Aids causa desespero
Pedro J. Bondaczuk
A decisão da prefeitura de
Nova York, através das suas autoridades sanitárias, de distribuir
gratuitamente, a partir do próximo mês, agulhas hipodérmicas aos viciados em
drogas injetáveis, visando a conter a expansão da Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida por esse meio, é, certamente, controvertida e merece várias
considerações.
Aliás,
a medida está dentro do contexto de outras tantas adotadas em face dessa
insidiosa e mortal moléstia, que atacam os efeitos, e jamais as causas da sua
disseminação. É o caso, por exemplo, da distribuição gratuita de camisinhas
para os grupos de risco (ou não), sem que a maioria saiba sequer como elas
funcionam.
Nota-se
um certo desespero das autoridades ligadas à área da saúde do mundo com o
avanço da Aids, que é inversamente proporcional ao descaso com que a epidemia é
tratada pela população. Conversando pelas ruas com pessoas comuns, do povo,
notamos que muitas sequer acreditam que o mal seja tão grande, que tenha
atingido as assustadoras proporções que de fato atingiu.
Com
isso, as campanhas empreendidas até agora não surtiram os efeitos esperados, o
que tem aterrorizado os que, por dever de ofício, têm a seu encargo a solução
do problema.
No
caso das agulhas hipodérmicas, o que se está tentando fazer é evitar que
pessoas condenadas pelo vício sirvam de agentes de transmissão, a seus
companheiros, de um outro mal tão mortal quanto o que já possuem. A atitude
equivale a perguntar a alguém se deseja morrer de tiro ou envenenado lentamente.
Nas
duas circunstâncias – consumo de drogas injetáveis e contágio pela Aids – o
desfecho acabará sendo a morte. É verdade que os viciados, com muita
dificuldade, podem ter uma chance de cura. Há inúmeras instituições que cuidam
disso.
Aqui
mesmo, em Campinas, por exemplo, temos a meritória obra do padre Haroldo Rahm,
que tem livrado diversas pessoas desse inferno, restabelecendo nelas a
auto-estima, que em algum ponto da trajetória de suas vidas elas perderam e que
algumas jamais chegam a recuperar.
Nos
parece que para livrar esses indivíduos de serem vetores de contaminação da
mortal síndrome, as autoridades sanitárias novaiorquinas estão apostando na sua
irrecuperabilidade como viciados. É uma opção que, embora se deva reconhecer,
seja prática, acaba sendo sumamente imoral.
Trata-se
da admissão tácita do Estado de que, diante de dois males aparentemente
irreparáveis (e no caso das drogas não é) o que se tem a fazer é escolher o
menor deles. Só o futuro poderá nos dizer se a decisão foi certa. Mas então,
pode ser tarde demais. O Cartel de Medellin deve estar vibrando com a nova
medida...
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 2 de fevereiro de
1988).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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