Saturday, July 27, 2013

Passo para a reconciliação nacional


Pedro J. Bondaczuk


A presidente filipina, Corazón Aquino, até outro dia uma simples dona-de-casa, que foi guindada à presidência de um país de 54 milhões de habitantes por força das circunstâncias, está se revelando a pessoa certa para a hora e o local apropriados. Passada a agitação inicial da queda da ditadura de Ferdinand Marcos, ela começou um amplo e penoso processo de pacificação nacional.

Muita gente previu que, se ela viesse a cumprir a sua promessa de anistiar os rebeldes marxistas, que lutam no Sul do país, seria deposta em pouco tempo pelos militares. Corazón não se atemorizou e não só concedeu o perdão aos guerrilheiros que abandonaram a luta armada, como se dirigiu a uma região onde eles se concentram, para dialogar diretamente com eles.

Dessa maneira, vagarosa e pacientemente vem cumprindo a sua primeira e principal promessa de campanha. Ou seja, procedendo ao desarmamento dos espíritos, para que possa partir depois para a discussão, e possivelmente a solução, dos graves problemas sociais existentes nas Filipinas, ditados por uma estrutura arcaica e ainda com aspectos coloniais.

Os Estados Unidos, os grandes fiadores da redemocratização filipina, já deram o seu voto de confiança ao novo governo. Primeiro, enviaram a Manila o secretário de Defesa, Casper Weinberger, para que ele observasse "in loco" se havia qualquer risco das esquerdas empolgarem o poder. Aquilo que ele viu, certamente o agradou, já que não emitiu nenhum comentário que desse a entender que o perigo apregoado pelo ex-ditador Ferdinand Marcos, era concreto.

A seguir, o secretário de Estado, George Shultz, reconheceu as dificuldades econômicas atravessadas pelas Filipinas, principalmente diante da extraordinária dívida externa do país, de US$ 26 bilhões, dos quais, membros do atual governo acreditam que, pelo menos US$ 10 bilhões tenham sido depositados pelo ex-ditador nos seguros e ultra-sigilosos bancos suíços. As próprias autoridades helvéticas, contudo, numa atitude inédita, se prontificaram em colaborar, para apurar a procedência dessas denúncias.

O sucesso, até aqui, de Corazón Aquino, vem provar que numa democracia, onde impere a liberdade e as controvérsias não sejam sufocadas pela força, mas sabiamente administradas, não é necessário que o governante seja alguma sumidade em Ciências Políticas para administrar bem o país. Basta que tenha bom senso, seja honesto e sobretudo franco com o seu povo, permitindo que ele participe ativamente dos atos de cidadania, cooperando com a administração.

É verdade que Corazón teve no marido, o assassinado líder Benigno Aquino, um mestre magnífico. E ele, certamente, estaria orgulhoso, hoje, se estivesse vivo e pudesse presenciar os progressos políticos realizados por sua companheira e pupila.

Ninguém está afirmando que todos os problemas das Filipinas estão resolvidos. Mais de vinte anos de desmandos, corrupção e autoritarismo, não se apagam em dias, semanas, meses  ou em apenas um ano. Vai levar muito tempo para que o filipino se habitue com a idéia de liberdade. E principalmente de que ela implica, sempre, em igual parcela de responsabilidade e de respeito aos direitos do semelhante.

O grande atraso social e a bancarrota econômica trarão, certamente, insatisfações que, passado o período inicial de "namoro" com o novo regime, deverão provocar inevitáveis atritos. Isso, entretanto, desde que controlado com sabedoria, pode ser até um fator positivo. Basta que Corazón canalize essa força imensa, gerada pelas controvérsias, para tarefas construtivas. Tudo leva a crer que ela reúne condições para isso.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 24 de maio de 1986)


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