Thursday, December 19, 2013

Iugoslávia está à beira da desagregação


Pedro J. Bondaczuk

A Iugoslávia vive outra profunda e prolongada crise política, que agrava a ameaça de desagregação que pesa sobre o país há algum tempo. Por ironia, a causa da atual controvérsia é justamente o dispositivo criado pelo marechal Jozip Broz Tito antes de morrer, em maio de 1980, para impedir conflitos entre as várias etnias que compõem essa autêntica colcha de retalhos que, agora se percebe, está muito mal-costurada: a presidência colegiada.

O falecido ditador marxista previu que se cada República e província autônoma pudesse ditar as normas de governo por um ano, em toda a federação, haveria equilíbrio no poder. Não existiriam motivos para rivalidades e nem para aspirações hegemônicas. Todavia, não é o que vem ocorrendo.

Desde o primeiro minuto da madrugada de ontem, o país está sem presidente, diante do impasse constitucional criado pela impossibilidade do croata Stipe Mesic obter os votos necessários – o que deveria ser mera formalidade – para assumir a Presidência.

O representante da Sérvia, apoiado por seus aliados, votou contra essa indicação. Dessa forma, veio à tona, mais uma vez, a rivalidade que sempre dividiu sérvios e croatas desde quando a federação foi formada, em 1918, ao término da Primeira Guerra Mundial, como conseqüência do desmantelamento de dois impérios: o Austro-Húngaro e o Turco-Otomano.

As desavenças permaneceram abafadas, especialmente após 1945, em virtude da enorme ascendência pessoal que Tito detinha na região. Afinal, tratava-se de um herói nacional. Havia sido o homem que, liderando os guerrilheiros partizans, enfrentou as tropas nazistas e libertou o seu país sem nenhuma ajuda.

Durante sua longa gestão, o mínimo sinal de discórdia era logo abafado. Toda e qualquer manifestação de nacionalismo era sufocada a poder de armas e os incautos, certamente, invariavelmente paravam em alguma prisão política.

Antes da morte do marechal, muitos analistas já previam uma desagregação da Iugoslávia tão logo ele morresse. Portanto, chega a ser surpreendente o fato da rivalidade, principalmente entre sérvios e croatas, somente agora estar se manifestando de forma tão aguda.

A crise constitucional atual, certamente, será contornada, de uma maneira ou de outra. Porém, o ressentimento causado pelo episódio permanecerás como uma irresistível cunha, separando, cada vez mais, povos que têm muito pouco que os uma.

A rigor, o único liame existente entre as seis Repúblicas é a origem eslava de seus habitantes e uma relativa semelhança entre seus idiomas. E nada mais. Origens, costumes, tradições e religiões são muito diversos. Os iugoslavos têm mais coisas que os dividem do que identidades.

Hoje, a federação está às voltas com uma gravíssima crise econômica, com movimentos nacionalistas se multiplicando cada vez mais e, para complicar tudo, com um imenso vazio no poder. À exceção das Forças Armadas, nenhum líder detém uma ascendência em âmbito nacional.

As várias etnias não se sentem mais comprometidas com a Iugoslávia inteira, mas apenas com suas próprias Repúblicas. Para complicar, desavenças realimentam as dificuldades econômicas, que aumentam dissidências políticas, formando um círculo-vicioso difícil, se não impossível de ser rompido.  

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 17 de maio de 1991)


Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

No comments: