Tarefa
de gigante
Pedro J. Bondaczuk
O inglês Samuel Johnson afirmou,
certa feita, que “é preciso folhear meia biblioteca para fazer um livro”.
Estava certo? Exagerou? Depende. Conheço
quem não tenha lido quase nada e ainda assim conseguiu publicar um livro. Se
vendeu ou não, são outros quinhentos. Muitos dos que são publicados e vendidos
por aí são de qualidade para lá de medíocre, na verdade sofrível, que quer pela
forma ou quer, principalmente, pelo conteúdo, não justificam o abate da árvore
com que se fez o papel em que foram impressos. Contudo... são publicados.
Se há algo que há muito me
intriga, e que me tem despertado crescente curiosidade, é tentar saber como
maus escritores – que na verdade nem merecem essa designação de tão ruins que
são – que não dizem coisa com coisa, conseguem
editoras que publiquem as baboseiras que escrevem e que nem mesmo são edições
bancadas do próprio bolso. Como pode?! Não entendo! Entendo menos ainda o fato
de intelectuais reconhecidamente excelentes, redatores exímios, corretos,
criativos e comunicativos, com prestígio na praça – como, por exemplo, bons
cronistas de jornais, revistas ou mesmo de blogs da internet – baterem com o
nariz na porta toda vez que procuram editar seus livros. Qual o critério (se há
algum) adotado para definir o que deve e o que não dever ser publicado? Quem o
define? Qual a qualificação desse definidor?
Todavia, entendo o que Samuel
Johnson quis dizer. Referiu-se, ao fazer a citada declaração, aos “bons
livros”. Aos de conteúdo, que acrescentam alguma coisa útil na vida do leitor
em termos de conhecimento, ou de experiência ou de ambos. Até porque, ele
próprio foi excelente escritor. Hoje, é fato, anda um tanto esquecido e pouca
gente pode dizer que já leu alguma de suas obras. Mas no século em que viveu, o
XVIII (nasceu em 7 de setembro de 1709 e morreu em 13 de dezembro de 1784),
gozou de merecido prestígio. Era homem erudito (chegou a fundar uma escola, que
faliu, por ele não ter tino comercial para administrar o negócio) e tinha
experiência em comunicação, porquanto foi, também, jornalista.
A indústria editorial na ocasião
era incipiente, em termos de tecnologia. Imprimir o que quer que fosse era um
processo complicado e caro. Os editores de então tinham (pelo menos é o que
parece) critério na definição do que deveriam publicar, caso tivessem que
bancar a publicação, para depois tentar recuperar o investimento com vendas. E
qualidade contava muito nestes casos. Aliás, era fator determinante. Isso não
quer dizer que acertavam sempre. Ninguém, em atividade alguma, consegue índice
de cem por cento de acerto. Bem, talvez esse “ninguém” seja um pouco forte.
Troquemo-lo por “raros”.
Samuel Johnson publicou, em 1759,
um romance que fez muito sucesso. Não só trouxe retorno e lucros ao editor,
como a ele próprio. Trata-se do livro “A história de Rasselas, príncipe da Abissínia”.
Confesso que não o li, pois não o encontrei em nenhum dos tantos sebos que
consulto com freqüência na garimpagem de obras raras. Considerando, porém, sua
cultura e a influência que teve no seu tempo (fundou um clube literário que
contou com o concurso de nomes famosos, como o de Edmund Burke, por exemplo),
ponho minha mão no fogo pela qualidade desse romance. Com o providencial
auxílio da internet, tenho convicção plena de que ainda o lerei.
O que considero pitoresco, em
relação a essa história (que, reitero, no século XVIII foi grande sucesso editorial) é que, ao
escrevê-la, Johnson desmentiu sua tese de que para se escrever um livro é
necessário folhear meia biblioteca. Não agiu assim nesse caso. Sabe-se que a
redigiu não em meses, como seria de se supor, se tivesse que consultar tantas
fontes, mas fê-lo em menos de uma semana! Isso me lembra o romancista português
Camilo Castelo Branco, que vivia atolado em dívidas, principalmente por causa
de suas tantas aventuras amorosas (diria trapalhadas) que, para satisfazer um
poderoso credor, escreveu um romance inteiro (não me recordo qual) em apenas
uma madrugada. Isso, caso seja verídico, é exceção, e das mais raras.
Por melhor leitor que Johnson
fosse, portanto, não conseguiria ler tantos livros (equivalente a meia
biblioteca), e ainda redigir o seu, em espaço de tempo tão curto. Por isso
tenho extrema cautela com declarações absolutas, que não admitam exceções.
Manda a prudência que deixemos em “quase” tudo espaço para dúvida. E por que
esse “quase”? Ora, ora, ora, caro leitor, está na cara!
De qualquer forma, considero a
redação de um livro “tarefa de gigante”. Óbvio que me refiro aos bons, aos que
requerem, antes e acima de tudo, pleno conhecimento de causa, total domínio do
tema a desenvolver e competência para fazê-lo. E, claro, outro extenso elenco
de virtudes, como talento, domínio gramatical, criatividade, capacidade de
comunicação, exatidão nas informações prestadas e vai por aí afora. Não chego
ao extremo que Samuel Johnson chegou, ao afirmar que para tanto se faz
indispensável folhear meia biblioteca. Mas sei, por experiência própria, que
para se tornar bom escritor, além de contar com as características que
mencionei, é preciso ser, antes e acima de tudo, excelente leitor. Sem leitura,
não se consegue ir muito longe nessa atividade. Não, pelo menos, com um mínimo
de qualidade.
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