Tuesday, December 31, 2013

Aids causa desespero


Pedro J. Bondaczuk

A decisão da prefeitura de Nova York, através das suas autoridades sanitárias, de distribuir gratuitamente, a partir do próximo mês, agulhas hipodérmicas aos viciados em drogas injetáveis, visando a conter a expansão da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida por esse meio, é, certamente, controvertida e merece várias considerações.

Aliás, a medida está dentro do contexto de outras tantas adotadas em face dessa insidiosa e mortal moléstia, que atacam os efeitos, e jamais as causas da sua disseminação. É o caso, por exemplo, da distribuição gratuita de camisinhas para os grupos de risco (ou não), sem que a maioria saiba sequer como elas funcionam.

Nota-se um certo desespero das autoridades ligadas à área da saúde do mundo com o avanço da Aids, que é inversamente proporcional ao descaso com que a epidemia é tratada pela população. Conversando pelas ruas com pessoas comuns, do povo, notamos que muitas sequer acreditam que o mal seja tão grande, que tenha atingido as assustadoras proporções que de fato atingiu.

Com isso, as campanhas empreendidas até agora não surtiram os efeitos esperados, o que tem aterrorizado os que, por dever de ofício, têm a seu encargo a solução do problema.

No caso das agulhas hipodérmicas, o que se está tentando fazer é evitar que pessoas condenadas pelo vício sirvam de agentes de transmissão, a seus companheiros, de um outro mal tão mortal quanto o que já possuem. A atitude equivale a perguntar a alguém se deseja morrer de tiro ou envenenado lentamente.

Nas duas circunstâncias – consumo de drogas injetáveis e contágio pela Aids – o desfecho acabará sendo a morte. É verdade que os viciados, com muita dificuldade, podem ter uma chance de cura. Há inúmeras instituições que cuidam disso.

Aqui mesmo, em Campinas, por exemplo, temos a meritória obra do padre Haroldo Rahm, que tem livrado diversas pessoas desse inferno, restabelecendo nelas a auto-estima, que em algum ponto da trajetória de suas vidas elas perderam e que algumas jamais chegam a recuperar.

Nos parece que para livrar esses indivíduos de serem vetores de contaminação da mortal síndrome, as autoridades sanitárias novaiorquinas estão apostando na sua irrecuperabilidade como viciados. É uma opção que, embora se deva reconhecer, seja prática, acaba sendo sumamente imoral.

Trata-se da admissão tácita do Estado de que, diante de dois males aparentemente irreparáveis (e no caso das drogas não é) o que se tem a fazer é escolher o menor deles. Só o futuro poderá nos dizer se a decisão foi certa. Mas então, pode ser tarde demais. O Cartel de Medellin deve estar vibrando com a nova medida...

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 2 de fevereiro de 1988).


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