Era da mobilidade
Pedro
J. Bondaczuk
O final de cada ano –
pelo menos nesta época atual, caracterizada por um sem número de facilidades
proporcionadas pelos avanços tecnológicos – vem sendo marcado, entre outras
coisas, pela mobilidade. Multidões, em automóveis – cada vez em maior número, mais
velozes e sofisticados (posto que não mais seguros) – se deslocam
freneticamente de suas cidades de origem, em direção ao litoral ou ao interior,
como se fosse algo obrigatório, enfrentando riscos, desconforto e toda sorte de
chateações. Óbvio que não são obrigadas a isso! Mas as pessoas agem como se
fossem. Abarrotam rodovias, inseguras, esburacadas e pessimamente sinalizadas,
chamarizes de acidentes em sua imensa maioria, como se não houvesse amanhã.
Para muitos, não haverá mesmo. Claro que me refiro aos tantos que perdem ou vão
perder a vida – por negligência, imperícia ou imprudência, próprias ou de
terceiros – em desastres evitáveis, mas que não evitam ou não evitarão.
Mas não são apenas as
estradas que ficam superlotadas nessas ocasiões. Observe-se, também, que isso
não ocorre apenas em vésperas de Natal e Ano Novo. Repete-se antes de qualquer
feriado, principalmente quando ele cai no meio da semana, o que permite que se
“enforquem” dois ou três dias úteis de trabalho, para desespero dos patrões. Os
aeroportos, inadequados e ultrapassados Brasil afora, superlotam com multidões
ansiosas por embarcar para os lugares mais distantes tanto deste
país-continente quanto e, sobretudo, para o exterior. Isso não acontecia antes?
Bem, depende a que “antes” nos referirmos.
Se a referência for ao
ano anterior, ou aos cinco ou dez anteriores, não há muita novidade. A
diferença está apenas na quantidade. O contingente desse pessoal que foge de
suas cidades como o diabo foge da cruz tão logo apareça oportunidade para tal,
sem sequer medir riscos e/ou desconfortos, cresceu muito e tende só a crescer,
principalmente em decorrência da melhoria da capacidade econômica de parcela
considerável de brasileiros. Contudo, se nos referirmos a vinte, trinta ou
mesmo cinqüenta anos atrás, essa mobilidade não deixa de ser espantosa, embora
já nos pareça “normal” de tanto que vem sendo repetida.
Não há dúvidas que isso
decorre da evolução dos meios de transportes. Esse “nomadismo” contemporâneo
desenfreado seria inconcebível, digamos, na década de 30 do século passado. Até
porque, antes do governo de Juscelino Kubitschek, o País sequer dispunha de
rodovias, nem mesmo das esburacadas e mal sinalizadas de hoje, de que tanto nos
queixamos. Tínhamos, apenas, cinco ou seis, se tanto. E no século XIX? Bem, não
há o menor registro, em livro algum de escritor da época, de, digamos,
“congestionamento” de cavalos nas picadas da Serra do Mar, por exemplo, que
demandavam às praias do litoral paulista (nem de qualquer outra, de outras
partes muito menos desenvolvidas do País). E nem de carruagens ou tilburis, de
famílias mais abastadas, as únicas que poderiam se dar a esse luxo (que não
lhes passava nem remotamente pela cabeça, por razões óbvias). Ademais, os
banhos de mar nem mesmo eram hábito da esmagadora maioria dos nossos
ancestrais.
As viagens para outros
países, então, eram extremas raridades. Só eram feitas, salvo uma ou outra
exceção, quando indispensáveis, em geral para estudos, ou para negócios, ou
para tratamento de saúde em centros mais avançados do exterior. Raros eram os
que faziam turismo, como se faz agora. Afinal, o avião sequer havia sido
inventado. E quem quisesse conhecer a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia, por
exemplo, teria que viajar em navios que, mesmo que luxuosos e relativamente
seguros (mas não totalmente, pois até a embarcação que “nem Deus poderia
afundar”, no caso o Titanic, foi parar no fundo do oceano), eram lentíssimos.
Uma viagem de São Paulo a Paris, para citar um caso, que hoje se conta em
horas, era contada, na ocasião, em semanas. E, para localidades mais distantes,
contava-se, até, em meses.
As seleções de outros
continentes, por exemplo, que participaram da primeira Copa do Mundo de
Futebol, disputada no Uruguai, em 1930, viajaram para lá de navio. Por isso
foram tão poucas as que participaram e muitas delas até desistiram de
participar da competição em cima da hora. O mesmo aconteceu com os brasileiros
em 1934 e 1938, na Itália e França, respectivamente, que tiveram que viajar,
ser não me falha a memória, duas semanas em um transatlântico. Já imaginaram?!
Caso os transportes aéreos não evoluíssem como evoluíram, tornando os vôos
seguros, confortáveis e rápidos, não tenho dúvidas em afirmar que as Copas do
Mundo, as Olimpíadas e todas as outras competições esportivas internacionais sequer existiriam. Afinal,
exigiriam esforço demais por tão pouca coisa.
Fico imaginando como
serão os feriados, sobretudo os de finais de ano, digamos, no século XXII
(isso, claro, supondo que o mundo sobreviva até lá e que nenhum maluco promova
sua aniquilação). Como serão os transportes na virada de 2113 para 2114? Nossos
descendentes demandarão praias de qualquer parte do Planeta, como fazemos
agora, ou optarão por viagens mais ousadas e infinitamente mais longas, hoje
impossíveis, para alhures, para algum
remoto planeta além do Sistema Solar? Isso, hoje, está muito além da
imaginação. Assim como nossos hábitos atuais estariam, ressalte-se, para nossos
ancestrais, caso ressuscitassem e vissem como nos comportamos hoje. Enfim..
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk.
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