Passo para a reconciliação
nacional
Pedro J. Bondaczuk
A
presidente filipina, Corazón Aquino, até outro dia uma simples dona-de-casa,
que foi guindada à presidência de um país de 54 milhões de habitantes por força
das circunstâncias, está se revelando a pessoa certa para a hora e o local
apropriados. Passada a agitação inicial da queda da ditadura de Ferdinand
Marcos, ela começou um amplo e penoso processo de pacificação nacional.
Muita
gente previu que, se ela viesse a cumprir a sua promessa de anistiar os
rebeldes marxistas, que lutam no Sul do país, seria deposta em pouco tempo
pelos militares. Corazón não se atemorizou e não só concedeu o perdão aos
guerrilheiros que abandonaram a luta armada, como se dirigiu a uma região onde
eles se concentram, para dialogar diretamente com eles.
Dessa
maneira, vagarosa e pacientemente vem cumprindo a sua primeira e principal
promessa de campanha. Ou seja, procedendo ao desarmamento dos espíritos, para
que possa partir depois para a discussão, e possivelmente a solução, dos graves
problemas sociais existentes nas Filipinas, ditados por uma estrutura arcaica e
ainda com aspectos coloniais.
Os
Estados Unidos, os grandes fiadores da redemocratização filipina, já deram o
seu voto de confiança ao novo governo. Primeiro, enviaram a Manila o secretário
de Defesa, Casper Weinberger, para que ele observasse "in loco" se
havia qualquer risco das esquerdas empolgarem o poder. Aquilo que ele viu,
certamente o agradou, já que não emitiu nenhum comentário que desse a entender
que o perigo apregoado pelo ex-ditador Ferdinand Marcos, era concreto.
A
seguir, o secretário de Estado, George Shultz, reconheceu as dificuldades
econômicas atravessadas pelas Filipinas, principalmente diante da
extraordinária dívida externa do país, de US$ 26 bilhões, dos quais, membros do
atual governo acreditam que, pelo menos US$ 10 bilhões tenham sido depositados
pelo ex-ditador nos seguros e ultra-sigilosos bancos suíços. As próprias
autoridades helvéticas, contudo, numa atitude inédita, se prontificaram em
colaborar, para apurar a procedência dessas denúncias.
O
sucesso, até aqui, de Corazón Aquino, vem provar que numa democracia, onde
impere a liberdade e as controvérsias não sejam sufocadas pela força, mas
sabiamente administradas, não é necessário que o governante seja alguma
sumidade em Ciências Políticas para administrar bem o país. Basta que tenha bom
senso, seja honesto e sobretudo franco com o seu povo, permitindo que ele
participe ativamente dos atos de cidadania, cooperando com a administração.
É
verdade que Corazón teve no marido, o assassinado líder Benigno Aquino, um
mestre magnífico. E ele, certamente, estaria orgulhoso, hoje, se estivesse vivo
e pudesse presenciar os progressos políticos realizados por sua companheira e
pupila.
Ninguém
está afirmando que todos os problemas das Filipinas estão resolvidos. Mais de
vinte anos de desmandos, corrupção e autoritarismo, não se apagam em dias,
semanas, meses ou em apenas um ano. Vai
levar muito tempo para que o filipino se habitue com a idéia de liberdade. E
principalmente de que ela implica, sempre, em igual parcela de responsabilidade
e de respeito aos direitos do semelhante.
O
grande atraso social e a bancarrota econômica trarão, certamente, insatisfações
que, passado o período inicial de "namoro" com o novo regime, deverão
provocar inevitáveis atritos. Isso, entretanto, desde que controlado com
sabedoria, pode ser até um fator positivo. Basta que Corazón canalize essa
força imensa, gerada pelas controvérsias, para tarefas construtivas. Tudo leva
a crer que ela reúne condições para isso.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 24 de maio de
1986)
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