Antagonismo
latente
Pedro J. Bondaczuk
O relacionamento entre as superpotências, embora
tenha melhorado muitíssimo nos últimos quatro anos, desde a ascensão de Mikhail
Gorbachev à chefia do Cremlin, ainda é marcado por contradições, desconfianças
e pela conservação da estúpida doutrina conhecida como “equilíbrio do medo” em
termos populares e que oficialmente tem a denominação de “Mutual Assured
Destruction” (“Destruição Mútua Assegurada”).
Enquanto Washington e Moscou firmaram um pacto para
a destruição de toda uma linha de mísseis nucleares (os de média distância) e
negociam a eliminação de outros armamentos dessa espécie, os dois lados seguem
pesquisando e testando artefatos cada vez mais caros e destruidores para
substituir os eliminados.
Outro ponto de atrito é o Afeganistão. Quando os
soviéticos invadiram esse país, pouco depois do Natal de 1979, ele já estava há
quase dois anos sob regime marxista. A invasão aconteceu, justamente, para
impedir que o mesmo fosse deposto pela guerrilha muçulmana.
Portanto, não foi o Exército Vermelho que impôs esse
sistema aos afegãos (embora tenha impedido a sua queda) como muitos analistas
mal-informados chegaram a dizer nos últimos tempos. Os norte-americanos
empenharam-se em árduas negociações para que o Cremlin decidisse retirar seus
soldados de lá. Quando isso aconteceu, nenhuma das partes parou de enviar armas
às facções em luta.
Deduz-se, portanto, que a preocupação das
superpotências não foi com o Afeganistão e sua gente, mas com suas próprias
relações bilaterais. A retirada teria ocorrido por causa do pragmatismo de
Gorbachev, evitando que seus soldados continuassem sendo buchas de canhão numa
guerra que não era sua (ou pelo menos nunca deveria ter sido) e, de quebra, com
a vantagem de eliminar um sério ponto de atrito com os Estados Unidos.
As contradições dos dois gigantes mundiais não param
por aí. Estendem-se ao campo da espionagem, de algumas manifestações de
desconfiança mútua e de temores recíprocos que somente o tempo irá mostrar se
são fundados ou não.
Muita coisa, portanto, continua sendo igual aos
tempos da famigerada guerra fria. É como diz o surrado ditado: “O uso do
cachimbo é que faz a boca ficar torta”. Que tal se as superpotências, num rasgo
de grandeza, deixassem que os afegãos decidissem suas próprias pendências ao
redor de uma mesa de negociações? Afinal, a democracia que ambos tanto apregoam
não seria, também, isto?
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 9 de agosto de 1989)
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