Thursday, July 11, 2013

A arma do boato


Pedro J. Bondaczuk


O poeta Fagundes Varela, num poema marcante intitulado "A mais forte das armas", alerta para o perigo das palavras, quando irresponsáveis e ditas sem que se pense em suas conseqüências. Esse dom divino, que distingue o homem das feras, é um instrumento fantástico e miraculoso de comunicação, quando bem-empregado. Aproxima pessoas, ensina, informa, orienta e esclarece.

O poeta fluminense, porém, começa o citado trabalho perguntando: "Qual a mais forte das armas,/a mais firme, a mais certeira?". A seguir, enumera uma série delas, desde a funda com a qual Davi matou Golias, até as mais mortíferas e letais. Sabem qual a conclusão do poema? É a seguinte: "A mais tremenda das armas,/pior do que a duridana,/atendei, meus bons amigos,/se apelida a língua humana".

Entre as palavras irresponsáveis e impensadas, nada é pior do que um boato. Ninguém nunca sabe com exatidão de onde e como ele surge. Espalha-se, porém, com uma velocidade estonteante e cada um que o reproduz, aumenta um pouco o teor da mentira a proporções inimagináveis.

Um desses rumores, nesta semana, conseguiu desestabilizar o governo Itamar Franco, já fragilizado, por sua característica de interinidade, enquanto não se decida de vez o impeachment do presidente afastado, Fernando Collor.

Bastou que o economista Dércio Garcia Munhoz fosse recebido por dois dias seguidos no Palácio do Planalto para que, não se sabe como e nem vindo de quem, se espalhasse a versão de que o governo estava elaborando um novo choque econômico.

Em poucos instantes, esse hipotético pacotão já estava devidamente embrulhado e amarrado, inclusive com detalhes. De imediato se falou em prefixação de preços, salários, câmbio e juros, contrariando o compromisso assumido por Itamar tão logo assumiu a Presidência em 2 de outubro.

De imediato, o mercado financeiro se agitou. Em poucas horas, milhões de cruzeiros trocaram de mãos, passando daqueles que se deixam assustar por qualquer conversa, para a dos espertalhões, acostumados a faturar em cima do pânico alheio.

Os rumores, também, serviram como a gota d'água para que o ministro da Fazenda, Gustavo Krause, manifestasse de forma concreta o seu descontentamento pelo fato de estar até aqui de pés e mãos atados para agir sobre a combalida economia. Intempestivamente, o ex-prefeito do Recife e ex-governador pernambucano entregou a Itamar sua carta de demissão.

Os analistas políticos mais experientes e descomprometidos, que não têm vinculação com partidos, ideologias ou correntes, percebem, nitidamente, uma acentuada tendência para fragilizar ainda mais o já frágil --- dadas as circunstâncias da interinidade --- o governo do vice-presidente, no exercício da Presidência.

Quem paga com isso é o País. São os cidadãos que foram em massa às ruas e às praças de todo o País para exigir mais senso ético na política. Existe, porém, atitude mais aética do que agir contra os interesses públicos para obter vantagens pessoais indevidas e inconfessáveis? O Brasil ganha quando alguém dá pretexto aos suicidas comerciais para, em plena recessão e com os salários achatados como jamais estiveram, usarem suas maquininhas na calada da noite para remarcações preventivas? Os boateiros que respondam.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 20 de dezembro de 1992).


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