Personagens marcantes e
julgamento imparcial
Pedro
J. Bondaczuk
O Festival Folclórico
de Parintins, no Amazonas, é um espetáculo inesquecível tanto para os que
participam diretamente dele, quanto para quem o assiste, conforme, aliás,
procurei demonstrar (creio que com relativo sucesso) em textos anteriores a
propósito. Basicamente, é o folguedo do “Boi bumbá”, como o apresentado nos
demais Estados do País, pelo menos no que se refere ao seu tema condutor, ao
seu enredo básico e único. Todavia, tem mais diferenças do que semelhanças, que
o tornam tão atrativo, bem sucedido e único. São essas características
peculiares que atraem tantas pessoas de todo o Brasil e de várias partes do
mundo àquele distante recanto da remota, mas atrativa Amazônia.
A principal diferença
do Festival de Parintins em relação aos demais “Bois bumbas” é o clima de
competição, que se repete desde 1966, entre dois grupos rivais, o Caprichoso e
o Garantido, que dividem a cidade ao meio em termos de preferência e faz com
que metade se vista de vermelho e a outra metade de azul, as respectivas cores das
duas agremiações folclóricas locais. Em textos anteriores, tive a oportunidade
de tecer comentários sobre a música que embala as apresentações no Bumbódromo
local e sobre as figuras do “Apresentador” e do “Levantador de Toadas”.
Todavia, estes não são os únicos personagens do folguedo, embora estejam entre
os mais importantes.
É mister ressaltar o
que lá é chamado de “Amo do boi”. E o que vem a ser esse personagem? Trata-se
daquele que, com toque do berrante, seguido da declamação de um verso da toada
que serve de tema para cada ano, “chama” a figura central para dançar. Claro
que quando me refiro a ela, estou pensando naquela imprescindível, a que dá
nome à manifestação folclórica e sem a qual ela não seria o que é.
Evidentemente, refiro-me ao boi. Tudo gira, nesse folguedo, ao seu redor, ou
seja, em torno da sua morte, sua ressurreição e seu posterior e definitivo
sacrifício. No Garantido, essa função é exercida por Tony Medeiros e no
Caprichoso, por Edilson Santana.
Outro personagem do
desfile é a “Sinhazinha da Fazenda”. No enredo, trata-se da filha do dono da
propriedade e, consequentemente, do boi. A escolha tem que recair,
necessariamente, sobre uma moça muito bonita, mas que alie à beleza a graça, a
desenvoltura, a simplicidade e a alegria. Convenhamos, mulheres com essas
características é que não faltam na Amazônia e, por conseqüência, em Parintins.
Cabe a essa figura fazer a saudação tradicional tanto ao público, quanto ao
personagem central do enredo, o boi. Atualmente, a “Sinhazinha” do Garantido é
a bela Ana Luiza Faria e a do Caprichoso, a não menos linda Thainá Valente.
A exemplo do que ocorre
com as escolas de samba, o “Boi bumbá” de Parintins também conta com
porta-bandeiras. Sua função dispensa esclarecimentos e apresentações. É, óbvio,
a de portar, com galhardia, garra, graça e elegância, o símbolo maior de cada
um dos dois bois concorrentes. Seu papel é, pois, o mesmo de suas congêneres
das escolas de samba, com a diferença de que, no folguedo, elas não contam com
a companhia dos mestres salas. Verena Ferreira exerce essa função no Garantido
e Raysa Muniz no Caprichoso.
Personagem típica do
“Boi bumbá” é a Cunhã Poranga. Esta tem que ser, necessariamente, a moça mais
bela da respectiva agremiação. Por que? Porque o enredo o exige. Porque a força
dela é exatamente a beleza. Trata-se de uma sacerdotisa que encanta, hipnotiza
e conquista, pelo fascínio que exerce, os demais personagens. E, reitero,
Parintins tem mulheres belíssimas e provavelmente os diretores dos dois
principais bois têm (ou devem ter) imensas dificuldades na escolha, nas raras
ocasiões em que se torne necessário trocar essa personagem. Mas não por falta
de beldades, mas pelo excesso delas na cidade. No Garantido, a moça mais bela
atual é Tatiane Barros e no Caprichoso, Maria Azedo (que, apesar do sobrenome,
consta que é muito “doce”).
O desfile conta, ainda,
com outra figura feminina importante. Trata-se da “Rainha do Folclore”. Como as
anteriores, tem que ser, necessariamente, uma mulher bela. Não por acaso, o
Festival de Parintins é tão deslumbrante. É um esbanjar de beleza, tanto nas
fantasias, quanto na música, nas letras, nas luzes, nas coreografias e... nas
mulheres que participam dele. Quem exerce esse papel deve ter, além de
desenvoltura, porte majestoso. Afinal, trata-se de incorporar uma rainha. Deve,
pois, agir como tal. Patrícia de Goes representa o Garantido nesse importante
quesito e Brenna Dianná é a sua rival do Caprichoso.
Curiosamente, o
personagem central do desfile se apresenta de forma anônima. Ou seja, o público
não vê quem está representando essa figura. Refiro-me ao chamado “Tripa de
Boi”. Estranharam o nome? No início também estranhei. Explico quem é. Trata-se
do sujeito que porta a fantasia do boi, sem a qual, óbvio, não existe nenhum
“boi bumbá”. É o símbolo máximo dessa manifestação popular e a sua razão de
ser. Quanto mais suas coreografias assemelharem-se aos movimentos do animal
real, mais pontos sua agremiação obterá. Tem que ser, portanto, exímio
coreógrafo e dançarino de mão cheia, sobretudo incansável, para suportar as
duas horas e meia de apresentação em cada uma das três noites. O regulamento
exige que os bois rivais tenham exatamente as mesmas dimensões e o mesmo peso,
variando, somente, nas cores: ou vermelha ou azul. O “Tripa de Boi” não apenas
“veste” a fantasia do animal, como é, também, a pessoa incumbida da sua própria
elaboração. E não pode errar naquilo que o regulamento exige, sob pena de
desclassificação. Embora o público nunca os veja, sabe, porém, de sobejo, que o
“Tripa de Boi” do Garantido é Denildo Piçanã e o do Caprichoso, Markinho
Azevedo.
Muita coisa ainda
poderia ser dita sobre esse magnífico festival, mas não direi mais nada, até
para que o leitor satisfaça a curiosidade indo a Parintins e assistindo, in
loco, a essas inesquecíveis apresentações. Quem for, asseguro, não se
arrependerá. Mas antes de encerrar esta série de considerações sobre o “Boi
bumbá”, faz-se necessário abordar as figuras importantíssimas e imprescindíveis
dos jurados. Cabe-lhes a tarefa de definir os campeões de cada ano. E como eles
são escolhidos? São por sorteio. Até aí, nada demais. Ocorre que o regulamento
define, expressamente, que apenas pessoas de outras cidades, e mais, que não
sejam do Norte do País, podem se candidatar. Portanto, não há riscos de
parcialidade na definição do vencedor dos desfiles. Ademais, não é qualquer
pessoa do Nordeste, Centro Oeste, Leste, Sudeste e Sul que pode se candidatar.
Há rigorosíssimas exigências que têm que ser atendidas para isso. Entre estas,
o requisito principal é que o postulante a jurado – que terá a tarefa de julgar
vinte quesitos – seja
estudioso de arte, de cultura e de folclore brasileiro. Ou seja, tem que
entender do riscado. Não pode, pois, ser mero “pára-quedista”. Por isso, todos
os anos, apesar da chiadeira dos perdedores (o que é normal em qualquer
competição), não houve, jamais, em tempo algum, a mais remota suspeita de
“marmelada”. E nem poderia haver, concordam?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment