Thursday, December 05, 2013

Rivalidade que o tempo acentuou

Pedro J. Bondaczuk

O Festival Folclórico de Parintins, que se realiza, com crescente sucesso desde 1965, é, basicamente, o folguedo do Boi bumbá, conhecido e apresentado em praticamente todas as regiões do País. Todavia, além de algumas regras fixas, observadas em todas as partes, ali essa manifestação artístico-cultural apresenta muitas peculiaridades, que a tornam única e original. A principal, sem dúvida, é a disputa envolvendo dois grupos tradicionais, o Caprichoso e o Garantido, tão renhida, ou mais, do que a que ocorre com as escolas de samba de todo o Brasil, em especial do Rio de Janeiro e de São Paulo.

Recebi várias solicitações de leitores – tanto dos que já assistiram a esse espetáculo, quanto dos que se interessaram pelo assunto apenas após lerem minhas considerações – para que resumisse as principais características desse show de ritmo, coreografias, luxo e beleza, realizado em pleno coração da Amazônia e que já conquistou o público de diversas partes do País e do Exterior. Tentarei fazer isso, embora tema não ser bem sucedido, por não me considerar (e de fato não ser) “expert” no assunto. Sou mero curioso.

Além das impressões pessoais, colhi informações a respeito tanto na enciclopédia eletrônica Wikipédia (sempre ela!) quanto em diversos outros sites, notadamente nos especializados em folclore. Tentarei digerir, sistematizar e resumir todas essas informações e da maneira mais sintética possível. Embora a disputa entre os dois bois rivais tenha começado em 1966, o primeiro festival de Parintins foi realizado um ano antes, em 1965. Seus idealizadores foram pessoas ligadas à Juventude Alegre Católica. São considerados pioneiros, além do Padre Augusto, o então presidente da JAC, Raimundo Muniz e os senhores Xisto Pereira e Lucenor Barros. O primeiro festival teve caráter, apenas, de exibição. Contou com a participação de 22 quadrilhas. Os bois rivais, Caprichoso e Garantido, todavia, também se apresentaram, mas sem que houvesse disputa entre eles.

No ano seguinte, porém, visando “apimentar” o folguedo, criou-se um corpo de jurados e instituíram-se regras para apurar qual dos dois grupos, o vermelhinho ou o azulão, era o melhor. O sucesso foi tão grande, que a partir de então, ambos dividiram a cidade praticamente ao meio, cada qual com torcida mais animada e apaixonada que o outro. Pelo menos é o que os adeptos de cada um dos bois apregoam. O primeiro campeão foi o Garantido. Nos dois anos seguintes, também ganhou, emplacando um tricampeonato. Não foi, porém, sua maior sucessão de títulos consecutivos. Esta ocorreu entre 1980 e 1984, com o pentacampeonato. Já a maior série consecutiva do Caprichoso se deu entre 1994 e 1996, quando se tornou tricampeão.

A música que acompanha as duas horas e meia de desfile, nas três noites do festival, de cada um dos bois, é a toada. Corresponde ao samba enredo das escolas de samba. Ela é marcada por mais de 400 ritmistas. A ordem de entrada no Bumbódromo, em cada uma das três noites, é alternada. Se na primeira, o Garantido entrou antes, na segunda a primazia cabe ao Caprichoso e na terceira, volta a ser da agremiação de cor vermelha. No primeiro dia, é feito um sorteio, para apurar quem vai abrir os desfiles.

As letras das toadas enfocam lendas e mitos dos povos amazônicos e são, em geral, sumamente poéticas e originais. As melodias são belíssimas, e reproduzem, em certas passagens, cantos dos mais variados pássaros da riquíssima fauna amazônica. De uns tempos para cá – a exemplo do que ocorre com sambas enredos das escolas de samba – as toadas são gravadas e as gravações vendidas em todas as partes do País. Os integrantes dos respectivos bois cantam-nas durante todos os desfiles, os das três noites, e o canto é repetido pelas respectivas torcidas, fixando-o na memória do mero espectador, o turista, neutro, que não torce (pelo menos não oficialmente) para nenhuma das duas agremiações rivais.

O grande ritual do desfile é a apresentação do Boi bumbá clássico, com sua história e personagens fixos e com os participantes de cada grupo ostentando suas respectivas cores: a vermelha ou a azul. Uma figura se destaca nesse folguedo. É a que faz o equivalente ao que é feito pelo puxador de samba enredo nas escolas de samba. Só que, no boi, se trata de toada condutora do desfile. Em Parintins, esse personagem é chamado de “Apresentador”. Claro que tem que ser um bom cantor, com voz potente, super afinado e com muita resistência (para sustentar o canto por duas horas e meia em cada uma das três noites sem parar). Um deles, Paulinho Faria, transformou-se em verdadeiro mito da função na cidade. Representa, para o Garantido – do qual foi Apresentador por 26 anos – o que Jamelão representou para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira.

Há muito, ainda, a ser apresentado sobre o Festival Folclórico de Parintins. Todavia, essa apresentação terá que ficar para outro dia, pois esgotei o limite de espaço que tinha para hoje. Só espero que os detalhes que já apresentei sejam claros, para dar uma idéia, mesmo que aproximada, de no que consiste este belíssimo espetáculo de sons, luzes, cores e movimentos que ocorre todos os anos em pleno coração da Amazônia.


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