Friday, July 05, 2013

Direto do Arquivo

Treze anos de estado de exceção


Pedro J. Bondaczuk
  
O general Augusto Pinochet, ao que tudo indica, está se preparando para postular mais um período no poder, de oito anos de duração. Caso tenha sucesso, isso fará com que o Chile conviva com seu regime atual até vésperas do próximo milênio. Aliás, essa possibilidade já havia sido levantada em 1980, quando da realização do controvertido plebiscito, que teria aprovado por unanimidade o atual documento político que rege o país, impropriamente chamado de Constituição.

O que é um tanto contestável, todavia, diante do novo quadro institucional existente na América do Sul a partir de 1983, é se o povo chileno irá permitir o prolongamento desse governo até lá. As manifestações populares, reivindicando a redemocratização, sucedem-se, uma após outra, desde praticamente a posse desse general, prestes a completar 70 anos de idade, que virtualmente governou o Chile todo esse período com o recurso de instrumentos de exceção.

O estado de sítio tem sido renovado com uma freqüência monótona, isso a cada três meses. Inúmeros planos de abertura política têm sido apresentados ao general Pinochet pelos mais heterogêneos setores nacionais. O último deles, inclusive, envolveu a Igreja, na pessoa do cardeal Juan Francisco Fresno.

Distúrbios cada vez mais graves têm se repetido, registrando sempre elevadas cifras de mortos, feridos e prisioneiros. A toda essa manifestação de desagrado, o regime vem respondendo olimpicamente, apenas, com mais repressão. E agora, para culminar, vem a ameaça maior de todas. Ao que tudo indica, o general Pinochet deve, mesmo, postular outros oito anos no poder!

Segundo observadores puderam depreender daquilo que os parlamentares, que participaram, no mês passado, de um congresso realizado em Santiago, viram, a situação naquele país é extremamente tensa. Chega a beirar uma confrontação civil, o que, se viesse a acontecer, seria um fato para se lamentar. Sempre é. Veja-se o que ocorre no Líbano para entender o motivo.

A polícia vem procedendo a batidas periódicas em bairros operários que circundam Santiago. Nessas operações, que constituem gritantes violações aos direitos humanos, os barracos são invadidos, todos os moradores são colocados em fila e seus antecedentes são minuciosamente verificados.

Para não haver dúvidas sobre a inspeção, os que são submetidos a tais vexames, passam por outro ainda maior. Recebem um sinal, que permanece no corpo por muitos dias, feito com uma tinta especial, para que a polícia não volte "a perder tempo" com eles. Os suspeitos ou aqueles que não tenham documentos em ordem, são conduzidos a delegacias e exaustivamente interrogados.

Com isso, instituiu-se, no Chile, um postulado jurídico às avessas. Segundo preceitua o Direito, todo o cidadão é inocente, até que alguém consiga provar o contrário. Mas a população mais humilde desse país precisa provar a todo o custo a inocência para se livrar de culpas, verdadeiras ou hipotéticas.

A Igreja Católica, através do cardeal Juan Francisco Fresno, insurgiu-se contra essa prática e manifestou seu desagrado ao governo. Tudo, porém, foi inútil. As batidas continuam, com uma freqüência desoladora, demonstrando o caráter repressor do regime (como se fosse preciso mostrar mais alguma coisa nesse sentido), após o retrospecto desses últimos treze anos.

Aos chilenos, ao que parece, só resta mesmo o recurso escolhido pelos grupos oposicionistas mais moderados: o da desobediência civil, firme, decidida, corajosa, embora sem violências. Os caminhos da negociação estão ficando perigosamente esgotados. Sempre que se apresenta qualquer plano de reconciliação nacional, o governo faz ouvidos moucos a eles, sequer recebendo os líderes da oposição. Apesar de tudo, a sonhada liberdade só poderá vir através desse meio. E um dia virá, estejam certos os chilenos.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 11 de junho de 1986)



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