Tuesday, December 31, 2013

É possível fazermos da vida uma obra de arte, perfeita e de extraordinária beleza, que cause admiração e desejo de imitação? Entendo que sim! Algumas pessoas (raríssimas) viveram com intensidade e espalharam, por onde passaram, palavras e principalmente atos de bondade, alegria, solidariedade e amor. E, quando morreram, constituíram-se em irreparáveis perdas para a humanidade. É até desnecessário citar exemplos, pois não há nenhuma pessoa bem-informada que não os conheça. Mas a “regra”, infelizmente, não é esta. É a arte ser bela, por se tratar de mera idealização da perfeição, e a vida ser feia, por causa da objetividade que precisamos ter para assegurar a sobrevivência física. Fernando Pessoa tratou desse tema com  objetividade e chegou a esta conclusão que, infelizmente, reflete uma grande verdade: “Por que é bela a arte? Porque é inútil. Por que é feia a vida? Porque é toda fins e propósitos e intenções”.


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Aids causa desespero


Pedro J. Bondaczuk

A decisão da prefeitura de Nova York, através das suas autoridades sanitárias, de distribuir gratuitamente, a partir do próximo mês, agulhas hipodérmicas aos viciados em drogas injetáveis, visando a conter a expansão da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida por esse meio, é, certamente, controvertida e merece várias considerações.

Aliás, a medida está dentro do contexto de outras tantas adotadas em face dessa insidiosa e mortal moléstia, que atacam os efeitos, e jamais as causas da sua disseminação. É o caso, por exemplo, da distribuição gratuita de camisinhas para os grupos de risco (ou não), sem que a maioria saiba sequer como elas funcionam.

Nota-se um certo desespero das autoridades ligadas à área da saúde do mundo com o avanço da Aids, que é inversamente proporcional ao descaso com que a epidemia é tratada pela população. Conversando pelas ruas com pessoas comuns, do povo, notamos que muitas sequer acreditam que o mal seja tão grande, que tenha atingido as assustadoras proporções que de fato atingiu.

Com isso, as campanhas empreendidas até agora não surtiram os efeitos esperados, o que tem aterrorizado os que, por dever de ofício, têm a seu encargo a solução do problema.

No caso das agulhas hipodérmicas, o que se está tentando fazer é evitar que pessoas condenadas pelo vício sirvam de agentes de transmissão, a seus companheiros, de um outro mal tão mortal quanto o que já possuem. A atitude equivale a perguntar a alguém se deseja morrer de tiro ou envenenado lentamente.

Nas duas circunstâncias – consumo de drogas injetáveis e contágio pela Aids – o desfecho acabará sendo a morte. É verdade que os viciados, com muita dificuldade, podem ter uma chance de cura. Há inúmeras instituições que cuidam disso.

Aqui mesmo, em Campinas, por exemplo, temos a meritória obra do padre Haroldo Rahm, que tem livrado diversas pessoas desse inferno, restabelecendo nelas a auto-estima, que em algum ponto da trajetória de suas vidas elas perderam e que algumas jamais chegam a recuperar.

Nos parece que para livrar esses indivíduos de serem vetores de contaminação da mortal síndrome, as autoridades sanitárias novaiorquinas estão apostando na sua irrecuperabilidade como viciados. É uma opção que, embora se deva reconhecer, seja prática, acaba sendo sumamente imoral.

Trata-se da admissão tácita do Estado de que, diante de dois males aparentemente irreparáveis (e no caso das drogas não é) o que se tem a fazer é escolher o menor deles. Só o futuro poderá nos dizer se a decisão foi certa. Mas então, pode ser tarde demais. O Cartel de Medellin deve estar vibrando com a nova medida...

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 2 de fevereiro de 1988).


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Era da mobilidade

Pedro J. Bondaczuk

O final de cada ano – pelo menos nesta época atual, caracterizada por um sem número de facilidades proporcionadas pelos avanços tecnológicos – vem sendo marcado, entre outras coisas, pela mobilidade. Multidões, em automóveis – cada vez em maior número, mais velozes e sofisticados (posto que não mais seguros) – se deslocam freneticamente de suas cidades de origem, em direção ao litoral ou ao interior, como se fosse algo obrigatório, enfrentando riscos, desconforto e toda sorte de chateações. Óbvio que não são obrigadas a isso! Mas as pessoas agem como se fossem. Abarrotam rodovias, inseguras, esburacadas e pessimamente sinalizadas, chamarizes de acidentes em sua imensa maioria, como se não houvesse amanhã. Para muitos, não haverá mesmo. Claro que me refiro aos tantos que perdem ou vão perder a vida – por negligência, imperícia ou imprudência, próprias ou de terceiros – em desastres evitáveis, mas que não evitam ou não evitarão.

Mas não são apenas as estradas que ficam superlotadas nessas ocasiões. Observe-se, também, que isso não ocorre apenas em vésperas de Natal e Ano Novo. Repete-se antes de qualquer feriado, principalmente quando ele cai no meio da semana, o que permite que se “enforquem” dois ou três dias úteis de trabalho, para desespero dos patrões. Os aeroportos, inadequados e ultrapassados Brasil afora, superlotam com multidões ansiosas por embarcar para os lugares mais distantes tanto deste país-continente quanto e, sobretudo, para o exterior. Isso não acontecia antes? Bem, depende a que “antes” nos referirmos.

Se a referência for ao ano anterior, ou aos cinco ou dez anteriores, não há muita novidade. A diferença está apenas na quantidade. O contingente desse pessoal que foge de suas cidades como o diabo foge da cruz tão logo apareça oportunidade para tal, sem sequer medir riscos e/ou desconfortos, cresceu muito e tende só a crescer, principalmente em decorrência da melhoria da capacidade econômica de parcela considerável de brasileiros. Contudo, se nos referirmos a vinte, trinta ou mesmo cinqüenta anos atrás, essa mobilidade não deixa de ser espantosa, embora já nos pareça “normal” de tanto que vem sendo repetida.

Não há dúvidas que isso decorre da evolução dos meios de transportes. Esse “nomadismo” contemporâneo desenfreado seria inconcebível, digamos, na década de 30 do século passado. Até porque, antes do governo de Juscelino Kubitschek, o País sequer dispunha de rodovias, nem mesmo das esburacadas e mal sinalizadas de hoje, de que tanto nos queixamos. Tínhamos, apenas, cinco ou seis, se tanto. E no século XIX? Bem, não há o menor registro, em livro algum de escritor da época, de, digamos, “congestionamento” de cavalos nas picadas da Serra do Mar, por exemplo, que demandavam às praias do litoral paulista (nem de qualquer outra, de outras partes muito menos desenvolvidas do País). E nem de carruagens ou tilburis, de famílias mais abastadas, as únicas que poderiam se dar a esse luxo (que não lhes passava nem remotamente pela cabeça, por razões óbvias). Ademais, os banhos de mar nem mesmo eram hábito da esmagadora maioria dos nossos ancestrais.

As viagens para outros países, então, eram extremas raridades. Só eram feitas, salvo uma ou outra exceção, quando indispensáveis, em geral para estudos, ou para negócios, ou para tratamento de saúde em centros mais avançados do exterior. Raros eram os que faziam turismo, como se faz agora. Afinal, o avião sequer havia sido inventado. E quem quisesse conhecer a Europa, os Estados Unidos ou a Ásia, por exemplo, teria que viajar em navios que, mesmo que luxuosos e relativamente seguros (mas não totalmente, pois até a embarcação que “nem Deus poderia afundar”, no caso o Titanic, foi parar no fundo do oceano), eram lentíssimos. Uma viagem de São Paulo a Paris, para citar um caso, que hoje se conta em horas, era contada, na ocasião, em semanas. E, para localidades mais distantes, contava-se, até, em meses.

As seleções de outros continentes, por exemplo, que participaram da primeira Copa do Mundo de Futebol, disputada no Uruguai, em 1930, viajaram para lá de navio. Por isso foram tão poucas as que participaram e muitas delas até desistiram de participar da competição em cima da hora. O mesmo aconteceu com os brasileiros em 1934 e 1938, na Itália e França, respectivamente, que tiveram que viajar, ser não me falha a memória, duas semanas em um transatlântico. Já imaginaram?! Caso os transportes aéreos não evoluíssem como evoluíram, tornando os vôos seguros, confortáveis e rápidos, não tenho dúvidas em afirmar que as Copas do Mundo, as Olimpíadas e todas as outras competições esportivas  internacionais sequer existiriam. Afinal, exigiriam esforço demais por tão pouca coisa.


Fico imaginando como serão os feriados, sobretudo os de finais de ano, digamos, no século XXII (isso, claro, supondo que o mundo sobreviva até lá e que nenhum maluco promova sua aniquilação). Como serão os transportes na virada de 2113 para 2114? Nossos descendentes demandarão praias de qualquer parte do Planeta, como fazemos agora, ou optarão por viagens mais ousadas e infinitamente mais longas, hoje impossíveis, para alhures, para algum  remoto planeta além do Sistema Solar? Isso, hoje, está muito além da imaginação. Assim como nossos hábitos atuais estariam, ressalte-se, para nossos ancestrais, caso ressuscitassem e vissem como nos comportamos hoje. Enfim..

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Monday, December 30, 2013

Uma das buscas mais complicadas e frustrantes, que empreendemos (e que nem todos empreendem) é a do autoconhecimento. Raros são os que se conhecem de fato, e que não se surpreendem, algum dia, cometendo atos que julgavam que jamais cometeriam. Tenho visto pessoas, aparentemente equilibradas e sensatas, que levam toda uma vida de conduta exemplar, e que, em determinado momento de irreflexão, cometem alguma atrocidade que causa pasmo nos que achavam que as conheciam. Nossas ações são ditadas não apenas pela razão, mas também pelas emoções e instintos, quase sempre inacessíveis e incontroláveis. Discordo, porém, de Fernando Pessoa quando escreve: “Pertenço a horas crisântemo, nítidas em alongamentos de jarros. Deus fez da minha alma uma coisa decorativa”. Essa nossa essência imaterial e transcendental está longe de ser mera peça de decoração. É, isto sim, o motor que rege todo nosso querer e fazer.


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Antagonismo latente


Pedro J. Bondaczuk

O relacionamento entre as superpotências, embora tenha melhorado muitíssimo nos últimos quatro anos, desde a ascensão de Mikhail Gorbachev à chefia do Cremlin, ainda é marcado por contradições, desconfianças e pela conservação da estúpida doutrina conhecida como “equilíbrio do medo” em termos populares e que oficialmente tem a denominação de “Mutual Assured Destruction” (“Destruição Mútua Assegurada”).

Enquanto Washington e Moscou firmaram um pacto para a destruição de toda uma linha de mísseis nucleares (os de média distância) e negociam a eliminação de outros armamentos dessa espécie, os dois lados seguem pesquisando e testando artefatos cada vez mais caros e destruidores para substituir os eliminados.

Outro ponto de atrito é o Afeganistão. Quando os soviéticos invadiram esse país, pouco depois do Natal de 1979, ele já estava há quase dois anos sob regime marxista. A invasão aconteceu, justamente, para impedir que o mesmo fosse deposto pela guerrilha muçulmana.

Portanto, não foi o Exército Vermelho que impôs esse sistema aos afegãos (embora tenha impedido a sua queda) como muitos analistas mal-informados chegaram a dizer nos últimos tempos. Os norte-americanos empenharam-se em árduas negociações para que o Cremlin decidisse retirar seus soldados de lá. Quando isso aconteceu, nenhuma das partes parou de enviar armas às facções em luta.

Deduz-se, portanto, que a preocupação das superpotências não foi com o Afeganistão e sua gente, mas com suas próprias relações bilaterais. A retirada teria ocorrido por causa do pragmatismo de Gorbachev, evitando que seus soldados continuassem sendo buchas de canhão numa guerra que não era sua (ou pelo menos nunca deveria ter sido) e, de quebra, com a vantagem de eliminar um sério ponto de atrito com os Estados Unidos.

As contradições dos dois gigantes mundiais não param por aí. Estendem-se ao campo da espionagem, de algumas manifestações de desconfiança mútua e de temores recíprocos que somente o tempo irá mostrar se são fundados ou não.

Muita coisa, portanto, continua sendo igual aos tempos da famigerada guerra fria. É como diz o surrado ditado: “O uso do cachimbo é que faz a boca ficar torta”. Que tal se as superpotências, num rasgo de grandeza, deixassem que os afegãos decidissem suas próprias pendências ao redor de uma mesa de negociações? Afinal, a democracia que ambos tanto apregoam não seria, também, isto?

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 9 de agosto de 1989)


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Fenômenos da modernidade

Pedro J. Bondaczuk

A disseminação da prática de esportes em suas dezenas de modalidades e, sobretudo, sua popularização é, fundamentalmente, uma característica da chamada modernidade. Isso não quer dizer que em tempos mais remotos eles não fossem praticados. Foram. Todavia, nem de longe alcançaram a popularidade que gozam hoje e nem despertaram as paixões que despertam em nossos dias. Eram coisa para poucos, para atletas com físico privilegiado e, principalmente, como uma espécie de adestramento militar. A origem dessas práticas, em termos competitivos, é impossível de ser determinada com precisão. Mas há farta referência textual aos esportes em relatos dos principais historiadores.

Basta remontar, por exemplo, à Grécia Antiga, notadamente a Esparta, caracterizada pelo culto ao físico, não raro, até, em detrimento da mente. Ademais, é até redundante e desnecessário mencionar a origem e o desenvolvimento dos Jogos Olímpicos, por se tratar de conhecimento praticamente generalizado. Os romanos, também, foram exímios esportistas, embora as modalidades praticadas em seu tempo fossem de tal sorte violentas, que hoje são consideradas bárbaras e ninguém se atreve a promover competições do tipo.

Roma teve, inclusive, um campeão olímpico, e dos mais célebres. Foi seu imperador Nero (chamado, quando assumiu o comando do império da maior e mais poderosa superpotência do passado, entre as maiores de todos os tempos, de Nero Claudius Caesar Augustus Germanicus, mas cujo nome original, dado por seus pais, foi Lucius Domitius Aenobarbus). Ele participou das Olimpíadas de 67 a.D. e os cronistas da época afirmam que essa participação teve fins políticos, mais especificamente, diplomáticos. Não vejo razão para não se dar crédito aos seus contemporâneos. A intenção de Nero, conforme essas fontes, foi a de buscar uma aproximação com a Grécia, submetida ao Império Romano, além, claro, de mostrar aos gregos e aos demais povos o que entendia ser a “superioridade” do seu povo, inclusive em termos de competitividade.

Várias testemunhas do evento relataram que o imperador não era lá essas coisas, nem como atleta e nem mesmo como artista (os jogos de então tinham, também, características artísticas, com provas de canto e de declamação). Há quem diga que, por questão de antipatia pessoal e oposição política, esses cronistas deturparam a imagem de Nero, pintando-o como ridículo e caricato, quando não “louco”, já que ele conquistou todas as coroas de louro em disputa (eram as “medalhas” de então), que fez questão de exibir, com grande pompa, nas ruas e praças de Roma. Todavia, essas testemunhas voltam à carga e garantem que ele só ganhou as provas em que participou dada sua condição de imperador e alguns vão ao extremo de garantir que ele subornou os juízes.

Para provar que Nero, como atleta, era medíocre, citam seu desempenho em uma das principais modalidades. Na corrida de carros com dez cavalos ele perdeu o controle do veículo e sofreu espetacular queda, que quase causou sua morte. Mas pelo menos em um quesito ele mereceu a máxima láurea: no de sorte. A despeito da queda, potencialmente mortal, Nero sofreu, apenas, alguns arranhões (inclusive em sua exacerbada vaidade), sem maiores conseqüências. Como se vê, em tempos tão remotos, já havia esportes e, também, quem escrevesse a respeito, destacando heróis e vilões, como acontece hoje (guardadas, claro, as devidas proporções). Só não se sabe se ambos eram reais ou forjados. É questão de acreditar ou não nos relatos, não há outro jeito.

Todavia, as modalidades que hoje estão entre as mais populares do mundo foram criadas, apenas, no século XVIII (algumas) e principalmente no século XIX. Um exemplo? O basquete, no qual os Estados Unidos detém absoluta hegemonia. Pudera, foram seus criadores! Seu “inventor” foi James Naismith, professor de Educação Física da Associação Cristã de Moços de Springfield (não confundir com a cidade do mesmo nome do seriado televisivo “Os Simpsons”), no Estado de Massachusetts. O ano de criação foi 1891, embora a primeira competição tenha ocorrido em 20 de janeiro (data do meu aniversário) de 1892. Pitoresco foi o placar registrado, quando se sabe que os escores dessa modalidade se caracterizam por contagens centenárias: foi de 5 a 1 para o quinteto vencedor.

 Já o beisebol, o esporte disparadamente o mais popular nos Estados Unidos, não teve origem nesse país, como muitos supõem, e é um pouquinho mais antigo. A modalidade, do jeito que é praticada hoje, surgiu no Reino Unido, mais especificamente na Inglaterra e na Irlanda, provavelmente em 1744. Foi levada para a terra de Tio Sam por imigrantes. A primeira partida “oficial” nos EUA – pelo menos a primeira menção escrita a essa disputa – teria acontecido em 1791 (embora não haja referências ao mês e ao dia) em Pittsfield, também no Estado de Massachusetts.

Já o futebol americano – ou simplesmente futebol, já que o que conhecemos e praticamos no Brasil com esse nome, lá é conhecido como “soccer” e é considerado jogo tipicamente feminino – a segunda modalidade mais popular dos Estados Unidos (abaixo do beisebol e acima do basquete), surgiu em 1867. Trata-se de uma derivação do “rugby”, com regras próprias e características. Originou-se de uma série de três jogos entre duas universidades esportivamente rivais, Harvard e Yale, que foram disputados na localidade de Mackenzie.

Outras tantas modalidades esportivas, entre as quais o futebol, que hoje é, disparadamente, a que mais interesse desperta, que movimenta mais dinheiro e que provoca mais e extremadas paixões mundo afora, foram criadas ou em final do século XVIII ou ao longo do século XIX. Isso comprova minha afirmação inicial que os esportes, como conhecemos hoje, e como são praticados neste início do terceiro milênio da era cristã, são fenômenos da chamada “modernidade”. Tentarei, na sequência, detectar ou apurar a razão (ou razões) dessa “explosão” de invenções.


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Sunday, December 29, 2013

Nenhum de nós (é óbvio) aceita fracassos e nem se conforma com eles. Isso é saudável e absolutamente normal. Mas todos os que empreendem alguma obra, seja de que tamanho ou natureza for, precisam ter em mente a possibilidade do insucesso. Esse é um risco do qual os empreendedores não têm como fugir. Não raro, o que, sob qualquer lógica, aparentemente não tem como fracassar, acaba, por causa de algum imprevisto, fracassando. Trata-se de uma realidade da vida. Porém, caso me sobrevenha o fracasso, em algum dos empreendimentos aos quais me dedico, prefiro que seja numa obra grandiosa, daquelas que pouquíssimas pessoas têm capacidade de realizar. Fracassar nas pequenas coisas considero mais humilhante, por mostrar que minha incapacidade é maior do que eu pensava. Por isso, concordo com Machado de Assis, quando escreve: “Prefiro cair do céu a cair de um prédio de dois andares”. É questão de ponto de vista.


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Agenda carregada

Pedro J. Bondaczuk

A agenda política do Congresso --- que reinicia as atividades após o recesso de fim de ano e a convocação extraordinária de janeiro --- está repleta de temas importantíssimos. Principalmente no que se refere às reformas do Estado brasileiro.

Vencida a primeira batalha na Câmara, a emenda da reeleição deixa de polarizar todas as atenções. Não era sem tempo. Há questões muito mais relevantes e urgentes do que esta no aguardo de definições. Mas a vida política nacional não gira apenas em torno do Poder Legislativo. E nem só do Palácio do Planalto.

Alguns assuntos estão destinados a ocupar as manchetes com grande freqüência no correr deste ano. Um é a saúde, cujo ministro, Carlos Albuquerque, será certamente muito cobrado, agora que conta com uma fonte de recursos (embora provisória), que é o novo imposto do cheque, para adotar medidas que permitam um tratamento minimamente decente à maioria da população carente.

A educação também será tema de análises e debates, em especial por causa das novidades que vêm por aí (o "provão" do segundo grau, por exemplo) e em decorrência da nova Lei de Diretrizes e Bases. Quanto à segurança pública, certamente não faltarão cobranças. Todos estão fartos da violência, venha de onde vier.

Mas o assunto predominante será a questão agrária. Há tempos o País requer uma reforma nesse setor, protelada por sucessivos governos, que lançaram mão de medidas paliativas que nada resolveram. Alguns simplesmente ignoraram os latifúndios improdutivos e o êxodo dos homens do campo para as cidades e nada fizeram.

Milhares de famílias perambulam hoje por este vasto território, acampando às margens de rodovias e eventualmente invadindo uma ou outra fazenda, para serem invariavelmente expulsas após a justiça determinar reintegração de posse aos proprietários. Esse clima de confronto é péssimo para todas as partes.

O Congresso dotou, no ano passado, o governo do instrumental para uma reforma agrária profunda, justa, racional, e rápida, ao aprovar o rito sumário nas desapropriações e outras medidas legais. Resta que este passe a agir, com tirocínio e imparcialidade.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra culpa as autoridades do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) de lentidão no processo de assentamento e de superestimação do número de famílias assentadas.

Em alguns lugares do País --- como o sul do Pará, o Rio Grande do Sul e a região do Pontal do Paranapanema, em São Paulo --- o clima entre agricultores e fazendeiros é de guerra ostensiva.

Os dois lados se armam e se preparam para um confronto de resultados certamente nefastos, levando o ministro da Justiça, Nelson Jobim, a elaborar um plano de desarmamento no campo. Mas não é de conflitos e revoluções que o Brasil precisa. Uma reforma agrária ampla, abrangente, competente, dentro da lei e que reintegre milhões de brasileiros à vida nacional, é a solução que se impõe. A única.



(Texto escrito em 17 de fevereiro de 1997 e publicado como editorial na Folha do Taquaral)

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Esportes e literatura

Pedro J. Bondaczuk

Os esportes, em geral, e o futebol, em particular, constituem-se em riquíssimo filão temático para escritores de todas as tendências e lugares. Público para consumir esse tipo de produto há em profusão. São raríssimas as pessoas que não se ligam, de uma forma ou de outra, pelo menos como apreciadoras, a alguma modalidade esportiva das tantas que são praticadas mundo afora. A mídia destina espaços enormes à divulgação de clubes, atletas e competições e o faz não gratuitamente. Conta com farto patrocínio para tal, o que sustenta a maioria dessas empresas. Os esportes são, pois, uma atividade altamente lucrativa. O gosto por eles é uma das tantas características do que chamamos genericamente de “modernidade”.

Os gostos variam, embora haja espaço para praticamente todas as modalidades. E volta e meia surgem novas, que acabam por conquistar, também, praticantes e principalmente simples (não raro fanáticos) apreciadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, as preferências recaem, basicamente, sobre o beisebol, o futebol americano e o basquete, nesta ordem, embora haja espaço para tantas outras. Em países como a Nova Zelândia, a Austrália e a África do Sul, o esporte mais popular e mais “consumido” é o rugby, que superlota estádios e erige ídolos. Alguns, como ocorre em todos os esportes, findam por ser alçados à categoria de mitos por suas habilidades, façanhas e carisma. No Japão, são as artes marciais que predominam. E a relação de modalidades e de preferências se multiplica exponencialmente. Aqui sequer estou tratando da importância da prática esportiva para a saúde. Deixo isso apenas implícito, por ser o óbvio dos óbvios.

A lógica indica, portanto, que livros abordando personagens e circunstâncias dos esportes deveriam ser garantia de sucesso. Opções é que não faltam. Assunto muito menos. Tempos atrás, queixei-me, por exemplo, que o futebol, paixão nacional dos brasileiros, era raríssimamente abordado por nossos escritores. Equivoquei-me. Livros a propósito há em profusão. O que falta é a devida divulgação. Por razões que nada têm a ver com literatura – como qualidade e correção dos textos, estilo e tudo o mais que caracteriza a atividade literária – as obras tendo os esportes por tema, não têm o sucesso que o seu potencial de vendas sugere que devesse ter.

Os vários livros publicados sobre o tema dificilmente esgotam uma única edição. Não raro, encalham nas prateleiras das livrarias sem que o leitor sequer desconfie que eles existem. Por que isso acontece, se há tamanho potencial? Porque, reitero. o que conta mesmo para que qualquer trabalho literário se torne best-seller é, fundamentalmente, o mesmo fator que importa para que qualquer produto, essencial ou não às pessoas, venda o que seus produtores esperam: a divulgação. E nesse quesito, infelizmente, pelo menos no Brasil (não sei a realidade de outros países nesse aspecto, mas presumo que o problema, guardadas as proporções e salvo exceções, seja o mesmo ou parecido), ela deixa muito a desejar.

Antes de tratar, em detalhes, do assunto a que me proponho, ou seja, o do esporte na literatura (o que farei nos próximos dias) permitam-me fazer breve parêntese para tratar da importância desse objeto que considero tão essencial para a nossa vida, enquanto seres civilizados, quanto o alimento, as vestimentas,  a moradia etc.etc.etc. Vocês, certamente, já intuíram sobre a o que me refiro. E muitos, a priori, já devem estar achando que é exagero da minha parte. Não é!

O livro ainda é tratado, apenas, como mero produto industrial, que, de fato, é. Diria: que “também” é. Isso, se encararmos, apenas, o aspecto da sua produção. Todavia, ele tem característica peculiaríssima em relação á maioria de tantos e tantos outros bens produzidos. Classifico o livro como item essencial de uma sociedade minimamente civilizada. Deveria ser imprescindível na casa e na vida de toda e qualquer pessoa. Trata-se de meio de informação e formação intelectual básico, primário e indispensável. Ninguém aprende a ler sem ele.

O iletrado, no mundo contemporâneo, não tem futuro. Não aspira e nem pode aspirar nenhum tipo de ascensão social e muito menos econômica. É, e sempre será, enquanto mantiver a condição de analfabeto, um subalterno, cuja única ocupação que poderá exercer será a que exija somente força dos músculos. Isso se a tiver. Caso não tenha... estará frito! Será peso morto para a família e para a sociedade. Considero, pois, o livro indispensável, tanto quanto a comida, pois, como esta, é, também, “alimento” para o ser humano, posto que não para o corpo, mas para o espírito. Por sua importância, o acesso a ele deveria ser não apenas incentivado, mas, sobretudo, facilitado. Teria que ser subsidiado pelo poder público e não ser, como é hoje, privilégio de poucos. Voltarei, certamente, ao assunto.


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Saturday, December 28, 2013

O que chamamos de “realidade”, nem sempre é geral e muito menos consensual. E, raramente, ela é aleatória. Ou seja, dificilmente ocorre por acaso. Quase sempre tem nossa interferência pessoal, nossa forma de ser e de reagir diante de determinado fato ou acontecimento. O que é realidade para mim, não o é para bilhões de pessoas ao redor do mundo. Elas não vivem a mesma circunstância que vivo e sequer tomam ciência do que para mim é tão importante (e, às vezes, decisivo). A não ser que ocorra uma catástrofe planetária, como o choque de um cometa ou de um asteróide com a Terra, minha “realidade” é limitada ao espaço em que estou. Pode ser, também, a de várias outras pessoas, atingidas pelo mesmo fato, mas não será a de “todas” do Planeta. Portanto, o que é real para mim, pode não passar de fantasia para outros. Por isso, concordo com Fernando Pessoa, quando conclui: “Manufaturamos realidades”. E a todo o instante.


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Cordilheira de discórdias

Pedro J. Bondaczuk

As indisfarçáveis e profundas desavenças regionais, na sua maior parte motivadas por disputas de fronteiras, no continente da América do Sul, começam, aos poucos, finalmente a vir à tona. Durante muitos anos, apenas a ponta desse "iceberg" de discórdias aflorou à superfície. Propagou-se, amiúde, nos diversos meios de comunicação sul-americanos, uma fictícia união continental, que na verdade jamais existiu.

O atual e lamentável conflito armado entre o Peru e o Equador, por causa de uma inóspita faixa de montanhas, de cerca de 80 quilômetros de extensão, na Cordilheira do Condor, é apenas um dos vários casos de antagonismos que dividem esta atrasada área mundial. Existem muitas outras questões pendentes, de natureza idêntica a essa, espalhadas pelo continente. Isso faz os observadores preverem futuros e dolorosos confrontos entre países vizinhos que, por causa da similitude dos seus problemas econômicos e sociais, deveriam se unir na busca de um ideal comum.

A Bolívia, por exemplo, mantém uma velha pendência com o Chile, em torno da cidade litorânea de Arica. A sua conquista daria aos bolivianos a tão sonhada saída para o Oceano Pacífico. Com isso aquele país montanhoso perderia o seu caráter insular e não dependeria dos outros vizinhos para escoar para o Exterior os seus preciosos minérios --- razão de ser de sua sobrevivência econômica --- em especial o estanho e o cobre.

No extremo Norte do continente, duas outras Repúblicas, das chamadas "Bolivarianas" --- cuja independência foi obtida graças à coragem e persistência do "Libertador" Simón Bolívar --- brigam há anos por uma pequena faixa de terra. São a Colômbia e a Venezuela, que quase chegaram a um rompimento de relações diplomáticas, no ano passado, por causa de Punta Galina e de parte do Golfo de Maracaibo, dois territórios riquíssimos em petróleo. Mesmo atualmente, os seus contatos não são tão amistosos quanto ambos os governos procuram aparentar.

Os venezuelanos, além disso, também têm uma disputa com a República da Guiana, por um extenso pedaço da selva amazônica. Ela foi, inclusive, responsável, no ano passado, por alguns tiroteios nos postos fronteiriços de ambos os países.

Mas as diferenças territoriais não se restringem apenas à conturbada e pobre zona andina. No extremo Sul da América, há muitos anos, Argentina e Chile brigam renhidamente pela posse do Canal de Beagle e três pequenas e inóspitas ilhotas no Oceano Atlântico. Em 1978, por exemplo, os dois vizinhos chegaram muito perto de uma guerra total, que seria desastrosa para ambos. Mesmo com a intervenção papal na disputa, o assunto promete se arrastar por muitos anos e opor até --- com maior seriedade --- chilenos e argentinos num conflito que só trará desvantagens para eles.

A conseqüência mais imediata da atual e insensata guerra fronteiriça entre Peru e Equador na Cordilheira do Condor será --- quase com certeza --- a morte do Pacto Andino. As duas Repúblicas litigantes pertencem a esse fracassado organismo regional. Depois das trocas de tiros ocorridas no final do mês passado, entre tropas peruanas e equatorianas, dificilmente representantes de ambos os regimes poderão se reunir com seus outros supostos três parceiros daquele órgão, para batalharem por objetivos comuns. O sangue das cem vítimas do conflito, certamente, os separará por muito tempo. Como a reivindicação por Punta Galina e Maracaibo manterá também afastadas a Venezuela e a Colômbia. Como o regime militar boliviano --- não reconhecido por nenhum dos seus parceiros do Pacto --- continuará servindo de barreira à tentativa integracionista regional. E como tantos outros obstáculos --- não revelados em público --- passados ou presentes, seguirão dividindo as forças dessas frágeis "democracias", impedindo que através da união de esforços elas venham a ter um razoável poder de barganha ante o mundo dos desenvolvidos.

Nessa disputa pela Cordilheira do Condor não importa com quem esteja a razão. Ambos perderam-na, quando jogaram a última pá de terra no falecido Pacto Andino. E este selou fragorosamente o seu rotundo fracasso quando, nos onze anos de existência, não conseguiu, ao menos, predispor seus membros a resolverem as suas pendências territoriais pelos civilizados meios diplomáticos.

(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 5 de fevereiro de 1981)


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