Cordilheira de discórdias
Pedro J. Bondaczuk
As
indisfarçáveis e profundas desavenças regionais, na sua maior parte motivadas
por disputas de fronteiras, no continente da América do Sul, começam, aos
poucos, finalmente a vir à tona. Durante muitos anos, apenas a ponta desse
"iceberg" de discórdias aflorou à superfície. Propagou-se, amiúde,
nos diversos meios de comunicação sul-americanos, uma fictícia união
continental, que na verdade jamais existiu.
O
atual e lamentável conflito armado entre o Peru e o Equador, por causa de uma
inóspita faixa de montanhas, de cerca de 80 quilômetros de extensão, na
Cordilheira do Condor, é apenas um dos vários casos de antagonismos que dividem
esta atrasada área mundial. Existem muitas outras questões pendentes, de natureza
idêntica a essa, espalhadas pelo continente. Isso faz os observadores preverem
futuros e dolorosos confrontos entre países vizinhos que, por causa da
similitude dos seus problemas econômicos e sociais, deveriam se unir na busca
de um ideal comum.
A
Bolívia, por exemplo, mantém uma velha pendência com o Chile, em torno da
cidade litorânea de Arica. A sua conquista daria aos bolivianos a tão sonhada
saída para o Oceano Pacífico. Com isso aquele país montanhoso perderia o seu
caráter insular e não dependeria dos outros vizinhos para escoar para o
Exterior os seus preciosos minérios --- razão de ser de sua sobrevivência
econômica --- em especial o estanho e o cobre.
No
extremo Norte do continente, duas outras Repúblicas, das chamadas
"Bolivarianas" --- cuja independência foi obtida graças à coragem e
persistência do "Libertador" Simón Bolívar --- brigam há anos por uma
pequena faixa de terra. São a Colômbia e a Venezuela, que quase chegaram a um
rompimento de relações diplomáticas, no ano passado, por causa de Punta Galina
e de parte do Golfo de Maracaibo, dois territórios riquíssimos em petróleo.
Mesmo atualmente, os seus contatos não são tão amistosos quanto ambos os
governos procuram aparentar.
Os
venezuelanos, além disso, também têm uma disputa com a República da Guiana, por
um extenso pedaço da selva amazônica. Ela foi, inclusive, responsável, no ano
passado, por alguns tiroteios nos postos fronteiriços de ambos os países.
Mas
as diferenças territoriais não se restringem apenas à conturbada e pobre zona
andina. No extremo Sul da América, há muitos anos, Argentina e Chile brigam
renhidamente pela posse do Canal de Beagle e três pequenas e inóspitas ilhotas
no Oceano Atlântico. Em 1978, por exemplo, os dois vizinhos chegaram muito
perto de uma guerra total, que seria desastrosa para ambos. Mesmo com a
intervenção papal na disputa, o assunto promete se arrastar por muitos anos e
opor até --- com maior seriedade --- chilenos e argentinos num conflito que só
trará desvantagens para eles.
A
conseqüência mais imediata da atual e insensata guerra fronteiriça entre Peru e
Equador na Cordilheira do Condor será --- quase com certeza --- a morte do
Pacto Andino. As duas Repúblicas litigantes pertencem a esse fracassado
organismo regional. Depois das trocas de tiros ocorridas no final do mês
passado, entre tropas peruanas e equatorianas, dificilmente representantes de
ambos os regimes poderão se reunir com seus outros supostos três parceiros
daquele órgão, para batalharem por objetivos comuns. O sangue das cem vítimas
do conflito, certamente, os separará por muito tempo. Como a reivindicação por
Punta Galina e Maracaibo manterá também afastadas a Venezuela e a Colômbia.
Como o regime militar boliviano --- não reconhecido por nenhum dos seus
parceiros do Pacto --- continuará servindo de barreira à tentativa
integracionista regional. E como tantos outros obstáculos --- não revelados em
público --- passados ou presentes, seguirão dividindo as forças dessas frágeis
"democracias", impedindo que através da união de esforços elas venham
a ter um razoável poder de barganha ante o mundo dos desenvolvidos.
Nessa
disputa pela Cordilheira do Condor não importa com quem esteja a razão. Ambos
perderam-na, quando jogaram a última pá de terra no falecido Pacto Andino. E
este selou fragorosamente o seu rotundo fracasso quando, nos onze anos de
existência, não conseguiu, ao menos, predispor seus membros a resolverem as
suas pendências territoriais pelos civilizados meios diplomáticos.
(Artigo
publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 5 de fevereiro de 1981)
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