Modo
de orar
Pedro J. Bondaczuk
Há pessoas que não morrem jamais.
Está certo, relativizemos esse “jamais”. Consideremo-lo no contexto
rigorosamente humano. Digamos que não morram enquanto a humanidade existir.
Assim fica melhor. A lógica é que a espécie, em algum momento, que ninguém sabe
precisar qual, deixe de existir. É a lei inflexível do próprio universo.
Estrelas e galáxias, por exemplo, um dia se extinguem, após alguns bilhões de
anos de existência, determinando o fim de tudo o que orbite ao seu redor.
Aliás, a afirmação mais correta é a de que se transformam. Mas deixam de ser o
que são. A Terra – e por consequência, tudo o que há nela, vivente ou não –
terá o mesmo destino. Quando? Não sei. Ninguém sabe! Pode ser hoje, como pode
ser em um bilhão ou mais de anos.
Quando afirmo que há pessoas que
não morrem jamais, com a devida ressalva que fiz na sequência, não me refiro ao
aspecto físico (e o leitor inteligente certamente concluiu isso, sem que
precisasse desta observação). O que sobrevive por um tempo – no caso, enquanto
a humanidade existir – são suas obras, boas ou más. E mais, materiais ou
espirituais. As do primeiro caso, as da matéria, extinguem-se primeiro,
corrompidas pelo tempo. As do espírito têm mais chances de sobrevivência, pelo
menos enquanto a espécie conservar a racionalidade e mantiver o que
eufemisticamente chamamos de civilização. De qualquer forma, a afirmação de que
há pessoas que não morrem jamais, no frigir dos ovos, é metafórica e é assim
que deve ser encarada.
O físico Albert Einstein afirmou,
em seu livro "Como Vejo o Mundo" (obra que recomendo, sem pestanejar,
e que pode ser facilmente encontrada em qualquer livraria, em variadas
edições): "É a pessoa humana, livre, criadora e sensível que modela o belo
e exalta o sublime, ao passo que as massas continuam arrastadas por uma dança
infernal de imbecilidade e embrutecimento". A condição dessas hordas
humanas, atrasadas e carentes, é tão abjeta principalmente por carência (ou
ausência) de educação, por falta de líderes esclarecidos que se disponham a guiá-las
e por não terem o privilégio de contar com semeadores de ideias persistentes e
mestres perseverantes. A espécie, à medida que se multiplica, e o faz de
maneira incontrolável (já somos mais de sete bilhões de indivíduos) carece, mais e mais e mais, de um número
maior de pessoas "boas", altruístas, perspicazes e sobretudo
abnegadas, pelo menos na mesma proporção do crescimento populacional.
Platão, em seus
"Diálogos", enfatizou: "O bem não é essência, mas excede em
muito a essência em dignidade e poder". Escrevi isso, recentemente, e
reitero: “Não são os aparentemente poderosos que a humanidade reverencia
através dos séculos. A reverência é destinada a humildes semeadores. Como
Sidarta Gautama... Como São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi e Madre Teresa
de Calcutá, entre outros... E, sobretudo, como o Deus que se fez homem, Jesus
Cristo!”
Machado de Assis escreveu, em um
de seus tantos e preciosos textos: “O louvor dos mortos é um modo de se orar
por eles”. E qual a melhor maneira de louvá-los? Trazendo à baila suas obras,
revivendo suas idéias e, sobretudo, passando-as adiante, transmitindo-as às
novas gerações e motivando-as a agirem de idêntica forma. Além de louvar essas
pessoas iluminadas, que dedicaram a vida a construir princípios, a exaltar a
beleza e a exercer racionalidade – que é, na concepção do “Bruxo do Cosme
Velho” uma forma de orar por elas – o melhor que podemos fazer é imitar seus
exemplos (quando forem, claro, dignos de imitação). É uma maneira de tentarmos
conquistar o tipo de imortalidade que esses nossos paradigmas conquistaram.
Muitos contestam esse esforço
para a preservação de nossas idéias e obras, enfim, de nossa memória, para além
da nossa morte. Que vantagens teremos, se não poderemos, sequer, testemunhar
essa preservação? Respondo: nenhuma! Mas esse afã de lucrar, seja no que for, é
atitude egoística. Quando nascemos, o mundo já estava prontinho ao nosso
dispor, com suas contradições, imperfeições e aberrações, mas com suas obras,
leis e princípios (embora, reitero, com o mal, a corrupção, as injustiças e a
tirania, entre outras tantas coisas que o tornam tão ruim para a maioria). E
esses construtores nada lucraram. Por que, pois, quereríamos nós lucrar?
Cada gesto de amor ou de ódio,
cada atitude de solidariedade ou de egoísmo, cada ato de construção ou de
destruição, contam muito. Compõem nossa biografia. Justificam (ou não) nossa
trajetória na vida. Entendo que ninguém veio ao mundo por acaso, somente a
passeio, embora assim nos pareça e muitos ajam como se isso fosse a realidade.
Todavia nossa finalidade, nosso papel, nossa missão não nos são revelados.
Compete-nos descobri-los e realizá-los, lucrando com isso ou não. Aliás, não
lucraremos, a longo prazo, nada, porquanto somos mortais. Jamais (e aqui a
palavra cabe com exatidão) escaparemos da morte física. Poderemos ser lembrados
num futuro distante como santos ou como demônios; como sábios ou como tolos ou
então ser esquecidos para sempre, como se jamais tivéssemos existido (o que é
sumamente mais provável).
Isto tudo vai depender, em grande
medida, de nós e principalmente das circunstâncias que tivermos (que alguns
chamam de destino e outros de acaso). Temos sempre o direito de escolha, embora
poucos o exerçam com lucidez. Para isso, contamos (ao menos teoricamente) com o
tal do livre-arbítrio. Contudo... temos que arcar, sempre, com as conseqüências
das opções que fizermos e assumir, sozinhos, nossos erros, embora, em
contrapartida, tenhamos a possibilidade, mesmo que remotíssima, de sermos
premiados, louvados e reverenciados até pelos acertos. Por isso, o mais sábio –
e já escrevi isso “n” vezes e faço questão de sustentar, até por coerência – é
sempre apostar no amor, na justiça, na compreensão e na solidariedade. Alguém
conhece opção melhor?
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