Monday, March 31, 2014

Lições que o homem nunca aprendeu

Pedro J. Bondaczuk

A história jamais se repete e, por essa razão, os erros cometidos no passado, que levaram civilizações à decadência e à posterior extinção, acabam invariavelmente esquecidos. Caso não o fossem, sofrimentos inúteis, destruições insensatas e massacres criminosos seriam certamente evitados. Se porventura a humanidade soubesse não reincidir em equívocos praticados em outros tempos, os povos teriam queimado etapas na busca de uma sociedade ideal, em que houvesse fartura, equilíbrio e solidariedade e em que todos pudessem se sentir realizados e conseqüentemente felizes. Mas... uma coisa tão simples não passa de utopia, tida e havida como impossível de se concretizar.

Poucos escritores têm coragem de pôr o dedo nessa dolorosa ferida: a do preconceito, sobretudo o racial. Aliás nem tenho certeza se são eles que não escrevem a propósito ou se os editores é que se recusam a publicar seus textos, por razões que só eles poderiam explicar (ou não). O fato é que por causa, exclusivamente, da nossa estupidez, o simples desejo de coisas tão corriqueiras e fáceis de conseguir hoje, com as facilidades existentes de informação e de comunicação – como o irrestrito respeito pela individualidade, por exemplo – soa como utopia, como enorme fantasia, como algo que extrapola, em muito, o plano da realidade.

O preconceito, seja de que espécie for – de raça, de religião, de sexo, de condição econômica ou social – é uma doença do espírito, que muitas vezes atinge surtos epidêmicos e causa grandes tragédias. O racismo, mais especificamente (nas mais variadas formas em que se manifesta), já redundou, entre outras coisas, em duas guerras mundiais no século passado que, somadas, foram responsáveis por pelo menos setenta milhões de mortes. A primeira foi causada pela revolta dos bósnios e sérvios, que se recusavam a ver parte dos seus territórios anexada à Áustria. E por razões puramente étnicas. Por isso, Gavrilo Princip, integrante de um grupo nacionalista chamado "Mão Negra", que costumava manter reuniões na taverna "Grinalda Verde", em Belgrado, foi incumbido de uma missão que ele julgava sagrada e que, no entanto, se revelou desastrosa. Ou seja, deveria assassinar o arquiduque Francisco Ferdinando, que estava com viagem marcada para a Bósnia, mais especificamente para Sarajevo, para comandar exercícios militares.

E ele cometeu, de fato, esse ato de violência, que encarava como fundamental para sua causa, em 28 de junho de 1914. Com isso, conseguiu deflagrar a Primeira Guerra Mundial, que já vinha "fermentando" há tempos e que carecia somente de um pretexto, de um “estopim” para começar. Passados 21 anos dessa conflagração, e eis que outra, muito mais escabrosa e cruel, surgiu, por idênticos motivos: por pretensa superioridade de uma etnia sobre outra (ou sobre outras, para ser mais exato). Foi deflagrada por uma questão indefinida, vaga, tola ao extremo, chamada "racismo".

O que, em termos de seres humanos, se entende por "raça"? A separação de pessoas por tal parâmetro é indigna. Animaliza os homens. Estes têm identidade, têm o poder de raciocínio e do livre-arbítrio. Raça é algo que se aplica a seres inferiores, aos animais, não a pessoas. Mas é este conceito estúpido e ilógico que ainda prevalece, posto que dissimulado. Na África do Sul, a maioria do povo que habita esse país foi privado por anos de todos os direitos em sua própria pátria somente por uma questão de cor da pele. Nos Estados Unidos, os conflitos raciais permanecem sempre latentes e volta e meia emergem à tona. Na extinta União Soviética, distúrbios étnicos entravaram a evolução da "glasnost" e da "perestroika" e contribuíram para a dissolução dessa superpotência. E o racismo se multiplica pela Grã-Bretanha, Itália, França, Espanha, Rússia etc, posto que enfaticamente negado.

Manifestações racistas são para lá de comuns nos esportes, por exemplo, a despeito de campanhas para conscientizar as pessoas que se trata de comportamento a ser erradicado. No futebol, tanto a Fifa, quanto a Uefa e várias federações nacionais procuram convencer atletas e torcedores a se livrarem de seus preconceitos, em nome da nobreza do esporte. Em vão! São comuns manifestações racistas nos estádios, contra atletas negros, quer provenientes da África, quer de outros países, como o Brasil, por exemplo. Roberto Carlos passou por essa amarga experiência na Rússia. Dia desses, o zagueiro Paulão, do Betis, time da cidade de Sevilha, na Espanha, saiu chorando de campo, após torcedores do seu próprio time hostilizarem-no com palavras ofensivas, de conotação racista. Que pena que a história não tenha nos ensinado nada e que repitamos erros e  comportamentos nitidamente nocivos e desastrosos, como este!

E o preconceito não é somente, ou especificamente, o de cor. Vejam o que ocorre na África. Rivalidades étnicas, ou seja, racismo, causaram (e ainda causam) inúmeros massacres, selvagens e dantescos. Um deles, o mais conhecido, foi o que envolveu os hutus que dizimaram milhões (isso mesmo, milhões!) de tutsis, e vice-versa, nos anos 90, em Ruanda e em Burundi. Essas carnificinas são seqüelas ainda do período colonial, quando as grandes potências européias reuniram, num mesmo território, por elas administrado, povos que mantinham rivalidades milenares e ódios há muito represados.

No período em que ingleses, franceses, portugueses, espanhóis, alemães, belgas e italianos mantiveram seu domínio no continente africano, a pretexto de "civilizarem" esses povos, apenas exploraram seus recursos naturais, não muito abundantes por sinal, carrearam as parcas riquezas existentes na região para seus próprios cofres e deixaram, como maldita herança, populações inteiras desnorteadas. Nem conseguiram fazer com que sua cultura fosse assimilada e nem permitiram que as locais se conservassem. Deu no que deu.

Hoje a África, salvo raras exceções, se transformou em sucursal do inferno na Terra. Indigência, violência, prepotência e falta de perspectivas foram os legados que os europeus deixaram a povos com extraordinária tradição de humanismo. O preconceito, de qualquer espécie ou natureza, tem apenas isso a oferecer: o caos! Mas... a humanidade não consegue (ou não quer) entender essa verdade, que é tão obvia. Teima em nunca aprender as simplérrimas lições da História.


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