A
arma do boato
Pedro J. Bondaczuk
O poeta Fagundes Varela, num poema marcante
intitulado "A mais forte das armas", alerta para o perigo das
palavras, quando irresponsáveis e ditas sem que se pense em suas conseqüências.
Esse dom divino, que distingue o homem das feras, é um instrumento fantástico e
miraculoso de comunicação, quando bem-empregado. Aproxima pessoas, ensina,
informa, orienta e esclarece.
O poeta fluminense, porém, começa o citado trabalho
perguntando: "Qual a mais forte das armas,/a mais firme, a mais
certeira?". A seguir, enumera uma série delas, desde a funda com a qual
Davi matou Golias, até as mais mortíferas e letais. Sabem qual a conclusão do
poema? É a seguinte: "A mais tremenda das armas,/pior do que a
duridana,/atendei, meus bons amigos,/se apelida a língua humana".
Entre as palavras irresponsáveis e impensadas, nada
é pior do que um boato. Ninguém nunca sabe com exatidão de onde e como ele
surge. Espalha-se, porém, com uma velocidade estonteante e cada um que o
reproduz, aumenta um pouco o teor da mentira a proporções inimagináveis.
Um desses rumores, nesta semana, conseguiu
desestabilizar o governo Itamar Franco, já fragilizado, por sua característica
de interinidade, enquanto não se decida de vez o impeachment do presidente afastado,
Fernando Collor.
Bastou que o economista Dércio Garcia Munhoz fosse
recebido por dois dias seguidos no Palácio do Planalto para que, não se sabe
como e nem vindo de quem, se espalhasse a versão de que o governo estava
elaborando um novo choque econômico.
Em poucos instantes, esse hipotético pacotão já
estava devidamente embrulhado e amarrado, inclusive com detalhes. De imediato
se falou em prefixação de preços, salários, câmbio e juros, contrariando o
compromisso assumido por Itamar tão logo assumiu a Presidência em 2 de outubro.
De imediato, o mercado financeiro se agitou. Em
poucas horas, milhões de cruzeiros trocaram de mãos, passando daqueles que se
deixam assustar por qualquer conversa, para a dos espertalhões, acostumados a
faturar em cima do pânico alheio.
Os rumores, também, serviram como a gota d'água para
que o ministro da Fazenda, Gustavo Krause, manifestasse de forma concreta o seu
descontentamento pelo fato de estar até aqui de pés e mãos atados para agir
sobre a combalida economia. Intempestivamente, o ex-prefeito do Recife e
ex-governador pernambucano entregou a Itamar sua carta de demissão.
Os analistas políticos mais experientes e
descomprometidos, que não têm vinculação com partidos, ideologias ou correntes,
percebem, nitidamente, uma acentuada tendência para fragilizar ainda mais o já
frágil --- dadas as circunstâncias da interinidade --- o governo do
vice-presidente, no exercício da Presidência.
Quem paga com isso é o País. São os cidadãos que
foram em massa às ruas e às praças de todo o País para exigir mais senso ético
na política. Existe, porém, atitude mais aética do que agir contra os
interesses públicos para obter vantagens pessoais indevidas e inconfessáveis? O
Brasil ganha quando alguém dá pretexto aos suicidas comerciais para, em plena
recessão e com os salários achatados como jamais estiveram, usarem suas
maquininhas na calada da noite para remarcações preventivas? Os boateiros que
respondam.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de dezembro de 1992).
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