Wednesday, December 04, 2013

Valorização do diálogo


Pedro J. Bondaczuk


O encontro realizado, ontem, na cidadezinha montanhosa de La Palma, em El Salvador, entre o presidente daquele país, José Napoleón Duarte, e os guerrilheiros, pode, eventualmente, não conduzir os salvadorenhos à sonhada pacificação nacional. Mas deixa algumas importantes lições para todos.

Nos últimos anos da História moderna, o gesto conciliatório do mandatário centro-americano soa como algo quase inédito, principalmente em se tratando de América Latina, onde, infelizmente, ainda se dá mais valor à força das armas do que ao poder do diálogo.

A atitude do presidente salvadorenho é, guardadas as devidas proporções, semelhante à do presidente colombiano, Belisário Betancurt, que decidiu reincorporar diversos guerrilheiros, na clandestinidade há mais de vinte anos, na vida política nacional, com o pacto que firmou com os principais grupos rebeldes existentes no país, no mês de agosto.
Entretanto, na Colômbia, a situação era muito mais calma do que em El Salvador e os esquerdistas, em momento algum, chegaram a colocar, realmente, em risco a paz e a economia nacionais. Suas ações isoladas eram mais “espetaculosas” do que perigosas, em termos de sobrevivência do regime. Eram, tão somente, incômodas.

Esse já não é o caso salvadorenho, onde milhares de vidas se perdem diariamente na luta feroz e fratricida, fadada a não ter vencedores. Ninguém, em sã consciência, com um mínimo de conhecimento político, pode admitir, sequer, a remota possibilidade dos guerrilheiros salvadorenhos ascenderem ao poder. Os EUA jamais deixariam surgir em suas fronteiras uma outra Cuba, ou uma nova Nicarágua. Admite-se que alguma pessoa (ou governo) possa errar duas vezes. Mas na terceira...

Para o presidente Napoleón Duarte essa situação de beligerância, também, só traz prejuízos de toda ordem. A sua autoridade entra em colapso. Ele detém controle de fato sobre áreas cada vez menores do território nacional. E, economicamente, o país entra em parafuso. Ou seja, estabelece-se o caos, sem nenhuma perspectiva de que qualquer espécie de programa possa, sequer, ser cogitada, quanto mais implantada.

O país, sobretudo, corre sério risco de uma ocupação estrangeira e até de desaparecer. A vitória pelas armas seria apenas uma ficção. Não faltariam interessados na continuidade dos combates, que forneceriam armas, e até combatentes, para que as lutas prosseguissem. Afinal, o nefasto comércio da morte alimenta-se de desacordos. E, como as aves de rapina, os chacais e as hienas, eles não sobrevivem sem cadáveres.

Pela segunda vez consecutiva, portanto, no espaço de apenas um ano, a América Latina dá uma lição ao mundo. A de que o continente está maduro para ensejar o nascimento de uma nova geração de líderes políticos, que realmente se preocupem com seus países, e não apenas com a transitória posse do poder.

A América Latina está em vias de assistir a grandes transformações de mentalidade, o que devolve, a todos nós (pelo menos um pouquinho) a perdida esperança, que tantos e seguidos revezes subtraíram.    

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 16 de outubro de 1984)


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