Proposta esconde armadilhas
Pedro J. Bondaczuk
A
proposta feita na sexta-feira pelo presidente iraquiano, Saddam Hussein,
através do Conselho do Comando Revolucionário, de retirada das tropas
iraquianas do Kuwait sob determinadas condições, mereceu, nas últimas horas,
uma série de interpretações.
A
maioria dos analistas viu na iniciativa um sinal de fraqueza dos líderes de
Bagdá, um sintoma de que os 31 dias de duríssimos bombardeios, a uma média de
um por minuto, estão produzindo efeitos no moral de combate das tropas desse
país árabe. Todavia, a coisa pode não ser vem assim.
A
aparente oferta de rendição soa mais como uma provocação do que como admissão
de enfraquecimento, pelos elementos contidos nas exigências que a acompanham.
Isso é típico de Saddam, que mostrou, em inúmeras oportunidades, saber esgrimir
como ninguém com as palavras, que endereça nas horas certas a públicos
específicos.
Objetivamente,
a proposta iraquiana de anteontem é muito pior do que a apresentada em 24 de
agosto de 1990, três semanas após a invasão do Kuwait. Contém mais exigências,
e de caráter financeiro. Possui elementos de extrema arrogância, ao exigir
reparações de guerra, como se Saddam fosse o ganhador do conflito até aqui.
Fica
claro, portanto, que ela não teve por alvo o presidente norte-americano, George
Bush e nenhum governante aliado que não se deixariam ludibriar por tais
miragens verbais. Destinou-se a um público certo, específico, além de dar a
Hussein um enorme espaço na mídia mundial, que em termos propagandísticos conta
muito.
As
declarações dadas nos últimos dias pelos comandantes aliados demonstram que
eles continuam subestimando o poderio bélico do Iraque, mesmo depois das várias
surpresas que tiveram. Interpretam, por exemplo, a passividade da Força Aérea
iraquiana, que sequer tomou parte ainda na luta, como sintoma claro e
irreversível do colapso da máquina guerreira de Saddam.
E
os caças Mirages e Migs, onde estão? O que foi feito com os mortíferos Exocets?
Teriam todos sido destruídos ou fazem parte da debandada aérea para o Irã?
Teriam os pilotos iraquianos, treinados pelos melhores instrutores e calejados
em combate, após uma guerra de oito anos contra seus vizinhos iranianos, tido
um ataque de covardia e simplesmente fugido espavoridos do país? É inverossímil.
O
mais lógico de se supor é que Saddam espera um conflito muito longo, de anos,
talvez, e quer preservar seu maior potencial de fogo para momentos mais
decisivos. Inclusive de condições climáticas, já que as coisas começam,
literalmente, a esquentar no Golfo Pérsico após o mês de março.
A
ofensiva publicitária é uma evidente tentativa de Saddam de conquistar
simpatias no mundo árabe, ao acenar com aquilo que as pessoas mais desejam, e
que ele na verdade não quer: a paz. O próprio retrospecto do presidente
iraquiano deixa entrever que por trás dessa atitude, aparentemente
conciliadora, se esconde uma mortífera armadilha para os incautos.
(Artigo
publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 17 de fevereiro
de 1991).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment