Tuesday, July 02, 2013

Amizades que viraram inimizades

Amizades que viraram inimizades

Pedro J. Bondaczuk

O filósofo católico francês, Jacques Maritain, escreveu certa feita: “Cada ser humano é um indivíduo como o animal, a planta, o átomo, fragmento de uma espécie, parte singular da imensa rede de influências cósmicas, étnicas e históricas que o dominam. E ao mesmo tempo é uma pessoa, quer dizer, um universo de natureza espiritual, dotado de livre-arbítrio e, como tal, um todo independente em face do mundo”. E não estava certo? Estava certíssimo.

Ao longo do tempo, uma quantidade imensa de pessoas – milhares, quiçá milhões – passa, aleatoriamente, por nossas vidas, como sombras. A imensa maioria não deixa o menor vestígio dessa passagem. E delas não conseguimos lembrar rigorosamente nada, nem mesmo ligeiro esboço de seus traços fisionômicos. Algumas, raras, prejudicam-nos, de alguma forma e há, até, as que podem causar nossa morte. É o tipo que melhor seria jamais ter cruzado nosso caminho. Há, porém, as que deixam marcas profundas em nós. São as pessoas que amamos e que, por isso, passam a integrar, inseparavelmente, nossa história. São as que se tornam nossas amigas. Essas amizades podem ou não durar. Às vezes, extinguem-se naturalmente, em geral, pela separação física (mudança de cidade, morte etc.) sem deixar mágoas e nem saudades. Algumas, porém, terminam deixando um rastro de ressentimentos, decepções e mútuas recriminações.

Prefiro ter sempre em mente o que o advogado, filósofo e senador do Império Romano Sêneca lembrou a propósito, ao afirmar: “É impossível fazer de todos os homens nossos amigos. É já ventura bastante conseguir que eles não sejam nossos inimigos”. Esta é, pelo menos, a expectativa mais prudente, se não a mais realista.

É raro encontrarmos alguém que nunca tenha tido algum tipo de amizade, mesmo que não íntima ou nem mesmo duradoura. Não afirmo que não exista tal indivíduo, pois se o fizesse, estaria incorrendo em uma generalização, baseada, apenas, em presunção pessoal, o que me exporia ao iminente risco de erro, o que me empenho em evitar. A maioria (presumo, no entanto, que seja a totalidade, embora não jure e nem afirme) teve, ou tem ou terá algum amigo, em algum tempo e em algum lugar.

Sigmund Freud, como homem público, como a personalidade até histórica em que se tornou, teve, em sua longa vida, várias amizades. Muitas, talvez, fossem interesseiras, para explorar seu inegável prestígio. Nunca se sabe. E não haveria surpresa alguma nisso, pois é a coisa mais comum com qualquer pessoa de destaque ma sociedade. E o “interesse” poderia ser de parte a parte. Tanto de Freud, em relação a esses “amigos” nos quais vislumbrasse a possibilidade de obter alguma vantagem, quanto o oposto (mais provável, por sinal), pelo mesmo motivo.

Duas dessas amizades, porém, se destacam e são amiúde citadas, toda vez que alguém se refere à trajetória pessoal e, sobretudo, à vida do “Pai da Psicanálise”. São as que manteve com Josef Breuer e com Wilhelm Fliess. E foram de tal sorte importantes, sobretudo na carreira de Freud, que merecem ser tratadas de forma separada, individualizadas, com um capítulo todo para cada uma delas. É o que farei. Considerem, pois, estas reflexões de hoje mero preâmbulo para uma análise mais detalhada desses amigos e da natureza e importância dessas amizades.  

Tanto Breuer, quanto Fliess eram médicos, o que não chega a surpreender (muito pelo contrário), já que as nossas amizades mais comuns, ou pelo menos as mais frequentes, são as que mantemos, via de regra, com pessoas que tenham interesses iguais ou, no mínimo, semelhantes aos nossos. E, não raro, a mesma profissão. Claro que não se trata de nenhuma regra, pois essa questão não é regulamentada, embora seja algo lógico e previsível.

Qual dos dois Freud considerou “mais” amigo? Não se pode afirmar, por mais evidências que tenhamos a propósito. Apenas podemos especular. Só ele poderia responder a essa pergunta (ou talvez não), mas, ao que consta, nunca se pronunciou a propósito. A lógica indica ser provável que tivesse maior afinidade com Breuer, até pela identidade racial e religiosa. Afinal, ele era judeu, como Freud. Seu pai, Leonard Breuer, era professor de religião na comunidade judaica de Viena. E não somente isso.

Josep foi o verdadeiro criador do método psicanalítico, ou seja, o de induzir, mediante perguntas oportunas e pertinentes, os pacientes a falarem a propósito dos males que os afligiam, para chegar à raiz dos traumas que os causavam. Substituiu, portanto, a hipnose na terapia, que não mostrava a mesma eficácia. Freud incorporou, com a anuência e incentivo de Breuer, à sua prática, essa técnica. Todavia, com uma mudança, que foi justamente o que causou estremecimento e posterior ruptura da amizade. Além desse aspecto profissional, foi uma espécie de Mecenas do amigo terapeuta, sempre às voltas com dificuldades financeiras. Foi, por sinal, quem “financiou” seu casamento com Martha.

Fliess, por seu turno, era uma espécie de “revisor” dos textos de Freud, antes deste encaminhá-los aos editores. Ambos mantiveram copiosa correspondência, que ascendia às centenas, o que atesta a profundidade dessa amizade (enquanto durou). Infelizmente (para a posteridade), o “Pai da Psicanálise” destruiu todas as cartas recebidas do então amigo, tão logo ocorreu o rompimento. As que restam são as que Fliess recebeu e não as que escreveu. Nesses dois casos, todavia, há um ponto em comum. Ambas amizades transformaram-se em acérrimas inimizades, com uma infinidade de ressentimentos e recriminações, de parte a parte.


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