Pantomima golpista nas
Filipinas
Pedro J. Bondaczuk
Os
partidários do ex-presidente filipino, Ferdinand Marcos, um grupo relativamente
inexpressivo de radicais, tentou, anteontem, uma desesperada manobra para fazer
retornar ao país o caos, a desordem e sobretudo o medo, armas com as quais
comandaram os 54 milhões de habitantes das Filipinas por longos e intermináveis
22 anos. Como que ensandecidos, ocuparam o Hotel Manila e o ancião Arturo
Tolentino prestou juramento como "presidente interino", com o
objetivo evidente de preparar terreno para um eventual golpe militar.
Ocorre,
todavia, que o ministro de Defesa, Juan Ponce Enrile, a quem se destinava toda
essa pantomima, manteve a cabeça no lugar. E com apenas duas palavras, esvaziou
a estranha manobra golpista, acabando com a festa. Disse somente: "Não
estou procurando novo emprego".
O
governo da presidente Corazón Aquino, apesar de uma certa tibieza, de uma
indisfarçável indecisão, conta com o firme respaldo de praticamente toda a
comunidade mundial. E o que é mais importante, tem a confiança da Casa Branca,
o que por si só é uma garantia para a sua sobrevivência. Recentemente, o
próprio secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz, esteve em
Manila, onde assinou um empréstimo de US$ 200 milhões para salvar a arrebentada
economia filipina do caos total.
Entretanto,
a simples presença do ex-ditador nas proximidades de seu país, contando com o
asilo norte-americano em Honolulu, no Estado do Hawaí, é um fator altamente
desestabilizador. Aliás, de um mês a esta parte, todos os domingos os mesmos
dez mil partidários de Ferdinand Marcos (que certamente devem ter enormes
culpas em cartório para estarem arriscando tudo, de uma maneira tão
tresloucada), já vinham promovendo distúrbios em Manila. Há três semanas,
protagonizaram autêntica batalha campal na cidade, desafiando as autoridades
com a arrogância típica dos que estão habituados à impunidade.
Não
fosse a atitude firme e desinteressada de Juan Ponce Enrile, que acima de
nomes, demonstrou sua lealdade a um governo legalmente constituído, e o povo
das Filipinas, a esta altura, estaria amargando um duro golpe em suas
esperanças redemocratizantes. Quem sabe o ex-ditador e sua camarilha estariam
se reinstalando no palácio presidencial, com toda a pompa que o caracterizou,
local de onde foi escorraçado pela maioria da nação, para preparar a sua
revanche.
Cabe
ao governo, para não perder o pulso, punir a todos os fracassados golpistas,
com dureza, mas unicamente com o concurso das leis existentes no país. Lugar de
baderneiro, interessado em agir a valentona, é na prisão. E a presidente deve
solicitar aos Estados Unidos uma providência enérgica contra o seu indesejado e
problemático hóspede, que parece não ter perdido nada da antiga arrogância.
É
certo que a presidente Corazón Aquino vem falhando na determinação da escala de
prioridades, daquilo que deve fazer, passando "o carro na frente dos
bois". Esse processo de negociação com a guerrilha esquerdista, por
exemplo, por ser um argumento óbvio de seus adversários para arrebanharem
adeptos para a volta de Marcos, poderia esperar mais um pouco.
O
problema prioritário a ser atacado é o econômico, que já está sendo,
timidamente, abordado. A seguir deveria vir a convocação de eleições gerais,
livres e sem fraudes, para todos os cargos eletivos nas Filipinas e
principalmente para a composição de uma Assembléia Nacional Constituinte.
Certamente
Cory está pagando pela sua inexperiência, pelo seu noviciado. Mas é
indispensável que seus assessores mais diretos, como o vice-presidente e
ex-senador Salvador Laurel, a orientem. Caso contrário, uma ação aventuresca e
sem sentido, como a verificada anteontem, poderá acabar saindo do mero campo da
pantomima e pôr a perder, em questão de horas, todo um processo que custou anos
e tantos sacrifícios para ser deflagrado.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 8 de julho de
1986)
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