Prática
reprovável
Pedro J. Bondaczuk
O líder negro sul-africano, Nelson Mandela,
completou mais um aniversário na prisão, o 71º de vida e o 27º de
encarceramento, mesmo com toda a pressão exercida pela opinião pública
internacional sobre o regime racista da África do Sul para a sua libertação.
O ativista anti-apartheid está cumprindo uma
perpétua desde 1964, mas permanece preso desde 1962, sob acusações tão vagas, e
tão fúteis, que chegam a soar como uma provocação à comunidade de nações. É
verdade que agora as coisas melhoraram muito para o dirigente do Congresso
Nacional Africano, grupo radical que luta contra a segregação racial.
Mandela não está mais no presídio de segurança
máxima de Poolsmor, nos arredores de Capetown, onde as condições eram tão rigorosas,
que ele chegou a contrair tuberculose. Desde que recebeu alta, em dezembro de
1988, o líder está morando numa casa, razoavelmente confortável, do presídio de
Victor Verster, na região de Paari. Ou seja, com o conforto que ele teria em
qualquer outro país civilizado, dado o seu status de prisioneiro político:
portanto, com direito a prisão especial.
Afinal, ele não cometeu crime algum. Criminoso, isto
sim, é o regime que classifica seres humanos pela cor da pele, como se esta
fosse um parâmetro de medida do caráter, da competência e da honorabilidade de
uma pessoa.
Discriminação, como esta, ainda mais legalizada,
desvirtua, por completo, o papel e o fundamento do Direito. Depõe, inclusive,
contra a própria inteligência de quem age dessa forma. Não é por acaso que o
regime, segregacionista por excelência (o único do mundo que consagra essa
prática em suas instituições) é, por sua vez, segregado da comunidade mundial.
Poucos países, hoje em dia, mantêm qualquer espécie
de relacionamento com o governo sul-africano. E assim mesmo, este contato se
restringe meramente ao campo comercial. Nem este contato deveria ocorrer.
No mais, a África do Sul (a do apartheid) está à
margem de competições esportivas, de intercâmbio cultural e de todos os outros
tipos de atividades existentes entre os povos. É verdade que o atual
presidente, Pieter Botha, deu passos gigantescos para que um dia venha a se
apagar essa nódoa no relacionamento humano.
Ainda assim, no entanto, eles são pequenos, um quase
nada. Ainda há muito que se caminhar. Afinal, há três anos o país está sob
estado de emergência, que faculta às autoridades prenderem quem desejarem sem
sequer haver acusação formal. E as prisões estão abarrotadas de negros,
inclusive de crianças.
Uma arbitrariedade dessas, em qualquer parte, gera
(compreensivelmente) revolta na comunidade internacional, especialmente em
países com tradição democrática. Que tal o atual presidente, em fim de mandato,
demonstrar sinceridade de propósito e libertar Nelson Mandela? Isto já seria um
começo. Sua imagem, perante o mundo, subiria, sem dúvida alguma, às alturas,
com apenas este simples gesto.
(Artigo publicado na página 21, Internacional, do
Correio Popular, em 19 de julho de 1989)
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