Ingratidão com os heróis
Pedro J. Bondaczuk
A
ingratidão, e isso não é novidade para ninguém, é uma das atitudes mais comuns
entre as pessoas, que costumam esquecer muito cedo, e muito fácil, àqueles que
as beneficiam. Na literatura são comuns citações a esse respeito e o poeta português, Bastos Tigre, chegava a preferir a
companhia dos cães, à humana, pois com o animal irracional achava que teria uma
fidelidade irrestrita garantida.
As
guerras, desde tempos imemoriais, sempre tiveram o condão de forjar heróis.
Soldados que, com o despreendimento das próprias vidas, praticaram atos de
abnegação e coragem, que assombraram seus contemporâneos. Entretanto, o que a
história e as lendas passadas de boca a boca, que atravessam gerações,
registram não são essas ações louváveis e virtuosas. Nos anais permanecem
marcadas, a ferro e fogo, as cruentas batalhas que salpicaram os campos de
combates de milhares de cadáveres e os generais que comandaram tais massacres,
ditos heróicos.
No
que se refere à gratidão, a memória popular jamais foi das mais brilhantes. E
nem ao menos razoável. O soldado Jesse Carpenter, ganhador da estrela de bronze
durante os tempos terríveis da Segunda Guerra Mundial, descobriu isso nos
últimos 22 anos da sua vida, passados nas ruas de Washington, ao abandono,
mendigando para poder sobreviver e tendo por amigo, somente, alguém mais
indefeso do que ele: um paraplégico, a quem julgava seu dever dar proteção e a
cujos pés morreu congelado no dia 5 de dezembro de 1984.
Longe
ficaram os discursos inflamados dos políticos, ávidos por obterem um espaço a
mais, gratuito, da imprensa, dos seus tempos de glória. Distantes se tornaram
os dias de fotografias em primeiras páginas de jornais e manchetes louvando o
ato de heroísmo de, enfrentando as balas inimigas, ter carregado vários
companheiros feridos para um lugar seguro, salvando-lhes a vida. Ficaram
remotos, perdidos na lembrança, como se não passassem de sonhos, os tapinhas
nas costas dos amigos e os olhares de reconhecimento e admiração do povo nas
ruas.
A
memória humana é mesmo muito fraca quando se trata de recompensar quem é
altruísta. Pune, geralmente, os autênticos heróis, por sentir-se humilhada em
sua presença. O orgulho e a arrogância existentes em nós não admitem um
reconhecimento sincero dos méritos alheios. É mais cômodo esquecê-los, do que
imitá-los. A verdade é que os heróis incomodam. São lembrados, apenas, enquanto
úteis para alguma finalidade, para serem usados por pretensos patrocinadores.
Ou quando mortos, para emprestarem seus nomes a ruas, estádios, hospitais e
outros logradouros públicos.
É
estranho repudiar-se a violência, mas louvar-se os violentos. Crucificar-se os
taumaturgos e carregar nos ombros os vilões que arrasam cidades. Sustentar
celerados e deixar morrer à míngua os que se sacrificam por alguém. Aí reside a
verdadeira raiz da violência humana: na inconsciente glorificação dos
violentos.
(Artigo
publicado na página 10, de Internacional, do Correio Popular, em 28 de dezembro
de 1984)
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