Monday, December 30, 2013

Antagonismo latente


Pedro J. Bondaczuk

O relacionamento entre as superpotências, embora tenha melhorado muitíssimo nos últimos quatro anos, desde a ascensão de Mikhail Gorbachev à chefia do Cremlin, ainda é marcado por contradições, desconfianças e pela conservação da estúpida doutrina conhecida como “equilíbrio do medo” em termos populares e que oficialmente tem a denominação de “Mutual Assured Destruction” (“Destruição Mútua Assegurada”).

Enquanto Washington e Moscou firmaram um pacto para a destruição de toda uma linha de mísseis nucleares (os de média distância) e negociam a eliminação de outros armamentos dessa espécie, os dois lados seguem pesquisando e testando artefatos cada vez mais caros e destruidores para substituir os eliminados.

Outro ponto de atrito é o Afeganistão. Quando os soviéticos invadiram esse país, pouco depois do Natal de 1979, ele já estava há quase dois anos sob regime marxista. A invasão aconteceu, justamente, para impedir que o mesmo fosse deposto pela guerrilha muçulmana.

Portanto, não foi o Exército Vermelho que impôs esse sistema aos afegãos (embora tenha impedido a sua queda) como muitos analistas mal-informados chegaram a dizer nos últimos tempos. Os norte-americanos empenharam-se em árduas negociações para que o Cremlin decidisse retirar seus soldados de lá. Quando isso aconteceu, nenhuma das partes parou de enviar armas às facções em luta.

Deduz-se, portanto, que a preocupação das superpotências não foi com o Afeganistão e sua gente, mas com suas próprias relações bilaterais. A retirada teria ocorrido por causa do pragmatismo de Gorbachev, evitando que seus soldados continuassem sendo buchas de canhão numa guerra que não era sua (ou pelo menos nunca deveria ter sido) e, de quebra, com a vantagem de eliminar um sério ponto de atrito com os Estados Unidos.

As contradições dos dois gigantes mundiais não param por aí. Estendem-se ao campo da espionagem, de algumas manifestações de desconfiança mútua e de temores recíprocos que somente o tempo irá mostrar se são fundados ou não.

Muita coisa, portanto, continua sendo igual aos tempos da famigerada guerra fria. É como diz o surrado ditado: “O uso do cachimbo é que faz a boca ficar torta”. Que tal se as superpotências, num rasgo de grandeza, deixassem que os afegãos decidissem suas próprias pendências ao redor de uma mesa de negociações? Afinal, a democracia que ambos tanto apregoam não seria, também, isto?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9 de agosto de 1989)


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