Espantoso e
atemorizador
Pedro
J. Bondaczuk
A figura de Benvenuto
Cellini causa espanto e admiração nas pessoas que tomam conhecimento tanto da
sua vida, aventurosa e marginal, quanto de sua obra, magnífica e imortal. É
tão, digamos, “exagerada”, que se não houvesse sua autobiografia, intitulada
“Vita”, em que confessa e descreve em detalhes, de forma inusitada pela crueza
das descrições, não apenas seus êxitos artísticos, mas seus erros, aventuras
(inclusive amorosas) e inúmeros crimes – tanto os homicídios que cometeu,
quanto os furtos, roubos e fraudes que perpetrou – acharíamos, quase meio
milênio após seu nascimento, que se tratou de personagem de ficção. E mais,
daqueles que seu criador exagerou na dose, carregou nas tintas, tornando-o mais
cruel e feroz do que o mais maldoso dos homens possa ser.
É impossível que uma
única pessoa consiga, mesmo que escreva sua biografia em vários volumes,
esgotar o assunto ao relatar sua trajetória. Como também é impossível escrever
a seu respeito com neutralidade, sem fazer juízo de valor. Li uma quantidade
enorme de textos sobre ele e até o momento não consegui chegar a qualquer
conclusão. Não sei se a classificação mais aproximada de quem se tratou de fato
é a de gênio ou de louco furioso. Se de anjo, capaz de produzir, com a magia
das mãos, obras de arte sublimes, inigualáveis, que beiram à perfeição ou se
demônio, feroz e sanguinário, com
vaidade sem limites que raiava à autodeificação. Se de magnífico
artista, na melhor acepção do termo ou se perigoso bandido, cuja presença em
sociedade era sinônimo de permanente perigo. Sou tentado a classificá-lo nos
dois extremos.
As várias
enciclopédias, dada até a natureza desse tipo de publicação, focalizam,
preferencialmente, sua obra, à prova de reparos. Citam, esporadicamente, em um
ou dois parágrafos se tanto, suas ações criminosas que, no entanto, passam
batidas e que o leitor desatento sequer presta atenção. Algumas sequer
mencionam esse aspecto. Provavelmente, consideram-no irrelevante. Mas seria
mesmo? Creio que não!
Um dos melhores
trabalhos que li sobre essa assombrosa figura (tomando, aqui, a palavra
“assombro” em ambos os sentidos, tanto no positivo, que se refere à sua
genialidade artística, quanto no negativo, o da sua propensão para o mal), não
é nenhuma biografia, embora haja muitas excelentes, inclusive traduzidas para o
português. Trata-se de uma tese universitária, de autoria de Laís Freitas de
Souza, datada de 2010.
O referido trabalho
acadêmico é de fim de curso, de doutorado no Programa de Pós-Graduação em
Literatura Italiana do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (Ufa!!!).
Recomendo-lhes que o leiam. O texto é facilmente localizável na internet.
Embora seu foco seja o literário (já que esse personagem polêmico e espantoso
foi também escritor, autor não apenas da citada autobiografia, mas de outros
dois livros, inclusive um de poesia), dedica alguns capítulos a informações e
análises sobre o homem. O título da tese sugere, por si só, qual seu foco
preferencial: “A autobiografia de Benvenuto Cellini no Brasil do século XX:
subsídios para estudos de tradições e adaptações”. Reitero, é uma leitura que
recomendo a quem queira se aprofundar na vida e na obra dessa figura que
merece, mais do que ninguém, o rótulo de “excepcional”, no sentido de
originalidade em qualquer aspecto que se a analise.
Dada a natureza deste
espaço, dedicado, basicamente, à Literatura, interessa-me, particularmente, na
tese de Laís Freitas de Souza, o Cellini escritor, o que tentarei abordar,
posto que com a forma muito sucinta que o Literário exige, nos próximos dias.
Destaco, todavia, este trecho da autora, bastante esclarecedor a propósito: “A
‘Vita’ (autobiografia) não é a única produção literária de Benvenuto Cellini.
Temos ainda os ‘Trattati’ e as ‘Rime’. Os ‘Trattati’, como o próprio nome
sugere, ficaram mais restritos ao campo das técnicas. Afinal, registram e
descrevem processos nas áreas da escultura e da ourivesaria, servindo até os
dias atuais nas escolas que tratam dessas artes. Já a sua produção em versos,
reunida em suas ‘Rime’ é considerada pela grande maioria dos críticos um mero
passatempo de Cellini, diminuindo sua relevância em relação à sua maior
produção literária: a ‘Vita’”.
Uma das coisas que mais
causam admiração (entre tantas outras) refere-se a onde e como esse personagem
complexo e polêmico encontrou tempo para compor sua obra literária, tendo que
fugir, praticamente sem tréguas, de ferozes e poderosos inimigos buscando
vingança e, sobretudo, da justiça, por suas ações marginais, à margem das leis
e dos bons costumes. Laís esclarece: “A decisão de Cellini de escrever sua
autobiografia só veio em idade avançada; afinal, ‘Vita” foi escrita entre 1558
e 1566, quando o artista era quase sexagenário. O início da composição de suas
memórias coincide com o período em que perde a proteção do Duque Cosme I e
continua se envolvendo em brigas, que o levaram a questões judiciais e a gastos
desnecessários.
Em outro trecho, Laís
informa> “Um pouco antes de iniciar a escrita de suas memórias... Cellini
teve que voltar à prisão, em 1556, sob diversas acusações... Foi nesse período
que Benvenuto Cellini escreveu quinze sonetos que o crítico (Marziano
Guglielminetti) chamou de ‘spazio interiore autentico’”.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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