Saturday, December 28, 2013

O verso e o reverso da esperança

Pedro J. Bondaczuk

A esperança, para mim, sempre se constituiu –  entre as propaladas três virtudes teologais, instituídas como dogma pela Igreja Católica (as outras duas são a fé e a caridade) – em motivo de permanente dúvida. É como uma moeda que contém verso e reverso. Não tenho nenhuma certeza se devo ou não cultivá-la. Há ocasiões em que a considero um bem, por representar a capacidade humana da perseverança. Em outras tantas vezes, porém, quando analiso a questão com frieza e objetividade, chego a achar que se trate de um mal, de um engodo, de uma ilusão que nutrimos e cultivamos, principalmente quando o que esperamos não tem a menor chance de se concretizar. E a maior parte de nossas esperanças tem essa característica. 

Esperar, convenhamos, sempre se constituiu (e se constitui) em coisa chata, chatíssima, chatérrima e pense o leitor em todos os superlativos que quiser para caracterizar essa desagradável situação passiva. Não encontrei, jamais, em lugar algum, alguém que gostasse da espera a que somos forçados a todo o momento em nosso cotidiano. Ela nos impacienta,  irrita, enche de ansiedade e revolta. Cá para nós, é sempre, sempre e sempre perda de tempo. E este (como não me canso de ressaltar, mesmo em se tratando de realidade para lá de óbvia) é nosso maior capital, porquanto o tanto que dele for perdido é, queiram ou não, irrecuperável. E olhem que aqui me refiro apenas à espera de algo ou de alguém que, com quase cem por cento de certeza, irá acontecer ou aparecer.

Você, certamente, estranhou esse “quase” que utilizei. Não deveria. Está no terreno das possibilidades que a pessoa que esperamos não apareça, o que, aliás, é muito freqüente.  Mesmo em compromissos com hora marcada (num consultório médico ou odontológico, por exemplo, ou no escritório de algum advogado, contador etc. ou em outro lugar em que tenhamos entrevista agendada) pode ocorrer da nossa espera ser inútil e vã, por se esgotar, quem sabe, o horário de atendimento do respectivo profissional. Ou por alguma outra razão, não importa. Isso também vale para filas: de banco, da previdência, de ônibus, trens, aviões etc.etc.etc. Imaginem, então, o que é esperar algo ou alguém de que não se tem a mais remota certeza que vai ocorrer ou que irá chegar! E isso é considerado virtude, cantada e decantada em prosa e verso tempos afora!!! Sei lá se é!
  
Há, reitero, vezes que considero a esperança um bem, talvez por protelar uma decepção ou, pior, profunda frustração. Mas há ocasiões em que, raciocinando fria e objetivamente, considero essa protelação, essa espera sem certeza, como mal, como fuga da realidade, que só tende a multiplicar o sentimento de perda quando a coisa ou o fato ou a pessoa que tanto esperei não acontecer ou não aparecer.

A razão da esperança ser considerada virtude teologal não deixa de ser convincente, admito. Afinal, “é por meio dela que os crentes, por ajuda da graça do Espírito Santo, esperam a vida eterna e o reino de Deus, colocando a sua confiança perseverante nas promessas de Cristo”. Nesse aspecto, ela faz todo sentido. Por que? Por estar indissociavelmente vinculada à fé. Quem acredita, sem vacilar, que a morte física não é o fim de tudo e que, dependendo da nossa conduta nos poucos anos desta nossa relativamente curta aventura de viver, podemos conquistar a eternidade, é compreensível que espere até o derradeiro sopro de vida que isso ocorra.

Mas... nem toda esperança tem essa característica, a religiosa, assim como nem todos têm uma religião. Há pessoas que esperam as coisas mais absurdas e irracionais que se possa imaginar, que jamais conquistarão, em estúpida e irracional dispersão de energia e de crença. Pior são aqueles que esperam o factível, mas que exija (tudo exige) ação para que se concretize. Contudo, em vez de agirem, permanecem passivos à espera de algum improvável milagre. Ou seja, que o que tanto desejam, caia do céu. Certamente, não cairá. Assim como a esperança, enquanto virtude teologal, está necessariamente vinculada à fé, esse outro tipo de espera liga-se, sempre, ao ato concreto, à busca inteligente e persistente, ao preparo (físico e/ou intelectual) e, na maioria dos casos, às circunstâncias. Caso isso não seja levado em conta, a decepção, o fracasso e a frustração serão para lá de certos. Sei que minha dúvida significa remar contra a correnteza. Mas... é o que penso.    

Todavia, como tema poético, não há como negar que a esperança inspira magníficos poemas. Leio, a todo o momento, sempre com renovado prazer, várias produções, daquelas com que não nos contentamos apenas em ler, mas que transformamos numa espécie de mantra, senão em lemas de vida. Até para “adoçar” um pouco estas reflexões, que podem soar amargas, posto não sejam – pois por opção e temperamento sou pessoa positiva e otimista, sem abrir mão, porém, do realismo – partilho, com vocês, estes versos do saudoso poeta e amigo Mauro Sampaio, cujos poemas, sempre que posso, faço questão de divulgar:   

“Um dia
os montes se abaterão aos nossos pés
e levantaremos do chão as estrelas caídas!”

Oxalá esse dia ocorra mesmo, e para todos nós, e que não se trate de outra esperança frustrante e impossível de se concretizar.


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