Friday, December 13, 2013

“Armas nucleares vieram para ficar”


Pedro J. Bondaczuk


As armas nucleares vieram para ficar”. Essa afirmação da primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, feita anteontem, em Moscou, durante suas conversações de nove horas com o líder do Cremlin, Mikhail Gorbachev, reflete bem o que os líderes mundiais pensam acerca dessas terríveis ameaças que pairam sobre as cabeças de todos nós, desde junho de 1945, quando a primeira bomba atômica foi testada com sucesso num deserto do Estado do Novo México, nos Estados Unidos.

Para eles, esse é o recurso dissuasório por excelência, capaz de demover qualquer espécie de aventureirismo ou veleidade de domínio, tanto dos que possuem o armamento, quanto dos que não detêm esse terrível instrumento de morte e de destruição.

Thatcher argumentou que, bem ou mal, as armas nucleares garantiram a paz no mundo (ou pelo menos um arremedo dela). Impediram, pelo medo, que se deflagrassem guerras generalizadas, quer de caráter convencional, quer atômico.

No entanto, se a primeira-ministra tivesse o capricho de simplesmente consultar alguns arquivos e munida de uma máquina de somar, das mais simples, computar os dados neles constantes, chegaria à conclusão de que a efetividade de inibição dessas diabólicas engenhocas, que em questão de minutos podem varrer da face da Terra todo o vestígio de vida, não foi tão grande assim.

É verdade que a humanidade não viveu os horrores de um conflito generalizado, de caráter mundial, desde 1945. Mas as conflagrações menores brotaram como autênticas pragas por todos os lados do Planeta, numa quantidade assustadora.

As pequenas guerras, nestes últimos 42 anos, atingiram a uma cifra que ultrapassa a casa dos dois milhares. A soma de mortos e de feridos nesses festivais de loucura leva o observador a uma conclusão chocante e oposta à de Thatcher.

As vítimas desses confrontos localizados superaram, em muito, às registradas no período de 1939 a 1945. Somente nos dois conflitos ocorridos no Vietnã (contra franceses, inicialmente, e posteriormente contra os norte-americanos), no da Coréia, no do Afeganistão e no do Golfo Pérsico, o balanço é suficiente para que se descreia de uma possível ação desestimuladora, ditada pelo medo, das armas nucleares.

Temos, na atualidade, cerca de 43 guerras em andamento, entre aquelas abertas e declaradas e as chamadas eufemisticamente de “libertação nacional”. Algumas mantêm tamanha regularidade em seus efeitos de devastação e de morte que já nem chegam a ser notícia para os editores do noticiário internacional. Transformaram-se em rotinas. Viraram um triste hábito de um mundo dilacerado por injustiças, covardias, prepotência e ódios.

A sucessão de crimes, muitas vezes envolvendo etnias inteiras, já não sensibiliza ninguém. Criamos, desgraçadamente, imunidade à violência que somente nos comove quando nos atinge diretamente.

Os líderes que defendem a manutenção das armas nucleares a título dissuasório (e a quase totalidade deles o faz), confiam numa falsa preponderância do instinto de sobrevivência humano sobre a sua tendência destrutiva, tanto a própria destruição quanto a da espécie. Isto, no entanto, é falso. Não funciona. Se funcionasse, não haveria tantos assassinatos, suicídios e tentativas de ambos atos de violência.

Toda uma geração nasceu e cresceu sob o espectro do holocausto nuclear. Aos poucos, a idéia de uma fatal destruição do Planeta, e conseqüentemente de extinção da vida, aninhou-se no espírito das pessoas. Passou a ser uma coisa esperada, mera questão de tempo. Todos acabaram acostumando-se a ela. A tal ponto, que isto já não constitui mais motivo de grande terror para ninguém, embora a ameaça de uma hecatombe desse tipo, longe de estar afastada, se torne a cada dia mais iminente, tanto por causa da complexidade das desavenças entre grupos e nações, quanto da própria letalidade das armas nucleares.

Estas, no entanto, “vieram para ficar”. Será que somos todos uns inocentes carneirinhos a ponto de delegarmos nossos destinos a pessoas exatamente como nós, para que ditem o nosso fim, sem que nada possa ser feito para mudar a situação? É a questão que cada um deve responder a si mesmo, de acordo com o seu entendimento e suas expectativas de vida.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 1 de abril de 1987).


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