Saturday, December 21, 2013

Como em 1976...

Pedro J. Bondaczuk

A comunidade cristã libanesa viveu, nos últimos quatro dias, um dos momentos mais trágicos da guerra civil no Líbano. No curso de uma década e meia de conflito, os combates registrados envolvendo seus adeptos foram sempre contra membros de outras seitas religiosas. Mas agora, eles combateram entre si, com resultados catastróficos. Apenas ontem, em oito horas de batalha, pelo menos cem pessoas foram mortas e cerca de trezentas sofreram ferimentos. Foi uma cruel carnificina, nessa sucessão de horrores que os libaneses vêm vivendo há tanto tempo.

O presidente Amin Gemayel, que no ano passado teve sua autoridade contestada dentro do próprio partido, a Falange Cristã, quando Samir Geagea estabeleceu a dissenção na entidade, deve ter recuperado o prestígio junto a toda a comunidade. Mas será que o preço pago valeu a pena? Dificilmente alguém poderá afirmar que sim. O pior de tudo é que o resultado dessa luta coloca em risco mais um plano bem intencionado de pôr término ao conflito no país. Doravante, tudo pode acontecer.

Ocorre que a facção derrotada ontem (as Forças Libanesas, comandadas por Elie Hobeika) foi exatamente aquela que firmou o pacto de armistício com as milícias Amal, dos xiitas e com o Partido Progressista, dos drusos, nos últimos dias do mês passado. Vencida, ela perde a representatividade entre os cristãos. A Falange, de Gemayel, como se sabe, opõe-se ao acordo, por várias razões. Uma delas, a menos importante, é que não foi consultado quando as negociações foram feitas, com a costumeira intermediação síria. A outra, esta sim relevante, é que o presidente entende que se posto em execução o plano pacificador de Hafez Assad, os muçulmanos, hoje 67,5% da população libanesa, ganhariam demasiado poder no país.

Dessas maneira, o Líbano retorna a uma situação idêntica à que viveu dez anos atrás. Em 22 de janeiro de 1976 um acordo semelhante ao de dezembro passado foi obtido, prevendo uma série de reformas políticas, econômicas e sociais. Naquela oportunidade, quem colocou obstáculos à execução das medidas foi o então presidente Suleiman Franjieh. Em pouco tempo, fracassada essa tentativa de conciliação, os milicianos rivais voltaram a envolver-se em terríveis batalhas, que não cessaram mais. É uma pena que isso aconteça outra vez.

Os cristãos libaneses, reunindo os maronitas e os greco-ortodoxos, somam, hoje, a 30,7% da população. Mesmo assim, pela ultrapassada Constituição do País, têm direito a trinta cadeiras no Parlamento nacional, quase a metade das 75 vagas existentes. Além disso, cabe a eles a Presidência da República.

Os xiitas, que isoladamente são a seita mais numerosa do Líbano, possuem a terceira representação parlamentar, podendo eleger apenas 19 deputados. Cabe a eles, também, a presidência da casa. As duas principais funções de mando, porém, a chefia do Estado e a do gabinete, competem a outros. A primeira, aos cristãos e a segunda aos sunitas, que são apenas 18,4% dos libaneses.

Não é necessário ser, portanto, nenhum gênio em ciências políticas para perceber a razão pela qual os habitantes do Líbano não conseguem se entender. O que pode acontecer, doravante, é uma exigência, por parte do ministro da Justiça, Nabih Berri, e líder druso, Walid Jumblat (ambos signatários do pacto de Damasco) para que o documento seja respeitado, mesmo Elie Hobeika tendo sido derrotado pelos falangistas.

O presidente Amin Gemayel, por seu turno, certamente não vai aceitar isso. Afinal, venceu uma selvagem batalha para conquistar esse direito. O recurso que vai restar será o retorno à velha e trágica rotina. Aos tiroteios, seqüestros, bombardeios e todos os demais atos de violência que caracterizam as guerras civis.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 16 de janeiro de 1986)


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