Thursday, December 12, 2013

Proposta esconde armadilhas


Pedro J. Bondaczuk


A proposta feita na sexta-feira pelo presidente iraquiano, Saddam Hussein, através do Conselho do Comando Revolucionário, de retirada das tropas iraquianas do Kuwait sob determinadas condições, mereceu, nas últimas horas, uma série de interpretações.

A maioria dos analistas viu na iniciativa um sinal de fraqueza dos líderes de Bagdá, um sintoma de que os 31 dias de duríssimos bombardeios, a uma média de um por minuto, estão produzindo efeitos no moral de combate das tropas desse país árabe. Todavia, a coisa pode não ser vem assim.

A aparente oferta de rendição soa mais como uma provocação do que como admissão de enfraquecimento, pelos elementos contidos nas exigências que a acompanham. Isso é típico de Saddam, que mostrou, em inúmeras oportunidades, saber esgrimir como ninguém com as palavras, que endereça nas horas certas a públicos específicos.

Objetivamente, a proposta iraquiana de anteontem é muito pior do que a apresentada em 24 de agosto de 1990, três semanas após a invasão do Kuwait. Contém mais exigências, e de caráter financeiro. Possui elementos de extrema arrogância, ao exigir reparações de guerra, como se Saddam fosse o ganhador do conflito até aqui.

Fica claro, portanto, que ela não teve por alvo o presidente norte-americano, George Bush e nenhum governante aliado que não se deixariam ludibriar por tais miragens verbais. Destinou-se a um público certo, específico, além de dar a Hussein um enorme espaço na mídia mundial, que em termos propagandísticos conta muito.

As declarações dadas nos últimos dias pelos comandantes aliados demonstram que eles continuam subestimando o poderio bélico do Iraque, mesmo depois das várias surpresas que tiveram. Interpretam, por exemplo, a passividade da Força Aérea iraquiana, que sequer tomou parte ainda na luta, como sintoma claro e irreversível do colapso da máquina guerreira de Saddam.

E os caças Mirages e Migs, onde estão? O que foi feito com os mortíferos Exocets? Teriam todos sido destruídos ou fazem parte da debandada aérea para o Irã? Teriam os pilotos iraquianos, treinados pelos melhores instrutores e calejados em combate, após uma guerra de oito anos contra seus vizinhos iranianos, tido um ataque de covardia e simplesmente fugido espavoridos do país? É inverossímil.

O mais lógico de se supor é que Saddam espera um conflito muito longo, de anos, talvez, e quer preservar seu maior potencial de fogo para momentos mais decisivos. Inclusive de condições climáticas, já que as coisas começam, literalmente, a esquentar no Golfo Pérsico após o mês de março.

A ofensiva publicitária é uma evidente tentativa de Saddam de conquistar simpatias no mundo árabe, ao acenar com aquilo que as pessoas mais desejam, e que ele na verdade não quer: a paz. O próprio retrospecto do presidente iraquiano deixa entrever que por trás dessa atitude, aparentemente conciliadora, se esconde uma mortífera armadilha para os incautos.

(Artigo publicado na página 17, Internacional, do Correio Popular, em 17 de fevereiro de 1991).


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