como anormais, passou seis anos sendo
transferido de um manicômio para outro, num cruel jogo de empurra, sendo
submetido a tratamentos sumamente duvidosos (hoje banidos, por serem
comprovadamente ineficazes). Só não sofreu lobotomia. No mais... Após tantas
transferências, tantas idas e vindas. foi parar no renomado hospital
psiquiátrico de Rodez, onde permaneceu por mais três anos. Mesmo ali, nessa
instituição que tinha a fama de se utilizar de terapias humanas e que
apresentavam resultados, passou por várias sessões de eletrochoque. Como se vê,
o cara sofreu e sofreu demais.
Em 1946, recebeu alta e
foi para Paris. Mas permaneceu solto por pouquíssimo tempo. Voltou a ser
internado, desta vez num manicômio do bairro de Ivry-sur-Seine, em cujo quarto
foi encontrado morto. Não é de se estranhar que tenha dado cabo da própria vida
(se é que o deu mesmo). Embora boa parte da sua obra, tanto a literária quanto
a teatral, tenha sido produzida antes dos anos 30, quando começou sua
peregrinação por diversos manicômios, escreveu muita coisa, hoje considerada
genial, nesse longo período de confinamento e de tortura física, mental e
psicológica. Pena que sua obra poética, a anterior à do período em que foi
considerado louco, tenha se perdido para sempre. E perdeu-se por obra do
próprio Artaud. Ele queimou todos os poemas que escreveu na juventude, até para
ser coerente com o que passou a pregar. E qual foi essa pregação? O “gênio” (ou
“louco”) definiu o poeta não como o sujeito que escreve poesias, mas aquele que
faz da vida um poema, mesmo que jamais tenha escrito um único e reles verso.
Ainda assim, na fase, digamos, de “loucura”, escreveu inspirados textos
poéticos, como é o caso de “Para acabar com o julgamento de Deus”, composto em
1948, semanas antes da sua morte.
Após ler livros e mais
livros, tanto os escritos por Artaud quanto, e principalmente, “sobre” ele,
minha dúvida inicial persiste e até se acentuou: Essa figura trágica, sofredora
e polêmica foi gênio ou louco? Ou ambas as coisas, com assomos ora de loucura,
ora de genialidade? Sou “quase” induzido a me convencer desta última
alternativa. Contudo, nunca consegui chegar a qualquer conclusão a propósito
desse tema, dada a ambigüidade das definições a propósito. Afinal, o que é
loucura? O que é genialidade? Existe algum limite, alguma linha divisória entre
uma e outra? E se existir, como identificá-la? Não sei!!! Por acaso você sabe,
atento e bem informado leitor?
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