Tema virtualmente
inesgotável
Pedro
J. Bondaczuk
O folclore, seja de
onde for, é fonte temática inesgotável, que tem tudo a ver com Literatura,
tanto a de ficção, quanto a de não-ficção. Há escritores (e não são poucos) que
dedicam toda a vida e, por conseqüência, toda a carreira exclusivamente ao estudo
e desenvolvimento desse assunto. Escrevem (e publicam) livros e mais livros a
propósito e não conseguem esgotar o tema e nem sequer se aproximar do
esgotamento. Por que? Porque o folclore é o reflexo da alma de um povo. Porque
reflete seus costumes, tradições, lendas, manifestações artísticas, culinária
etc. Enfim, porque enfoca tudo o que caracteriza e identifica os membros de
determinada sociedade nacional.
Há muito que sou
fascinado pelo tema, que pouco, todavia, explorei em meus textos. Essa minha
escassez de abordagem, porém, não se deve, como muitos poderão supor, a
eventual desinteresse, ou ao desconhecimento do assunto, ou mesmo à falta de
acesso a fontes de pesquisa. Não é nada disso. Trata-se de exclusiva falta de
tempo, dada a infinidade de coisas a tratar que a Literatura me enseja que,
para as explorar todas, ou pelo menos a maior parte, eu precisaria viver uma
dezena de “vidas”, todas centenárias, e ainda assim deixaria muito por abordar.
Semanas atrás escrevi,
neste espaço nobre destinado a reflexões diárias sobre a arte literária, um
punhado de textos (cinco ou seis, não me recordo), abordando alguns folguedos,
dos mais populares, característicos do nosso País. Tratei, contudo, de uma
quantidade ínfima deles, se levar em conta as múltiplas manifestações
folclóricas que caracterizam nosso povo. Ademais, as abordagens foram sumamente
superficiais, sem o desejável aprofundamento no assunto, como fazem os
escritores que tratam exclusivamente do tema. Claro que gostaria de escrever
mais. Todavia... esbarrei nas naturais limitações de tempo e de espaço.
Na semana passada
voltei ao assunto e por duas razões principais. A primeira pelo fato de agosto
ser um mês dedicado ao folclore, o que me proporcionou oportuno “gancho” para
abordar o tema. A segunda, e principal, porque deixei de enfocar, antes, o
folguedo mais conhecido e popular de todos: o Boi bumbá, omissão que corrigi em
parte. Restringi-me, porém, nos textos anteriores, a explorar essa manifestação
folclórica não na sua forma mais praticada e conhecida, mas na mais original,
ou seja, tratando de como ela é desenvolvida no Estado de Rondônia, que tem
escassa (para não dizer nula) divulgação.
Deixei, por
conseqüência, e de propósito, de citar sua maneira.”vencedora”, conhecidíssima
País afora e que, inclusive, já teve transmissão direta pela televisão aberta,
há uns quatro anos se tanto. Refiro-me ao Festival Folclórico de Parintins que,
desde 1966, é realizado, anualmente, no último fim de semana do mês de junho,
nessa importante cidade do Amazonas (a segunda mais populosa desse Estado,
abaixo, somente, de Manaus). Neste ano, para variar, ela já ocorreu, com o
sucesso de sempre, atraindo para a região centenas de milhares de turistas,
que, mais uma vez, se deliciaram com a apresentação. Trata-se, porém, de evento
muito importante para ser tratado de maneira casual e descuidada. Daí eu haver
decidido, como sempre faço com assuntos que julgo merecedores de análise mais
cuidadosa, redigir uma série de textos a propósito, da qual este, de hoje, é apenas
uma espécie de “super-nariz de cera”.
Em termos de enredo, o
“Boi bumbá” de Parintins em nada difere do de outras vertentes dessa
manifestação folclórica cultivada nas demais regiões do País (inclusive em
Rondônia, da qual já tratei). Narra a história de um animal que é sacrificado
por quem não caberia sacrificá-lo, e que é “ressuscitado” por sortilégios
mágicos, para voltar a ser morto, conforme seu destino. Recordando, trata-se do
empenho de um marido em satisfazer o desejo da mulher grávida, sem medir as
conseqüências do seu ato. Catirina queria porque queria comer a língua do boi
mais precioso da fazenda em que vivia. Pediu, pois, ao marido, Pai Francisco,
que satisfizesse essa vontade e este, no ato, fez o que a mulher pediu. O
proprietário do animal, todavia, não se conformou com isso. Mandou prender o
empregado que fez o que não poderia fazer. E, não apenas isso. Convocou os
“doutores” e feiticeiros para que dessem um jeito de fazer o impossível:
ressuscitar o boi. Eles tiveram êxito. O animal foi ressuscitado, mas apenas
para ser sacrificado mais adiante, com pompa e circunstância.
Como se vê, não há
nenhuma novidade, nenhuma diferença temática em relação às demais vertentes
desse folguedo. Diferente, porém, é a maneira como o tema é encenado e apresentado
ao público. Em Parintins opõe, por exemplo, desde 1966, dois grupos rivais,
chamados de “bois”, respectivamente batizados de “Garantido” e “Caprichoso”,
que disputam, renhidamente, na avenida o título de cada ano. E a rivalidade é
tão profunda, que pode ser comparada à que existe entre os principais times de
futebol do Brasil, como, por exemplo, Ponte Preta e Guarani, Corinthians e
Palmeiras, Flamengo e Fluminense, Cruzeiro e Atlético, Grêmio e Internacional e
vai por aí afora.
Essa disputa é tão
tradicional e ferrenha, e atrai tantos curiosos e turistas a Parintins, que
suas autoridades criaram, até, um palco próprio para ela – a exemplo do que se fez no Rio de Janeiro com
o “sambódromo”, projetado por Oscar Niemeyer e logo imitado por São Paulo, com
o Anhembi, e por algumas outras cidades brasileiras – ou seja, determinaram a
construção do “bumbódromo”. Os dois grupos rivais (rivalíssimos) diferenciam-se
pelas cores. Um, o Garantido, é vermelho em todas as vestes e fantasias. O
outro, Caprichoso, é totalmente azul. Guardadas as devidas proporções, ambos
lembram, respectivamente, o Internacional e o Grêmio, rivais, em Porto Alegre,
que protagonizam o famoso clássico Gre-Nal.
Como se vê, há muita
coisa a ser dita e descrita sobre esse famoso festival amazônico, quer sobre os
dois bois que o protagonizam, quer sobre a cidade que promove esse imperdível
espetáculo. Tem que ser detalhado, para que quem não o conhece e sequer ouviu
falar a respeito tenha uma mesmo que pálida idéia de como e onde ele se
desenrola. E, claro, isso não pode ser, por maior que seja o poder de síntese
do redator, exposto num único texto. Vai daí... que voltarei ao assunto.
acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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