Thursday, July 18, 2013

Tarefa de gigante

Pedro J. Bondaczuk

O inglês Samuel Johnson afirmou, certa feita, que “é preciso folhear meia biblioteca para fazer um livro”. Estava certo? Exagerou? Depende.  Conheço quem não tenha lido quase nada e ainda assim conseguiu publicar um livro. Se vendeu ou não, são outros quinhentos. Muitos dos que são publicados e vendidos por aí são de qualidade para lá de medíocre, na verdade sofrível, que quer pela forma ou quer, principalmente, pelo conteúdo, não justificam o abate da árvore com que se fez o papel em que foram impressos. Contudo... são publicados.

Se há algo que há muito me intriga, e que me tem despertado crescente curiosidade, é tentar saber como maus escritores – que na verdade nem merecem essa designação de tão ruins que são –  que não dizem coisa com coisa, conseguem editoras que publiquem as baboseiras que escrevem e que nem mesmo são edições bancadas do próprio bolso. Como pode?! Não entendo! Entendo menos ainda o fato de intelectuais reconhecidamente excelentes, redatores exímios, corretos, criativos e comunicativos, com prestígio na praça – como, por exemplo, bons cronistas de jornais, revistas ou mesmo de blogs da internet – baterem com o nariz na porta toda vez que procuram editar seus livros. Qual o critério (se há algum) adotado para definir o que deve e o que não dever ser publicado? Quem o define? Qual a qualificação desse definidor?

Todavia, entendo o que Samuel Johnson quis dizer. Referiu-se, ao fazer a citada declaração, aos “bons livros”. Aos de conteúdo, que acrescentam alguma coisa útil na vida do leitor em termos de conhecimento, ou de experiência ou de ambos. Até porque, ele próprio foi excelente escritor. Hoje, é fato, anda um tanto esquecido e pouca gente pode dizer que já leu alguma de suas obras. Mas no século em que viveu, o XVIII (nasceu em 7 de setembro de 1709 e morreu em 13 de dezembro de 1784), gozou de merecido prestígio. Era homem erudito (chegou a fundar uma escola, que faliu, por ele não ter tino comercial para administrar o negócio) e tinha experiência em comunicação, porquanto foi, também, jornalista.

A indústria editorial na ocasião era incipiente, em termos de tecnologia. Imprimir o que quer que fosse era um processo complicado e caro. Os editores de então tinham (pelo menos é o que parece) critério na definição do que deveriam publicar, caso tivessem que bancar a publicação, para depois tentar recuperar o investimento com vendas. E qualidade contava muito nestes casos. Aliás, era fator determinante. Isso não quer dizer que acertavam sempre. Ninguém, em atividade alguma, consegue índice de cem por cento de acerto. Bem, talvez esse “ninguém” seja um pouco forte. Troquemo-lo por “raros”.

Samuel Johnson publicou, em 1759, um romance que fez muito sucesso. Não só trouxe retorno e lucros ao editor, como a ele próprio. Trata-se do livro “A história de Rasselas, príncipe da Abissínia”. Confesso que não o li, pois não o encontrei em nenhum dos tantos sebos que consulto com freqüência na garimpagem de obras raras. Considerando, porém, sua cultura e a influência que teve no seu tempo (fundou um clube literário que contou com o concurso de nomes famosos, como o de Edmund Burke, por exemplo), ponho minha mão no fogo pela qualidade desse romance. Com o providencial auxílio da internet, tenho convicção plena de que ainda o lerei.

O que considero pitoresco, em relação a essa história (que, reitero, no século XVIII foi  grande sucesso editorial) é que, ao escrevê-la, Johnson desmentiu sua tese de que para se escrever um livro é necessário folhear meia biblioteca. Não agiu assim nesse caso. Sabe-se que a redigiu não em meses, como seria de se supor, se tivesse que consultar tantas fontes, mas fê-lo em menos de uma semana! Isso me lembra o romancista português Camilo Castelo Branco, que vivia atolado em dívidas, principalmente por causa de suas tantas aventuras amorosas (diria trapalhadas) que, para satisfazer um poderoso credor, escreveu um romance inteiro (não me recordo qual) em apenas uma madrugada. Isso, caso seja verídico, é exceção, e das mais raras.

Por melhor leitor que Johnson fosse, portanto, não conseguiria ler tantos livros (equivalente a meia biblioteca), e ainda redigir o seu, em espaço de tempo tão curto. Por isso tenho extrema cautela com declarações absolutas, que não admitam exceções. Manda a prudência que deixemos em “quase” tudo espaço para dúvida. E por que esse “quase”? Ora, ora, ora, caro leitor, está na cara!

De qualquer forma, considero a redação de um livro “tarefa de gigante”. Óbvio que me refiro aos bons, aos que requerem, antes e acima de tudo, pleno conhecimento de causa, total domínio do tema a desenvolver e competência para fazê-lo. E, claro, outro extenso elenco de virtudes, como talento, domínio gramatical, criatividade, capacidade de comunicação, exatidão nas informações prestadas e vai por aí afora. Não chego ao extremo que Samuel Johnson chegou, ao afirmar que para tanto se faz indispensável folhear meia biblioteca. Mas sei, por experiência própria, que para se tornar bom escritor, além de contar com as características que mencionei, é preciso ser, antes e acima de tudo, excelente leitor. Sem leitura, não se consegue ir muito longe nessa atividade. Não, pelo menos, com um mínimo de qualidade.


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