Entre
Deus e a fera bronca
Pedro J. Bondaczuk
O
homem oscila o tempo todo entre Deus, de quem é a imagem e semelhança, e a fera
bronca, que no fundo é. Quando aplica os dotes de sua inteligência em uma obra
construtiva e quando atua em equipe, opera verdadeiras maravilhas. Penetra, por
exemplo, no coração de um átomo e decompõe essa porção infinitesimal de matéria
em partículas cada vez menores e complexas, desvendando, no plano microscópico,
os segredos do universo. Interfere no código genético e dessa maneira impede
doenças congênitas, ou cria novos animais e plantas, consertando falhas da
própria natureza que o gerou. Troca, num seu semelhante, o coração e outros
órgãos, permitindo que ele viva, produtivamente, muitos anos mais do que
viveria caso não fizesse essa providencial intervenção. Aventura-se no espaço
infinito e revela mistérios que seus ancestrais sequer atinavam que existissem.
Fico
imaginando como se sentiria alguém, que tenha vivido, por exemplo, em 1813 –
portanto no século XIX, quando se iniciou a “explosão” de inventos que mudaram
por completo a vida do homem na Terra – se, por algum sortilégio, pudesse
ressuscitar e ver como vivemos na atualidade, com as maravilhas tecnológicas ao
nosso dispor. Já nem imagino se isso viesse a ocorrer com alguém que vivesse em
tempos mais remotos e, por conseqüência, mais atrasados. Afinal, sua reação
seria previsível. Atribuiria a existência dessas engenhocas – automóveis,
aviões, foguetes, motos, navios a vapor (já nem digo movidos a energia nuclear),
eletricidade, rádio, televisão, internet, celular etc.etc.etc. – a bruxaria e a
sortilégios do demônio. Certamente sairia destruindo tudo isso a torto e a
direito, achando estar prestando, com esse furioso vandalismo, grande serviço a
Deus e à sua espécie. No entanto...
Bem
que Júlio Verne – cuja mente estava muitíssimo à frente do seu tempo – afirmou
e deixou registrado por escrito: “Tudo o que o homem consiga imaginar, alguém
conseguirá concretizar”. E estou seguro que, se a humanidade conseguir não se
destruir (o que já será enorme façanha), as maravilhas tecnológicas atuais, que
tanto maravilhariam nossos ancestrais do século XIX e horrorizariam os mais
remotos ainda, que os atribuiriam a maléficos sortilégios, serão vistas como
primitivas velharias pelas gerações dos próximos séculos, se não apenas do
próximo, ou, quem sabe, do final deste.
A
data de amanhã, por exemplo, 20 de julho, marca um desses momentos excepcionais
da humanidade, na atual geração, que foi a conquista da Lua. Muitos, hoje,
investem contra esse projeto, que consumiu cerca de US$ 10 bilhões (e há
milhões que sequer acreditam nessa façanha, atribuindo-a a mera fraude, e com
tamanha ênfase, que até chego a ter minha convicção abalada) garantindo que ele
foi inútil, já que não trouxe os benefícios materiais com que todos contavam.
Argumentam que o dinheiro gasto na empreitada seria melhor aplicado se
investido, por exemplo, no socorro aos muitos milhões de miseráveis e famintos
que há no Planeta.
Mas
será que há alguém que acredite que se esses recursos não viessem a ser
despendidos para uma façanha desse porte seriam destinados, mesmo, a alguma
obra social, ou de benemerência?!!! Se houver, tal pessoa será de uma
ingenuidade atordoante. Ademais, se existe algum dinheiro mal aplicado no
mundo, este, certamente, é o que sustenta essa macro estupidez chamada corrida
armamentista. Este, sim, é um buraco negro, que consumiu as energias de alguns
bilhões de seres humanos, num projeto que se destina, potencialmente, a promover,
apenas e tão somente, destruição e morte.
Consultando
meus arquivos, por exemplo, constatei que o ano de 1990 foi dedicado pelas
Nações Unidas para a promoção de um esforço internacional objetivando acabar
com o analfabetismo, que atinge a cerca de um quinto da humanidade,
virtualmente um bilhão de pessoas, das quais 75% mulheres. Este, sim, seria um
projeto meritório, que mereceria aplausos generalizados. Mereceria, mas...
Nada, ou quase nada, foi feito nesse sentido.
O
que se percebe, isto sim, é uma agitação diplomática das mais intensas para
arregimentar o maior apoio possível para uma nova guerra, não importa se
motivada ou imotivada, justa ou injusta – para todas, sempre foram arranjadas
justificativas, com os mesmos resultados desastrosos – na qual vislumbro o dedo
da indústria de armas. A “bola da vez” é a Síria, que passa por um processo de
“autofagia” nacional, com sua encarniçada guerra civil. Amanhã, certamente, o
alvo será o Irã, que consta da agenda dos belicistas. Ou, quem sabe, a Coréia do
Norte e seu imaturo e inconseqüente líder, com complexo de deus. O pretexto
para justificar uma intervenção dos Estados Unidos e de seus satélites
(Grã-Bretanha e França à frente) é o mesmo, ou pelo menos parecido, com o usado
para arrasar o Iraque e o Afeganistão: “promover a democracia”. Vá ter cinismo
lá na Cochinchina!!!
Com
isso, apenas está sendo dada seqüência a uma lógica cruel, a da preponderância
do mais forte (e não do mais útil ou produtivo) sobre o mais fraco ou
insensato, que marcou os 13 mil anos de história que se tem registro. Desse
período de 13 milênios – e para se constatar isso basta que se pesquise um bom
compêndio da matéria – 95% foram gastos no ato de matar, ora em guerras de
conquistas, ora para impor ou derrubar tiranos, ora para proteger agricultores
contra ataques de bandos nômades, ora para expulsar invasores de territórios
que não lhes pertenciam. Enfim, motivos nunca faltaram para guerrear.
O
resultado de tudo isso sequer seria necessário apontar, por fazer parte da
nossa tradição. A humanidade dividiu-se em castas estabelecidas não através dos
critérios do "ser", mas do "ter". Recursos sempre
escasseiam quando se trata de educar pessoas, quando se destinam a evitar a
fome de populações desassistidas ou atingidas por catástrofes climáticas,
quando se tenta erradicar doenças simples e de baixo custo em seu combate. Esse
mesmo dinheiro sobra, todavia, nos eufemisticamente chamados "Orçamentos
de Defesa", cuja média mundial, apenas para 2013, é de US$ 1,3 trilhão!!!
Essa montanha de dinheiro daria para financiar mais de 100 projetos Apólo, o
que levou o homem à Lua (se é que levou).
Curioso é que nenhum país admite que gasta fábulas em arsenais que se
destinam a atacar outros povos. Para todos os efeitos, os equipamentos bélicos sempre
são de caráter "defensivo".
Mas
armamentos só têm uma, e única, serventia: matar. Não alfabetizam pessoas, não
erradicam doenças, não extinguem a fome. Somente suprimem vidas, cada vez em
maior quantidade, dada a crescente sofisticação armamentista, mostrando que o
homem somente substituiu os machados de silex ou os arcos e flechas de madeira,
dos tempos das cavernas, por outro instrumental. Mas o sentimento de fera que o
movia na ocasião permanece exatamente o mesmo. Apenas se “modernizou”.
O
importante, na conquista da Lua, sequer foi a tomada de posse do satélite, que
continua, exatamente, como sempre foi, mas a demonstração de que o homem é
capaz de fazer isso e muito mais. Basta que volte sua inteligência para
empreendimentos construtivos; que jamais deixe a ânsia da conquista de riquezas
vazias, que nada valem, e de um hedonismo inconseqüente e sem sentido,
embrutecer seu espírito de aventura; que não permita que ambições mesquinhas
limitem seu horizonte aos pântanos, quando o infinito está à sua frente, como
magnífico desafio.
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