Passado
e futuro dos costumes
Pedro J. Bondaczuk
“O que os homens chamam de
civilização é o estado atual dos seus costumes e o que chamam de barbárie são
os estados anteriores. Os costumes serão chamados bárbaros quando forem
costumes passados”. Essa constatação foi feita por um dos mais lúcidos escritores
que o mundo conheceu, o francês Jacques Anatole François Thibault, que se
consagrou (e ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 1921 pelo conjunto de sua
obra) como Anatole France e que é a mais lídima expressão da realidade. Antes
que algum leitor mais crítico me lembre, admito que já comentei, tempos atrás,
essa mesma citação. Volto, todavia, ao tema, posto que em outro contexto.
Portanto, não estou sendo repetitivo, como possa parecer.
Uma das coisas que mais me
fascinam é observar o comportamento das pessoas, tanto aquelas com as quais
convivo, quanto as que nem mesmo conheço pessoalmente, mas cujos atos chegam ao
meu conhecimento pela imprensa ou por qualquer outro meio, e nas mais diversas
situações. Ou seja, como se relacionam, como se amam, como se odeiam (pois isso
é mais comum do que se queira admitir), como se divertem e vai por aí afora.
Entendo que esse é o papel não apenas do estudioso do comportamento (e há, inclusive, uma disciplina específica voltada
para esse estudo, a Etologia), ou ao sociólogo, mas, sobretudo, ao escritor.
Se você quiser conhecer, a fundo,
a história de determinado povo, não é a documentos (ou não apenas a eles) que
deve recorrer. Nem a descobertas arqueológicas que fundamentem relatos de
historiadores. Entendo que isso se trate de material meramente subsidiário. A
verdadeira história desse povo você conhecerá, somente, lendo os escritores do
tempo que pretender conhecer. E de preferência (caso seja possível), em edições
originais da época, com a linguagem de então, sem as diversas atualizações
ocorridas através dos tempos mediante reformas ortográficas. Fazendo isso, você
conhecerá, não somente a maneira que as pessoas se relacionavam (se amavam, se
odiavam, se divertiam etc.etc.etc.), mas até como se expressavam. Como era sua
linguagem no dia a dia? E seus textos? E sua gíria? Acho isso fascinante.
Não é preciso nem mesmo recuar
muito no tempo – embora, quanto mais recuarmos, mais exóticos nos parecerão os
comportamentos – para termos uma boa idéia a propósito. Por exemplo, como era o
Brasil da segunda metade do século XIX? Você terá uma determinada visão lendo
os compêndios de história. Mas terá outra, muito mais viva, exata e verdadeira,
com a leitura, por exemplo, dos romances então publicados. Mas nas edições de
então, com a forma de grafar as palavras de antes da primeira reforma
ortográfica ocorrida, com o “ph”, por exemplo, usado em vez do atual “f”, com
palavras que hoje grafamos com “s” então escritas com “z” e vai por aí afora.
Poucos se dão conta, por exemplo,
que então nossa sociedade ainda era escravagista. Que essa nódoa em nossa
história, que é a escravidão, era algo normal, legal e quase consensual. Afinal
de contas, esse comportamento absurdo foi abolido, dos nossos usos e costumes,
há somente 125 anos, o que, em termos históricos, é uma ninharia. Os duelos,
então, para “lavar a honra com sangue”, quando nossos ancestrais se sentiam
ofendidos por alguém, eram comportamentos triviais. Hoje... poderiam ser
caracterizados, quem sabe, como tentativas de homicídio, ou até como
assassinato, se um dos contendores fosse ferido de morte. Mas então eram coisas
consideradas “normais”.
E como nossos já tão remotos
ancestrais se divertiam? Não se esqueçam que na época não existiam nem o rádio,
muito menos televisão. Computador, então, era coisa que sequer passava pela
cabeça do mais abilolado e disparatado dos fantasistas. Não havia gravação
nenhuma de som e nem de imagem, pois nem a vitrola e nem a fotografia haviam,
ainda, sido inventadas. Cinema? O que é isso?! Nem pensar! Não se cogitava
dessa invenção em uma época que não havia nem mesmo eletricidade.Não existiam
automóveis, ônibus, caminhões, tratores, helicópteros, aviões etc.etc.etc. E isso há menos de um século e meio, ou seja,
um virtual ontem em termos históricos.
O futebol, grande paixão nacional
nossa (e hoje, a rigor, o é no mundo inteiro), ainda não havia sido também
inventado. Aliás, nem ele e nem os tantos outros esportes de menor apelo
popular entre nós, mas popularíssimos em outros países, notadamente nos Estados
Unidos, como o basquete, o beisebol, o vôlei, o hóquei, o futebol americano e
vai por aí afora. E isso, se praticado pelos homens. As mulheres começaram a
praticar algumas dessas modalidades muitíssimo tempo depois, há pouco mais de
meio século, se tanto.
Quanto à música, tão ou até mais
popular do que os esportes, com shows que hoje chegam, não raro, a congregar
até a mais de cem mil pessoas, com toda sua parefernália de ampliação de sons,
não lembrava em absolutamente nada os ritmos atualmente em voga. O samba, por
exemplo, nem mesmo havia sido criado. E o rock? Que nada! É fenômeno
recentíssimo, cujo nascimento parte considerável das pessoas mais velhas
testemunhou e cuja evolução acompanhou (caso seja apreciadora dessa vertente
musical). Somos levados a achar que a vida dos nossos ancestrais, e nem tão
remotos assim, era insípida, árdua, chata, chatíssima e vazia. Seria mesmo?
Para nossos padrões, era!. Será, porém, que eles achavam isso?
Como esses antepassados
encarariam nossos costumes, caso vivessem hoje? Se adaptariam ao nosso
comportamento, pautado pelos avanços tecnológicos, ou nos considerariam um
bando de malucos, apressados e barulhentos, correndo, correndo sem sabermos
onde queremos chegar? E como nossos descendentes irão considerar, em um século
e meio, nossos costumes e nossos modos de comunicação e de diversão?
Provavelmente, como somos tentados a considerar nossos antepassados da segunda
metade do século XIX: bárbaros! Isso, claro, caso não retroajam à barbárie de
fato, em decorrência de algum cataclismo, como o que afundou a mítica Atlântida
no oceano, recomeçando, virtualmente do zero, sua aventura, digamos,
civilizatória. Voltarei, certamente, ao tema.
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