Monday, December 09, 2013

Personagens marcantes e julgamento imparcial

Pedro J. Bondaczuk

O Festival Folclórico de Parintins, no Amazonas, é um espetáculo inesquecível tanto para os que participam diretamente dele, quanto para quem o assiste, conforme, aliás, procurei demonstrar (creio que com relativo sucesso) em textos anteriores a propósito. Basicamente, é o folguedo do “Boi bumbá”, como o apresentado nos demais Estados do País, pelo menos no que se refere ao seu tema condutor, ao seu enredo básico e único. Todavia, tem mais diferenças do que semelhanças, que o tornam tão atrativo, bem sucedido e único. São essas características peculiares que atraem tantas pessoas de todo o Brasil e de várias partes do mundo àquele distante recanto da remota, mas atrativa Amazônia.

A principal diferença do Festival de Parintins em relação aos demais “Bois bumbas” é o clima de competição, que se repete desde 1966, entre dois grupos rivais, o Caprichoso e o Garantido, que dividem a cidade ao meio em termos de preferência e faz com que metade se vista de vermelho e a outra metade de azul, as respectivas cores das duas agremiações folclóricas locais. Em textos anteriores, tive a oportunidade de tecer comentários sobre a música que embala as apresentações no Bumbódromo local e sobre as figuras do “Apresentador” e do “Levantador de Toadas”. Todavia, estes não são os únicos personagens do folguedo, embora estejam entre os mais importantes.

É mister ressaltar o que lá é chamado de “Amo do boi”. E o que vem a ser esse personagem? Trata-se daquele que, com toque do berrante, seguido da declamação de um verso da toada que serve de tema para cada ano, “chama” a figura central para dançar. Claro que quando me refiro a ela, estou pensando naquela imprescindível, a que dá nome à manifestação folclórica e sem a qual ela não seria o que é. Evidentemente, refiro-me ao boi. Tudo gira, nesse folguedo, ao seu redor, ou seja, em torno da sua morte, sua ressurreição e seu posterior e definitivo sacrifício. No Garantido, essa função é exercida por Tony Medeiros e no Caprichoso, por  Edilson Santana.

Outro personagem do desfile é a “Sinhazinha da Fazenda”. No enredo, trata-se da filha do dono da propriedade e, consequentemente, do boi. A escolha tem que recair, necessariamente, sobre uma moça muito bonita, mas que alie à beleza a graça, a desenvoltura, a simplicidade e a alegria. Convenhamos, mulheres com essas características é que não faltam na Amazônia e, por conseqüência, em Parintins. Cabe a essa figura fazer a saudação tradicional tanto ao público, quanto ao personagem central do enredo, o boi. Atualmente, a “Sinhazinha” do Garantido é a bela Ana Luiza Faria e a do Caprichoso, a não menos linda Thainá Valente.

A exemplo do que ocorre com as escolas de samba, o “Boi bumbá” de Parintins também conta com porta-bandeiras. Sua função dispensa esclarecimentos e apresentações. É, óbvio, a de portar, com galhardia, garra, graça e elegância, o símbolo maior de cada um dos dois bois concorrentes. Seu papel é, pois, o mesmo de suas congêneres das escolas de samba, com a diferença de que, no folguedo, elas não contam com a companhia dos mestres salas. Verena Ferreira exerce essa função no Garantido e Raysa Muniz no Caprichoso.

Personagem típica do “Boi bumbá” é a Cunhã Poranga. Esta tem que ser, necessariamente, a moça mais bela da respectiva agremiação. Por que? Porque o enredo o exige. Porque a força dela é exatamente a beleza. Trata-se de uma sacerdotisa que encanta, hipnotiza e conquista, pelo fascínio que exerce, os demais personagens. E, reitero, Parintins tem mulheres belíssimas e provavelmente os diretores dos dois principais bois têm (ou devem ter) imensas dificuldades na escolha, nas raras ocasiões em que se torne necessário trocar essa personagem. Mas não por falta de beldades, mas pelo excesso delas na cidade. No Garantido, a moça mais bela atual é Tatiane Barros e no Caprichoso, Maria Azedo (que, apesar do sobrenome, consta que é muito “doce”).

O desfile conta, ainda, com outra figura feminina importante. Trata-se da “Rainha do Folclore”. Como as anteriores, tem que ser, necessariamente, uma mulher bela. Não por acaso, o Festival de Parintins é tão deslumbrante. É um esbanjar de beleza, tanto nas fantasias, quanto na música, nas letras, nas luzes, nas coreografias e... nas mulheres que participam dele. Quem exerce esse papel deve ter, além de desenvoltura, porte majestoso. Afinal, trata-se de incorporar uma rainha. Deve, pois, agir como tal. Patrícia de Goes representa o Garantido nesse importante quesito e Brenna Dianná é a sua rival do Caprichoso.

Curiosamente, o personagem central do desfile se apresenta de forma anônima. Ou seja, o público não vê quem está representando essa figura. Refiro-me ao chamado “Tripa de Boi”. Estranharam o nome? No início também estranhei. Explico quem é. Trata-se do sujeito que porta a fantasia do boi, sem a qual, óbvio, não existe nenhum “boi bumbá”. É o símbolo máximo dessa manifestação popular e a sua razão de ser. Quanto mais suas coreografias assemelharem-se aos movimentos do animal real, mais pontos sua agremiação obterá. Tem que ser, portanto, exímio coreógrafo e dançarino de mão cheia, sobretudo incansável, para suportar as duas horas e meia de apresentação em cada uma das três noites. O regulamento exige que os bois rivais tenham exatamente as mesmas dimensões e o mesmo peso, variando, somente, nas cores: ou vermelha ou azul. O “Tripa de Boi” não apenas “veste” a fantasia do animal, como é, também, a pessoa incumbida da sua própria elaboração. E não pode errar naquilo que o regulamento exige, sob pena de desclassificação. Embora o público nunca os veja, sabe, porém, de sobejo, que o “Tripa de Boi” do Garantido é Denildo Piçanã e o do Caprichoso, Markinho Azevedo.


Muita coisa ainda poderia ser dita sobre esse magnífico festival, mas não direi mais nada, até para que o leitor satisfaça a curiosidade indo a Parintins e assistindo, in loco, a essas inesquecíveis apresentações. Quem for, asseguro, não se arrependerá. Mas antes de encerrar esta série de considerações sobre o “Boi bumbá”, faz-se necessário abordar as figuras importantíssimas e imprescindíveis dos jurados. Cabe-lhes a tarefa de definir os campeões de cada ano. E como eles são escolhidos? São por sorteio. Até aí, nada demais. Ocorre que o regulamento define, expressamente, que apenas pessoas de outras cidades, e mais, que não sejam do Norte do País, podem se candidatar. Portanto, não há riscos de parcialidade na definição do vencedor dos desfiles. Ademais, não é qualquer pessoa do Nordeste, Centro Oeste, Leste, Sudeste e Sul que pode se candidatar. Há rigorosíssimas exigências que têm que ser atendidas para isso. Entre estas, o requisito principal é que o postulante a jurado – que terá a tarefa de julgar vinte quesitos – seja estudioso de arte, de cultura e de folclore brasileiro. Ou seja, tem que entender do riscado. Não pode, pois, ser mero “pára-quedista”. Por isso, todos os anos, apesar da chiadeira dos perdedores (o que é normal em qualquer competição), não houve, jamais, em tempo algum, a mais remota suspeita de “marmelada”. E nem poderia haver, concordam?

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