Iugoslávia
está à beira da desagregação
Pedro J. Bondaczuk
A Iugoslávia vive outra profunda e prolongada crise
política, que agrava a ameaça de desagregação que pesa sobre o país há algum
tempo. Por ironia, a causa da atual controvérsia é justamente o dispositivo
criado pelo marechal Jozip Broz Tito antes de morrer, em maio de 1980, para
impedir conflitos entre as várias etnias que compõem essa autêntica colcha de
retalhos que, agora se percebe, está muito mal-costurada: a presidência
colegiada.
O falecido ditador marxista previu que se cada
República e província autônoma pudesse ditar as normas de governo por um ano,
em toda a federação, haveria equilíbrio no poder. Não existiriam motivos para
rivalidades e nem para aspirações hegemônicas. Todavia, não é o que vem
ocorrendo.
Desde o primeiro minuto da madrugada de ontem, o
país está sem presidente, diante do impasse constitucional criado pela
impossibilidade do croata Stipe Mesic obter os votos necessários – o que
deveria ser mera formalidade – para assumir a Presidência.
O representante da Sérvia, apoiado por seus aliados,
votou contra essa indicação. Dessa forma, veio à tona, mais uma vez, a
rivalidade que sempre dividiu sérvios e croatas desde quando a federação foi
formada, em 1918, ao término da Primeira Guerra Mundial, como conseqüência do
desmantelamento de dois impérios: o Austro-Húngaro e o Turco-Otomano.
As desavenças permaneceram abafadas, especialmente
após 1945, em virtude da enorme ascendência pessoal que Tito detinha na região.
Afinal, tratava-se de um herói nacional. Havia sido o homem que, liderando os
guerrilheiros partizans, enfrentou as tropas nazistas e libertou o seu país sem
nenhuma ajuda.
Durante sua longa gestão, o mínimo sinal de
discórdia era logo abafado. Toda e qualquer manifestação de nacionalismo era
sufocada a poder de armas e os incautos, certamente, invariavelmente paravam em
alguma prisão política.
Antes da morte do marechal, muitos analistas já
previam uma desagregação da Iugoslávia tão logo ele morresse. Portanto, chega a
ser surpreendente o fato da rivalidade, principalmente entre sérvios e croatas,
somente agora estar se manifestando de forma tão aguda.
A crise constitucional atual, certamente, será
contornada, de uma maneira ou de outra. Porém, o ressentimento causado pelo
episódio permanecerás como uma irresistível cunha, separando, cada vez mais,
povos que têm muito pouco que os uma.
A rigor, o único liame existente entre as seis
Repúblicas é a origem eslava de seus habitantes e uma relativa semelhança entre
seus idiomas. E nada mais. Origens, costumes, tradições e religiões são muito
diversos. Os iugoslavos têm mais coisas que os dividem do que identidades.
Hoje, a federação está às voltas com uma gravíssima
crise econômica, com movimentos nacionalistas se multiplicando cada vez mais e,
para complicar tudo, com um imenso vazio no poder. À exceção das Forças
Armadas, nenhum líder detém uma ascendência em âmbito nacional.
As várias etnias não se sentem mais comprometidas
com a Iugoslávia inteira, mas apenas com suas próprias Repúblicas. Para
complicar, desavenças realimentam as dificuldades econômicas, que aumentam
dissidências políticas, formando um círculo-vicioso difícil, se não impossível
de ser rompido.
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 17 de maio de 1991)
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