Situação de calamidade
Pedro J.
Bondaczuk
A situação econômica e social em El Salvador , que já
era de suma gravidade antes da ocorrência do devastador terremoto da semana
passada, que arrasou 75% da capital desse país, se tornou calamitosa. Sete anos
consecutivos de guerra civil causaram danos irreparáveis à população dessa
República centro-americana, lançando-a na miséria.
Conforme inúmeros relatórios de entidades internacionais,
antes do sismo, 75% dos salvadorenhos viviam abaixo das condições mínimas de
pobreza. Ou seja, mal sobreviviam, subnutridos, desasssistidos em termos de
saúde pública e entregues à própria sorte. Ou melhor, ao próprio azar, sem
poderem contar com nenhum tipo de assistência, particular ou estatal. E agora?
O que será dos habitantes desse país, o menor, em extensão territorial da
América Central e o mais populoso da região?
Outra pergunta que se impõe é:
qual a atitude que os países que apóiam o governo local, armando-o até os
dentes para combater a guerrilha, adotarão, para socorrer seus habitantes? Os
Estados Unidos, por exemplo, que se orgulhavam tanto porque El Salvador
promoveu uma eleição presidencial – que a oposição jura ter sido um jogo de
cartas marcadas – sob o seu patrocínio (claro), mesmo com uma sangrenta luta
armada em andamento (que já custou a vida de entre 50 mil a 70 mil
salvadorenhos) vão socorrer a população? Se a resposta for positiva, qual a
faixa a ser socorrida, a que apóia o governo de direita ou também os que se
opõem a ele, de armas na mão? A resposta parece mais do que óbvia.
Ademais, que tipo e em que
quantidade será essa ajuda (claro, na hipótese de que será, de fato, prestada)?
Enviará meras “migalhas” emergenciais ou dará um socorro mais amplo, amparando
e fragílima economia salvadorenha? É verdade que o “pouco” que os
norte-americanos venham a oferecer ainda é melhor do que o “nada” oferecido por
outras potências ocidentais.
El Salvador, endividado até o
pescoço com os banqueiros do Ocidente, por causa dos sucessivos empréstimos
feitos para se armar, com o objetivo de combater a guerrilha; com as
exportações dos seus três únicos produtos (café, algodão e açúcar) reduzidas à
metade; com a balança comercial crescentemente deficitária; com uma evasão dos
parcos capitais equivalente à metade do seu Produto Interno Bruto e com uma
taxa de desemprego e subemprego superior a 75% da população economicamente
ativa, estava sobrevivendo, até aqui, com os parcos US$ 350 milhões anuais da
ajuda proveniente dos Estados Unidos. E apenas com isto!
Essa quantia, evidentemente, é
uma ninharia e os mais necessitados (a maioria absoluta da população) com
certeza jamais viram e nunca verão sequer a cor desse dinheiro. Se a situação
já era tão calamitosa antes que a terra tremesse e que, “em seis segundos
trouxesse mais prejuízos que os sete anos de guerra civil” – conforme palavras
do presidente José Napoleon Duarte – agora adquire configuração de tragédia
nacional. E que tragédia!
Os prejuízos materiais causados
pelo terremoto foram estimados até aqui (bastante por baixo) em pelo menos US$
1,8 bilhão. As cifras finais, quando terminarem as tarefas de resgate e os
levantamentos dos danos causados pelo sismo, devem chegar a pelo menos o dobro
dessa quantia. Ou seja, o montante de todo o PIB salvadorenho (a riqueza gerada
por todos os seus cidadãos ao longo da sua existência).
Para complicar tudo, o conflito
armado está muito longe de acabar. Isso porque, a despeito de todas as
demonstrações feitas por hábeis estrategistas militares, demonstrando que não
há condições para que qualquer das partes em conflito vença a guerra civil,
ambos os lados se mostram dispostos a ir às últimas conseqüências. Não por
razões práticas e muito menos, óbvio, pelo alegado sentido de patriotismo.
As razões são, simplesmente,
subjetivas. Prendem-se a estúpidas motivações ideológicas, como se um conjunto
de enunciados filosóficos enchesse a barriga de quem quer que seja. Os
salvadorenhos, certamente, estão pouco se lixando com as teorias ultrapassadas
(afinal, já são centenárias) de Karl Marx. Ou com os postulados de Keynes ou de
qualquer outro economista capitalista.
O que a população desse país
reivindica é muito simples e justo. É o direito ao trabalho e à conseqüente
justa remuneração. É o acesso ao ensino, à saúde pública e à esperança de que
pelo menos seus descendentes venham a ter um padrão de vida mais digno, num
clima de liberdade política e de justiça social. Que sistema ideológico vai lhe
proporcionar tudo isso, para ela, é irrelevante!
A concentração de renda em El Salvador sempre foi
um escândalo. Antes da guerra civil, se dizia que toda a riqueza nacional
pertencia a, somente, 21 famílias. O restante... tinha que se contentar em
viver de migalhas. Era lógico que essa situação não poderia perdurar
indefinidamente, sem que houvesse reação, por ser imprudente, impudica, imoral
e ilógica.
No entanto, os tais defensores
“da democracia e da liberdade” nunca fizeram nada para pressionar os governos
ditatoriais desse país para que fizessem as mudanças necessárias que
proporcionassem qualquer redistribuição de renda. O conflito armado, por
conseqüência, era mera questão de tempo.
Se não eclodisse em 1979,
ocorreria no ano seguinte, ou no outro, ou no outro... O que vai acontecer aos
salvadorenhos, doravante, vai depender muito da sinceridade das potências que
têm condições (e obrigação) de os ajudar. E não apenas enviando suprimentos e
medicamentos, mas, sobretudo, se empenhando de verdade pela conciliação
nacional. E esta somente será possível com o estabelecimento de regras
políticas, econômicas, jurídicas e sociais justas e negociadas, que permitam
uma convivência harmoniosa e construtiva entre todos os cidadãos do país.
(Artigo publicado na
página 9, Internacional, do Correio Popular, em 18 de outubro de 1986).
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