Rivalidade que o tempo
acentuou
Pedro
J. Bondaczuk
O Festival Folclórico
de Parintins, que se realiza, com crescente sucesso desde 1965, é, basicamente,
o folguedo do Boi bumbá, conhecido e apresentado em praticamente todas as
regiões do País. Todavia, além de algumas regras fixas, observadas em todas as
partes, ali essa manifestação artístico-cultural apresenta muitas
peculiaridades, que a tornam única e original. A principal, sem dúvida, é a
disputa envolvendo dois grupos tradicionais, o Caprichoso e o Garantido, tão
renhida, ou mais, do que a que ocorre com as escolas de samba de todo o Brasil,
em especial do Rio de Janeiro e de São Paulo.
Recebi várias
solicitações de leitores – tanto dos que já assistiram a esse espetáculo,
quanto dos que se interessaram pelo assunto apenas após lerem minhas
considerações – para que resumisse as principais características desse show de
ritmo, coreografias, luxo e beleza, realizado em pleno coração da Amazônia e
que já conquistou o público de diversas partes do País e do Exterior. Tentarei
fazer isso, embora tema não ser bem sucedido, por não me considerar (e de fato
não ser) “expert” no assunto. Sou mero curioso.
Além das impressões
pessoais, colhi informações a respeito tanto na enciclopédia eletrônica
Wikipédia (sempre ela!) quanto em diversos outros sites, notadamente nos
especializados em folclore. Tentarei digerir, sistematizar e resumir todas
essas informações e da maneira mais sintética possível. Embora a disputa entre
os dois bois rivais tenha começado em 1966, o primeiro festival de Parintins
foi realizado um ano antes, em 1965. Seus idealizadores foram pessoas ligadas à
Juventude Alegre Católica. São considerados pioneiros, além do Padre Augusto, o
então presidente da JAC, Raimundo Muniz e os senhores Xisto Pereira e Lucenor
Barros. O primeiro festival teve caráter, apenas, de exibição. Contou com a
participação de 22 quadrilhas. Os bois rivais, Caprichoso e Garantido, todavia,
também se apresentaram, mas sem que houvesse disputa entre eles.
No ano seguinte, porém,
visando “apimentar” o folguedo, criou-se um corpo de jurados e instituíram-se
regras para apurar qual dos dois grupos, o vermelhinho ou o azulão, era o
melhor. O sucesso foi tão grande, que a partir de então, ambos dividiram a
cidade praticamente ao meio, cada qual com torcida mais animada e apaixonada
que o outro. Pelo menos é o que os adeptos de cada um dos bois apregoam. O
primeiro campeão foi o Garantido. Nos dois anos seguintes, também ganhou,
emplacando um tricampeonato. Não foi, porém, sua maior sucessão de títulos
consecutivos. Esta ocorreu entre 1980 e 1984, com o pentacampeonato. Já a maior
série consecutiva do Caprichoso se deu entre 1994 e 1996, quando se tornou tricampeão.
A música que acompanha
as duas horas e meia de desfile, nas três noites do festival, de cada um dos
bois, é a toada. Corresponde ao samba enredo das escolas de samba. Ela é
marcada por mais de 400 ritmistas. A ordem de entrada no Bumbódromo, em cada
uma das três noites, é alternada. Se na primeira, o Garantido entrou antes, na
segunda a primazia cabe ao Caprichoso e na terceira, volta a ser da agremiação
de cor vermelha. No primeiro dia, é feito um sorteio, para apurar quem vai
abrir os desfiles.
As letras das toadas
enfocam lendas e mitos dos povos amazônicos e são, em geral, sumamente poéticas
e originais. As melodias são belíssimas, e reproduzem, em certas passagens,
cantos dos mais variados pássaros da riquíssima fauna amazônica. De uns tempos
para cá – a exemplo do que ocorre com sambas enredos das escolas de samba – as
toadas são gravadas e as gravações vendidas em todas as partes do País. Os
integrantes dos respectivos bois cantam-nas durante todos os desfiles, os das
três noites, e o canto é repetido pelas respectivas torcidas, fixando-o na
memória do mero espectador, o turista, neutro, que não torce (pelo menos não
oficialmente) para nenhuma das duas agremiações rivais.
O grande ritual do
desfile é a apresentação do Boi bumbá clássico, com sua história e personagens
fixos e com os participantes de cada grupo ostentando suas respectivas cores: a
vermelha ou a azul. Uma figura se destaca nesse folguedo. É a que faz o
equivalente ao que é feito pelo puxador de samba enredo nas escolas de samba.
Só que, no boi, se trata de toada condutora do desfile. Em Parintins, esse
personagem é chamado de “Apresentador”. Claro que tem que ser um bom cantor,
com voz potente, super afinado e com muita resistência (para sustentar o canto
por duas horas e meia em cada uma das três noites sem parar). Um deles,
Paulinho Faria, transformou-se em verdadeiro mito da função na cidade.
Representa, para o Garantido – do qual foi Apresentador por 26 anos – o que
Jamelão representou para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.
Há muito, ainda, a ser
apresentado sobre o Festival Folclórico de Parintins. Todavia, essa
apresentação terá que ficar para outro dia, pois esgotei o limite de espaço que
tinha para hoje. Só espero que os detalhes que já apresentei sejam claros, para
dar uma idéia, mesmo que aproximada, de no que consiste este belíssimo
espetáculo de sons, luzes, cores e movimentos que ocorre todos os anos em pleno
coração da Amazônia.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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