Arquitetura
da prosa
Pedro J. Bondaczuk
Em
2004, publiquei, em determinado jornal – que não vem ao caso identificar – e
posteriormente em alguns dos vários espaços de que disponho na internet, uma
crônica que gerou bastante controvérsia. Não entre leitores, apresso-me a
esclarecer, dos quais recebi inúmeros elogios para satisfação do meu ego. Fui
criticado, isto sim, em alguns dos círculos literários que freqüento. Ou seja,
por colegas da mesma função. O cerne da controvérsia foi minha afirmação que a
prosa, para gerar o efeito que pretendemos, tem que primar, sempre, por duas
características básicas: clareza e simplicidade.
Ao
leitor pode parecer o óbvio (e entendo que de fato é), mas muitos escritores
não entendem as coisas dessa forma. Desmancham-se em floreios, em seus textos,
no que costumo chamar ora de “pirotecnia verbal”, ora de verborragia, em
simples crônicas ou em contos, em detrimento, quase sempre, da compreensão. O
engraçado é que depois reclamam que não são lidos, atribuindo o fato à falta de
gosto do brasileiro para a literatura.
Ocorre
que abusam tanto de metáforas, não raro estapafúrdias e até surreais, em textos
de prosa, utilizam-se de tantas palavras há muito caídas em desuso, apenas para
mostrar pretensa erudição, que ao cabo da leitura do que escreveram, ficamos
sem saber o que pretendiam dizer. Esquecem-se que literatura é, antes e acima
de tudo, comunicação. Mas eles não comunicam rigorosamente nada, embora
escrevam e, não raro, muito mais do que os temas que abordam requerem.
Iniciei
a tal crônica, que agradou os leitores e foi desaprovada pelos colegas
escritores, citando o polêmico, mas para mim genial, Ernest Hemingway (tanto
que conquistou merecidíssimo Prêmio Nobel de Literatura). O autor de “Adeus às
armas” observou: "Prosa é arquitetura e não decoração interior". Ou
seja, o controvertido romancista advertiu os que pretendem se comunicar através
da difícil arte do texto que este deve ser, antes de tudo, funcional. Deixou
implícito que sua beleza nasce da harmonia, da clareza e, sobretudo, da
capacidade do redator de passar um recado e nunca da complexidade das palavras.
Óbvio que, quanto mais claro este for, com mais precisão será cumprido o
objetivo essencial da literatura: o de comunicar um fato, uma idéia, um perfil,
um princípio etc.
Para
tanto, o texto não pode se ater apenas à forma, embora esta seja
importantíssima, notadamente no que se refere à correção gramatical, que é
indispensável. Precisa ter conteúdo, e que seja original, que acrescente algo
ao leitor e transmitido de tal forma que atraia esse ditador implacável, em
cujas mãos estão tanto o sucesso quanto o fracasso de quem vive de escrever: o
leitor. Se ele não entender a mensagem ou se não gostar da maneira como foi
transmitida, estaremos fritos. Restará ao suposto cultor das belas letras,
mudar de atividade.
Gustave
Flaubert destacou que "quando se possui a idéia, a palavra jamais há
de faltar". Mas, e quando esta não existe? Quando se pretende, por
exemplo, redigir uma crônica que, por sua própria definição, se caracteriza
pela leveza, pela descontração, pelo vislumbre de perenidade no que é trivial,
aparentemente sem importância, como as circunstâncias do dia-a-dia, ou um
objeto absolutamente comum, ou uma emoção corriqueira? Como agir? Aí é que está
o problema.
Em
circunstâncias como esta, a opção está na simplicidade e não no oposto, a
complicação (caminho escolhido por muitos escritores). O redator tem que
definir o que deseja transmitir ao leitor. Caso tenha a idéia, e esta seja
correta, inovadora, à prova de contestações, palavras é que não faltarão. A
escolha, todavia, deve recair, sempre, sobre os termos mais simples, de domínio
comum, que sejam inteligíveis a qualquer pessoa alfabetizada (ademais, o
analfabeto, por razões óbvias, jamais lerá seu texto), quer se trate de um
mestre de Literatura, quer seja um engraxate, um gari ou um porteiro, não
importa. O importante não é exibir erudição (supondo que se tenha, é claro),
mas comunicar a ideia que se pretende com absoluta clareza e sem a mínima ambigüidade.
Escrever
simples é muito mais complicado do que possa parecer aos desavisados. É uma
complicação, e das grandes. E não somente para mim, para você, para seu colega
ao lado ou para seu vizinho, mas para escritores com muito mais talento e
vivência literária do que todos nós reunidos. É o caso de Paulo Mendes Campos,
por exemplo, autor de tantos livros e textos publicados em grandes revistas
nacionais e internacionais, que constatou: "Quem tem facilidade de
escrever, não é escritor: é orador". É um consolo para este jornalista
veterano e cronista (modéstia a parte) tarimbado (mas sempre apavorado diante
de uma página em branco). Como encontrar um tema que seja, ao mesmo tempo, leve
e que fascine o leitor? Como agradar esse ditador anônimo, mas implacável, cuja
opinião nos é tão importante?
Scott
Fitzgerald dá uma dica: "Você tem que vender seu coração, suas reações
mais poderosas, e não apenas as pequenas coisas que o tocaram ligeiramente, as
pequenas experiências que você poderá contar ao jantar". Ou seja, é
preciso um desnudamento emocional, mesmo que tenhamos escrúpulos em nos
desnudar publicamente, em deixar à mostra nossas mais secretas angústias,
nossos mais profundos receios e nossas mais protegidas esperanças, temerosos,
quem sabe, do ridículo, ou de sermos acusados de cometer um atentado ao pudor.
Em última instância, é imprescindível sinceridade. E sem esquecer a paixão pelo
que se faz. Se você não gostar de escrever, esqueça. Procure outra atividade
menos complicada e potencialmente menos frustrante.
Por
essa razão, não é sem motivo que uma tela em branco do visor do meu
microcomputador (até pouco tempo atrás era uma lauda em branco), me causa
tamanho terror. Há momentos em que fico à beira do pânico. Com o quê preencher
todo esse espaço? O quê escrever, sem descambar para o ridículo ou para o
bla-bla-blá pomposo, mas sem conteúdo? Com quais ingredientes compor uma
crônica?
Respondo:
com sangue, com vísceras, com alma, com vivência, com vida. Tenho, desde que
cismei que era cronista (e isso já faz um tempão, uma eternidade) diariamente,
uma experiência semelhante (guardadas as devidas proporções) àquele episódio
bíblico em que o patriarca Jacó lutou com um anjo até o romper do dia, no Vale
de Jaboc, para ser abençoado. Procuro a bênção de um tema, da clareza, da
empatia e da capacidade de persuadir o leitor. Daí a opção que adotei na citada
crônica de 2004, ou seja, a conformação arquitetônica desse texto, em
detrimento da “decoração”, porque o que importa é comunicar e não “enfeitar”
ideias.
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