Monday, December 02, 2013

Tema virtualmente inesgotável

Pedro J. Bondaczuk

O folclore, seja de onde for, é fonte temática inesgotável, que tem tudo a ver com Literatura, tanto a de ficção, quanto a de não-ficção. Há escritores (e não são poucos) que dedicam toda a vida e, por conseqüência, toda a carreira exclusivamente ao estudo e desenvolvimento desse assunto. Escrevem (e publicam) livros e mais livros a propósito e não conseguem esgotar o tema e nem sequer se aproximar do esgotamento. Por que? Porque o folclore é o reflexo da alma de um povo. Porque reflete seus costumes, tradições, lendas, manifestações artísticas, culinária etc. Enfim, porque enfoca tudo o que caracteriza e identifica os membros de determinada sociedade nacional.

Há muito que sou fascinado pelo tema, que pouco, todavia, explorei em meus textos. Essa minha escassez de abordagem, porém, não se deve, como muitos poderão supor, a eventual desinteresse, ou ao desconhecimento do assunto, ou mesmo à falta de acesso a fontes de pesquisa. Não é nada disso. Trata-se de exclusiva falta de tempo, dada a infinidade de coisas a tratar que a Literatura me enseja que, para as explorar todas, ou pelo menos a maior parte, eu precisaria viver uma dezena de “vidas”, todas centenárias, e ainda assim deixaria muito por abordar.

Semanas atrás escrevi, neste espaço nobre destinado a reflexões diárias sobre a arte literária, um punhado de textos (cinco ou seis, não me recordo), abordando alguns folguedos, dos mais populares, característicos do nosso País. Tratei, contudo, de uma quantidade ínfima deles, se levar em conta as múltiplas manifestações folclóricas que caracterizam nosso povo. Ademais, as abordagens foram sumamente superficiais, sem o desejável aprofundamento no assunto, como fazem os escritores que tratam exclusivamente do tema. Claro que gostaria de escrever mais. Todavia... esbarrei nas naturais limitações de tempo e de espaço.

Na semana passada voltei ao assunto e por duas razões principais. A primeira pelo fato de agosto ser um mês dedicado ao folclore, o que me proporcionou oportuno “gancho” para abordar o tema. A segunda, e principal, porque deixei de enfocar, antes, o folguedo mais conhecido e popular de todos: o Boi bumbá, omissão que corrigi em parte. Restringi-me, porém, nos textos anteriores, a explorar essa manifestação folclórica não na sua forma mais praticada e conhecida, mas na mais original, ou seja, tratando de como ela é desenvolvida no Estado de Rondônia, que tem escassa (para não dizer nula) divulgação.

Deixei, por conseqüência, e de propósito, de citar sua maneira.”vencedora”, conhecidíssima País afora e que, inclusive, já teve transmissão direta pela televisão aberta, há uns quatro anos se tanto. Refiro-me ao Festival Folclórico de Parintins que, desde 1966, é realizado, anualmente, no último fim de semana do mês de junho, nessa importante cidade do Amazonas (a segunda mais populosa desse Estado, abaixo, somente, de Manaus). Neste ano, para variar, ela já ocorreu, com o sucesso de sempre, atraindo para a região centenas de milhares de turistas, que, mais uma vez, se deliciaram com a apresentação. Trata-se, porém, de evento muito importante para ser tratado de maneira casual e descuidada. Daí eu haver decidido, como sempre faço com assuntos que julgo merecedores de análise mais cuidadosa, redigir uma série de textos a propósito, da qual este, de hoje, é apenas uma espécie de “super-nariz de cera”.

Em termos de enredo, o “Boi bumbá” de Parintins em nada difere do de outras vertentes dessa manifestação folclórica cultivada nas demais regiões do País (inclusive em Rondônia, da qual já tratei). Narra a história de um animal que é sacrificado por quem não caberia sacrificá-lo, e que é “ressuscitado” por sortilégios mágicos, para voltar a ser morto, conforme seu destino. Recordando, trata-se do empenho de um marido em satisfazer o desejo da mulher grávida, sem medir as conseqüências do seu ato. Catirina queria porque queria comer a língua do boi mais precioso da fazenda em que vivia. Pediu, pois, ao marido, Pai Francisco, que satisfizesse essa vontade e este, no ato, fez o que a mulher pediu. O proprietário do animal, todavia, não se conformou com isso. Mandou prender o empregado que fez o que não poderia fazer. E, não apenas isso. Convocou os “doutores” e feiticeiros para que dessem um jeito de fazer o impossível: ressuscitar o boi. Eles tiveram êxito. O animal foi ressuscitado, mas apenas para ser sacrificado mais adiante, com pompa e circunstância.

Como se vê, não há nenhuma novidade, nenhuma diferença temática em relação às demais vertentes desse folguedo. Diferente, porém, é a maneira como o tema é encenado e apresentado ao público. Em Parintins opõe, por exemplo, desde 1966, dois grupos rivais, chamados de “bois”, respectivamente batizados de “Garantido” e “Caprichoso”, que disputam, renhidamente, na avenida o título de cada ano. E a rivalidade é tão profunda, que pode ser comparada à que existe entre os principais times de futebol do Brasil, como, por exemplo, Ponte Preta e Guarani, Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Fluminense, Cruzeiro e Atlético, Grêmio e Internacional e vai por aí afora.

Essa disputa é tão tradicional e ferrenha, e atrai tantos curiosos e turistas a Parintins, que suas autoridades criaram, até, um palco próprio para ela –  a exemplo do que se fez no Rio de Janeiro com o “sambódromo”, projetado por Oscar Niemeyer e logo imitado por São Paulo, com o Anhembi, e por algumas outras cidades brasileiras – ou seja, determinaram a construção do “bumbódromo”. Os dois grupos rivais (rivalíssimos) diferenciam-se pelas cores. Um, o Garantido, é vermelho em todas as vestes e fantasias. O outro, Caprichoso, é totalmente azul. Guardadas as devidas proporções, ambos lembram, respectivamente, o Internacional e o Grêmio, rivais, em Porto Alegre, que protagonizam o famoso clássico Gre-Nal.

Como se vê, há muita coisa a ser dita e descrita sobre esse famoso festival amazônico, quer sobre os dois bois que o protagonizam, quer sobre a cidade que promove esse imperdível espetáculo. Tem que ser detalhado, para que quem não o conhece e sequer ouviu falar a respeito tenha uma mesmo que pálida idéia de como e onde ele se desenrola. E, claro, isso não pode ser, por maior que seja o poder de síntese do redator, exposto num único texto. Vai daí... que voltarei ao assunto.


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