Monday, December 30, 2013

Fenômenos da modernidade

Pedro J. Bondaczuk

A disseminação da prática de esportes em suas dezenas de modalidades e, sobretudo, sua popularização é, fundamentalmente, uma característica da chamada modernidade. Isso não quer dizer que em tempos mais remotos eles não fossem praticados. Foram. Todavia, nem de longe alcançaram a popularidade que gozam hoje e nem despertaram as paixões que despertam em nossos dias. Eram coisa para poucos, para atletas com físico privilegiado e, principalmente, como uma espécie de adestramento militar. A origem dessas práticas, em termos competitivos, é impossível de ser determinada com precisão. Mas há farta referência textual aos esportes em relatos dos principais historiadores.

Basta remontar, por exemplo, à Grécia Antiga, notadamente a Esparta, caracterizada pelo culto ao físico, não raro, até, em detrimento da mente. Ademais, é até redundante e desnecessário mencionar a origem e o desenvolvimento dos Jogos Olímpicos, por se tratar de conhecimento praticamente generalizado. Os romanos, também, foram exímios esportistas, embora as modalidades praticadas em seu tempo fossem de tal sorte violentas, que hoje são consideradas bárbaras e ninguém se atreve a promover competições do tipo.

Roma teve, inclusive, um campeão olímpico, e dos mais célebres. Foi seu imperador Nero (chamado, quando assumiu o comando do império da maior e mais poderosa superpotência do passado, entre as maiores de todos os tempos, de Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus, mas cujo nome original, dado por seus pais, foi Lucius Domitius Aenobarbus). Ele participou das Olimpíadas de 67 a.D. e os cronistas da época afirmam que essa participação teve fins políticos, mais especificamente, diplomáticos. Não vejo razão para não se dar crédito aos seus contemporâneos. A intenção de Nero, conforme essas fontes, foi a de buscar uma aproximação com a Grécia, submetida ao Império Romano, além, claro, de mostrar aos gregos e aos demais povos o que entendia ser a “superioridade” do seu povo, inclusive em termos de competitividade.

Várias testemunhas do evento relataram que o imperador não era lá essas coisas, nem como atleta e nem mesmo como artista (os jogos de então tinham, também, características artísticas, com provas de canto e de declamação). Há quem diga que, por questão de antipatia pessoal e oposição política, esses cronistas deturparam a imagem de Nero, pintando-o como ridículo e caricato, quando não “louco”, já que ele conquistou todas as coroas de louro em disputa (eram as “medalhas” de então), que fez questão de exibir, com grande pompa, nas ruas e praças de Roma. Todavia, essas testemunhas voltam à carga e garantem que ele só ganhou as provas em que participou dada sua condição de imperador e alguns vão ao extremo de garantir que ele subornou os juízes.

Para provar que Nero, como atleta, era medíocre, citam seu desempenho em uma das principais modalidades. Na corrida de carros com dez cavalos ele perdeu o controle do veículo e sofreu espetacular queda, que quase causou sua morte. Mas pelo menos em um quesito ele mereceu a máxima láurea: no de sorte. A despeito da queda, potencialmente mortal, Nero sofreu, apenas, alguns arranhões (inclusive em sua exacerbada vaidade), sem maiores conseqüências. Como se vê, em tempos tão remotos, já havia esportes e, também, quem escrevesse a respeito, destacando heróis e vilões, como acontece hoje (guardadas, claro, as devidas proporções). Só não se sabe se ambos eram reais ou forjados. É questão de acreditar ou não nos relatos, não há outro jeito.

Todavia, as modalidades que hoje estão entre as mais populares do mundo foram criadas, apenas, no século XVIII (algumas) e principalmente no século XIX. Um exemplo? O basquete, no qual os Estados Unidos detém absoluta hegemonia. Pudera, foram seus criadores! Seu “inventor” foi James Naismith, professor de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Springfield (não confundir com a cidade do mesmo nome do seriado televisivo “Os Simpsons”), no Estado de Massachusetts. O ano de criação foi 1891, embora a primeira competição tenha ocorrido em 20 de janeiro (data do meu aniversário) de 1892. Pitoresco foi o placar registrado, quando se sabe que os escores dessa modalidade se caracterizam por contagens centenárias: foi de 5 a 1 para o quinteto vencedor.

 Já o beisebol, o esporte disparadamente o mais popular nos Estados Unidos, não teve origem nesse país, como muitos supõem, e é um pouquinho mais antigo. A modalidade, do jeito que é praticada hoje, surgiu no Reino Unido, mais especificamente na Inglaterra e na Irlanda, provavelmente em 1744. Foi levada para a terra de Tio Sam por imigrantes. A primeira partida “oficial” nos EUA – pelo menos a primeira menção escrita a essa disputa – teria acontecido em 1791 (embora não haja referências ao mês e ao dia) em Pittsfield, também no Estado de Massachusetts.

Já o futebol americano – ou simplesmente futebol, já que o que conhecemos e praticamos no Brasil com esse nome, lá é conhecido como “soccer” e é considerado jogo tipicamente feminino – a segunda modalidade mais popular dos Estados Unidos (abaixo do beisebol e acima do basquete), surgiu em 1867. Trata-se de uma derivação do “rugby”, com regras próprias e características. Originou-se de uma série de três jogos entre duas universidades esportivamente rivais, Harvard e Yale, que foram disputados na localidade de Mackenzie.

Outras tantas modalidades esportivas, entre as quais o futebol, que hoje é, disparadamente, a que mais interesse desperta, que movimenta mais dinheiro e que provoca mais e extremadas paixões mundo afora, foram criadas ou em final do século XVIII ou ao longo do século XIX. Isso comprova minha afirmação inicial que os esportes, como conhecemos hoje, e como são praticados neste início do terceiro milênio da era cristã, são fenômenos da chamada “modernidade”. Tentarei, na sequência, detectar ou apurar a razão (ou razões) dessa “explosão” de invenções.


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