Inflação de golpes
A Bolívia, praticamente às vésperas das eleições
presidenciais (antecipadas em um ano) a serem realizadas no dia 14 de julho
próximo, encontra-se numa encruzilhada. Sofrendo um processo hiperinflacionário
cruel e que penaliza, sobretudo, às classes menos favorecidas, vê suas taxas de
inflação, que no ano passado foram as maiores do mundo, de 2.200%, caminhando
para o dobro.
Sua miséria, que já era a maior
da América do Sul, se acentua e a sociedade se deteriora celeremente, em
conseqüência disso. Os dois maiores postulantes à sucessão de Siles Zuazo (pelo
menos os apontados pelas pesquisas de opinião como os que têm maiores chances
de vitória) são políticos experientes, posto que de extremos opostos.
Um deles, Victor Paz Estenssoro,
conseguiu uma façanha inédita na história boliviana (perto de ser repetida pelo
atual presidente), de ter completado dois mandatos, após eleito pelo voto
popular: o de 1952 a 1956 e o de 1960 a 1964. Quando iniciava o terceiro, após
vencer as eleições de maio de 1964, foi deposto, em novembro desse ano, por um
golpe militar.
O outro candidato forte é o
general da reserva Hugo Banzer Suarez, este jamais consagrado nas urnas, tendo
assumido o poder apenas após uma sublevação militar, que depôs o general Juan
José Torres, em 1971. Mas mostrou uma incrível resistência, ao conseguir
debelar pelo menos cinco tentativas de golpe, nos quase sete anos de seu
governo.
Foi um período marcado por greves, movimentos
sindicais e motins, reprimidos com a imposição do estdo de sítio em pelo menos
três oportunidades. Até que em 1978, Banzer não resistiu mais à pressão e
renunciou, em virtude de uma revolta generalizada nos quartéis, sendo
substituído por Juan Pereda Asbun, que por sua vez seria deposto quatro meses
após e sucedido por David Padilla Arancibia.
A história boliviana é toda ela
assim, marcada por instabilidade institucional. Em 160 anos de vida
independente, iniciada em 1825, conheceu 210 revoluções. Ou seja, uma média de
1,3 por ano. De 1931 até 1985, o país já teve 29 presidentes, o que equivale a
dizer, um a cada um ano e nove meses.
Como, pois, se estabelecer um
programa de governo e o colocar em prática se, mal um governo assume, já está
sendo intimado pelos militares a se afastar? Como organizar uma sociedade que
ainda não aprendeu a respeitar o direito da maioria expresso pela voz ds urnas?
Mesmo o atual presidente, que se
conseguir entregar a faixa a seu sucessor estará realizando a façanha de ser o
único, nos últimos vinte anos, a completar um mandato outorgado pelo povo,
viveu atribulações incríveis.
Em primeiro lugar, sua posse foi
adiada em dois anos, por uma sucessão de golpes, já que Zuazo foi eleito em
1980 e apenas assumiu em 1982. De então a esta data, já teve que conviver com
nove greves, três tentativas golpistas, um seqüestro (inédito, em termos
mundiais, quando passou dez horas em mãos dos seqüestradores) e pelo menos mais
cinco momentos de extrema tensão.
Isso, sem contar que, provavelmente, acabou sendo o
primeiro presidente de toda a comunidade internacional que precisou fazer uma
greve de fome para se fazer ouvido. Por tudo isso é que o pleito de 14 de julho
não está despertando nenhum entusiasmo na população.
Nos pronunciamentos dos
candidatos, não se percebe nenhum programa que possa tirar o país dessa crise
incrível que o assola. E o estado de confusão política só faz é exacerbar o
verdadeiro cós econômico, que torna a Bolívia o país com menos atrativos para
se governar. Mas, ainda assim, 72 partidos se dispuseram a obter registro,
conseguido por 64 deles. Como entender algo assim?
(Artigo publicado na página 18,
Internacional, do Correio Popular, em 19 de maio de 1985).
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