Treze
anos de estado de exceção
Pedro J. Bondaczuk
O general Augusto Pinochet, ao que tudo indica, está
se preparando para postular mais um período no poder, de oito anos de duração.
Caso tenha sucesso, isso fará com que o Chile conviva com seu regime atual até
vésperas do próximo milênio. Aliás, essa possibilidade já havia sido levantada
em 1980, quando da realização do controvertido plebiscito, que teria aprovado
por unanimidade o atual documento político que rege o país, impropriamente
chamado de Constituição.
O que é um tanto contestável, todavia, diante do
novo quadro institucional existente na América do Sul a partir de 1983, é se o
povo chileno irá permitir o prolongamento desse governo até lá. As
manifestações populares, reivindicando a redemocratização, sucedem-se, uma após
outra, desde praticamente a posse desse general, prestes a completar 70 anos de
idade, que virtualmente governou o Chile todo esse período com o recurso de
instrumentos de exceção.
O estado de sítio tem sido renovado com uma
freqüência monótona, isso a cada três meses. Inúmeros planos de abertura
política têm sido apresentados ao general Pinochet pelos mais heterogêneos
setores nacionais. O último deles, inclusive, envolveu a Igreja, na pessoa do
cardeal Juan Francisco Fresno.
Distúrbios cada vez mais graves têm se repetido,
registrando sempre elevadas cifras de mortos, feridos e prisioneiros. A toda
essa manifestação de desagrado, o regime vem respondendo olimpicamente, apenas,
com mais repressão. E agora, para culminar, vem a ameaça maior de todas. Ao que
tudo indica, o general Pinochet deve, mesmo, postular outros oito anos no
poder!
Segundo observadores puderam depreender daquilo que
os parlamentares, que participaram, no mês passado, de um congresso realizado
em Santiago, viram, a situação naquele país é extremamente tensa. Chega a
beirar uma confrontação civil, o que, se viesse a acontecer, seria um fato para
se lamentar. Sempre é. Veja-se o que ocorre no Líbano para entender o motivo.
A polícia vem procedendo a batidas periódicas em
bairros operários que circundam Santiago. Nessas operações, que constituem
gritantes violações aos direitos humanos, os barracos são invadidos, todos os
moradores são colocados em fila e seus antecedentes são minuciosamente
verificados.
Para não haver dúvidas sobre a inspeção, os que são
submetidos a tais vexames, passam por outro ainda maior. Recebem um sinal, que
permanece no corpo por muitos dias, feito com uma tinta especial, para que a
polícia não volte "a perder tempo" com eles. Os suspeitos ou aqueles
que não tenham documentos em ordem, são conduzidos a delegacias e
exaustivamente interrogados.
Com isso, instituiu-se, no Chile, um postulado
jurídico às avessas. Segundo preceitua o Direito, todo o cidadão é inocente,
até que alguém consiga provar o contrário. Mas a população mais humilde desse
país precisa provar a todo o custo a inocência para se livrar de culpas,
verdadeiras ou hipotéticas.
A Igreja Católica, através do cardeal Juan Francisco
Fresno, insurgiu-se contra essa prática e manifestou seu desagrado ao governo.
Tudo, porém, foi inútil. As batidas continuam, com uma freqüência desoladora,
demonstrando o caráter repressor do regime (como se fosse preciso mostrar mais
alguma coisa nesse sentido), após o retrospecto desses últimos treze anos.
Aos chilenos, ao que parece, só resta mesmo o
recurso escolhido pelos grupos oposicionistas mais moderados: o da
desobediência civil, firme, decidida, corajosa, embora sem violências. Os
caminhos da negociação estão ficando perigosamente esgotados. Sempre que se
apresenta qualquer plano de reconciliação nacional, o governo faz ouvidos
moucos a eles, sequer recebendo os líderes da oposição. Apesar de tudo, a
sonhada liberdade só poderá vir através desse meio. E um dia virá, estejam
certos os chilenos.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11 de junho de
1986)
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