Sunday, December 08, 2013

Século das luzes ou das trevas?

Pedro J. Bondaczuk

O escritor, principalmente o ensaísta e, mais ainda, o historiador, têm, diante de si, um tema que se constitui, simultaneamente, em excelente oportunidade e em enorme desafio: resumir o que de melhor e de pior ocorreu no século passado, que encerrou o segundo milênio da Era Cristã. No primeiro caso, destacam-se os avanços da tecnologia – aliás, das ciências, em geral – em praticamente todos os campos de atividades, notadamente nos dos transportes, das comunicações e da Medicina, com o desenvolvimento de terapias e de medicamentos para as principais doenças, algumas consideradas incuráveis há não muito tempo e que hoje já têm cura. No aspecto negativo... é possível escrever todo um tratado, de dezenas de volumes, e ainda assim omitir muita coisa ruim que o homem criou para seu próprio mal e o de toda a humanidade. Assunto, pois, é o que não falta.

Fica a dúvida sobre qual a caracterização mais adequada e precisa para o século XX. Para os mais otimistas, mesmo lamentando as tragédias e catástrofes de toda a sorte do período, ele foi o “Das Luzes”. O do avanço da espécie em praticamente todos os campos. Por outro lado, os pessimistas, de olho nas conseqüências de longo prazo que as “aberrações” praticadas ainda tendem a produzir (entre as quais o risco, talvez iminente, de um catastrófico aquecimento global), os derradeiros cem anos merecem a designação de “Século das Trevas”. Da minha parte, opto por ficar na “coluna do meio”. Não ignoro e nem deixo de valorizar os avanços, mas não fecho os olhos (e nem poderia) para os retrocessos e para essa bomba de tempo que são as seqüelas dessa época que nos foi dada a oportunidade de viver (ou de sobreviver?).

O século XX só não será o mais violento de toda a História da humanidade caso o atual, que vai chegando à metade da segunda década, o superar nesse aspecto. E tudo indica, infelizmente, que o superará, com sobras. A julgar pelo 11 de setembro de 2001 e pelas conseqüências desse atentado, responsável pela destruição das torres gêmeas do World Trade Center, de Nova York, o período atual “promete”, em termos de violência e de atrocidades!. Entre outras coisas, e como “resposta” norte-americana a esse inusitado e surpreendente ataque, dois países foram tomados como “bodes expiatórios”: Iraque e Afeganistão. E ambos foram devastados com tamanha fúria e intensidade, que levarão pelo menos cem anos para voltarem ao estágio em que se encontravam antes de serem invadidos e ocupados militarmente. Isso, caso voltem, o que tem mais de 90% de probabilidade de jamais ocorrer.

A principal característica do Século XX foi a violência, nas suas mais variadas formas e matizes. E isso mudou para melhor, os homens substituíram as ações bélicas pela diplomacia, nestes primeiros treze anos do novo milênio? Ora, ora, ora. Não, não e não, óbvio! A violência foi, e continua sendo (ao lado da "crise") a palavra mais utilizada pelas pessoas e a atitude mais assustadora e temida por todos os indivíduos e povos. Em várias ocasiões, no século passado, a espécie humana esteve a pique de ser extinta. O instinto de sobrevivência, no entanto, prevaleceu, sabe-se lá como, e evitou a ocorrência de um definitivo "holocausto nuclear", principalmente no ainda recente ciclo, que ficou rotulado com o nome de "Guerra Fria". É verdade que isso acabou. Uma das superpotências que a alimentavam, no caso, a União Soviética, sequer existe, dissolvida que foi no primeiro ano da última década do século XX. Então o perigo de uma Terceira Guerra Mundial passou? Óbvio que não. Temo, até, que se tornou muito maior, posto que omitido (não se sabe por que) das manchetes da imprensa internacional.

Os últimos cem anos do segundo milênio da Era Cristã protagonizaram duas encarniçadas guerras mundiais (a primeira das quais completará em 2014 o centenário do seu início), responsáveis (somadas) por pelo menos 50 milhões de mortos, mais do que o dobro dessa cifra de feridos e por um desperdício incalculável de recursos, decorrente da destruição de cidades, pontes, ferrovias, campos de cultivo etc. etc.etc. Mas a insanidade humana não parou por aí. Houve dezenas de conflitos regionais por razões absolutamente mesquinhas e centenas de confrontações civis, na disputa por poder, com resultados igualmente terríveis.

Apenas nestes treze anos do século XXI, já tivemos, para citar, apenas, alguns casos que me vêm à memória, as invasões, com suas terríveis conseqüências, ao Iraque e ao Afeganistão; os massacres de albaneses pelos sérvios na província de Kosovo, com a conseqüente represália da Organização do Tratado do Atlântico Norte contra a Sérvia; as ações russas contra a rebelde Chechênia, além dos sempre caóticos protestos de rua, com milhares de vítimas, na Tunísia, na Líbia, no Egito, na Turquia etc.etc.etc.. Sem falar na guerra civil da Síria, que vem arrasando esse país árabe e que não se sabe como e quando vai acabar. O que virá pela frente? Só Deus sabe!

Sob o aspecto da violência militar, portanto, o período passado foi, de longe, o "Século das trevas", a despeito do que já ocorreu (e que não foi pouco) nos últimos treze anos. Foi nele que se inventaram as câmaras de gás, em que pelo menos seis milhões de judeus foram sacrificados, num processo "industrial", metódico e sistemático de eliminação de seres humanos. O que ocorreu foi tão terrível, que se a humanidade sobreviver, digamos, até 2300, nossos descendentes vão pensar que nada disso existiu de fato  e que o relato dessas atrocidades não passa de invenção de uma mente extremamente doentia. Antes fosse... Mas isso não foi o pior. Nem os campos de concentração, que ainda existem e todos fingimos que não sabemos de sua existência.

O cúmulo dos cúmulos, na "arte de matar", foi o lançamento das bombas atômicas, em 6 e 9 de agosto de 1945, sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki! O que me espanta é o fato de haver quem busque justificar esse extermínio em massa, essa carnificina, em que as vítimas não tiveram a mais remota chance de defesa. E só Deus sabe como conseguimos escapar da destruição do Planeta, nas décadas de 50, 60 e 70,  por estas pavorosas armas que não só não foram eliminadas como tendem a se expandir por mais e mais países. É assustador! Hoje, ao lado da violência militar, há aquela mais próxima, cotidiana, constante e presente, que atormenta e apavora as populações das grandes cidades.

A miséria, a ambição desmedida, a corrupção, a frustração,  o tráfico e consumo de drogas, além de uma decadência na educação e na moral e da desagregação da família, fizeram com que a vida fosse desvalorizada ao extremo. Indivíduos mais perigosos e perversos do que as mais selvagens feras agem ao nosso redor  (quando não em nossas próprias casas) e sequer sabemos se e até quando iremos escapar da sua sanha. Homicídios terríveis sucedem-se, diariamente, e em tal quantidade e com tamanha freqüência, que já são encarados como fenômenos "normais".

Mas há outras tantas, e selvagens, formas de violência, disfarçadas sob outros nomes, que são tão covardes e perniciosas quanto as guerras e assassinatos, e que ninguém leva em conta. Incluem-se neste infame rol a fome, o analfabetismo, o desemprego, o trabalho escravo, a exploração da mão de obra infantil, as agressões às mulheres, os estupros, a pedofilia, os salários vis pagos aos que executam tarefas penosas e insalubres, as várias formas de preconceito, a exclusão social, o abandono de menores etc. Nenhuma distorção, todavia, é mais evidente (e perigosa no longo prazo) do que o fato de dois terços dos mais de sete bilhões de habitantes do Planeta vegetarem na miséria, para que o um terço restante esbanje os escassos recursos terrestres. E ainda há pseudo-intelectuais que, do alto da sua empáfia e arrogância (classifico-as como “burrice”), defendem, com unhas e dentes, com seus pedantes argumentos,  esse sistema vigente como sendo justo e honesto! Valha-nos Deus!!! Voltarei, oportunamente, a abordar o assunto, embora ele me cause náuseas e me faça muito mal.


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