Discípulo fiel e
dedicado amigo
Pedro
J. Bondaczuk
Psicanálise – e não
somente a linha freudiana, à qual se manteve fiel a vida toda – deve muito ao
galês Alfred Ernest Jones, embora sua atuação não seja valorizada como deveria.
Ao contrário de boa parte dos discípulos de Sigmund Freud (parte da qual criou
novas teorias que confrontaram com a do mentor), manteve-se convicto nos
ensinamentos do mestre e foi provavelmente o maior divulgador deles, sobretudo
nos países de língua inglesa. Não por acaso, transformou-se no biógrafo oficial
do “Pai da Psicanálise”.
Jones caracterizou-se,
como depreendo da leitura de seus dados biográficos, como homem de iniciativa,
aquele que não pensa duas vezes, que não mede riscos e nem sacrifícios para
fazer o que acha que deva ser feito. Foi ele, por exemplo, que arriscou a vida
para tirar Freud e a família dele da Áustria, tão logo a Alemanha anexou esse
país e os nazistas empreenderam intensa caçada para capturar o então já
envelhecido e doente psicanalista. É fato que sua ousada ação teve pouco efeito
prático, já que o “Pai da Psicanálise” viria a morrer poucos meses depois de
chegar a Londres, vitimado pelo câncer. Todavia, evitou que seu mestre fosse
humilhado, torturado e achincalhado pela horda de fanáticos seguidores de
Hitler, que tiveram que se contentar em queimar os livros e artigos do
pesquisador, em vez do próprio.
Alfred Ernest Jones
nasceu no País de Gales, na Grã-Bretanha, no primeiro dia do ano de 1879.
Formou-se, em 1901, aos 22 anos de idade, em Medicina e Obstetrícia. Como
obstetra, mostrou tamanha competência, que recebeu medalha de ouro. Deixou de
lado, porém, essa especialidade para especializar-se em neurologia. Quando já
atuava como neurologista, tomou conhecimento da obra de Freud. Foi “paixão” à
primeira vista. Entusiasmou-se pelas idéias do mestre austríaco e passou a ler
tudo o que este publicava e que lhe caísse em mãos. Foi mais longe, passou a
aplicar seus métodos em sua clínica.
A partir de então, o
desejo de conhecer Freud tornou-se obsessão. Tinha uma série de dúvidas que
queria levar ao mestre, para que este as esclarecesse. Em 1907, encontrou-se,
em Zurique, com o então seguidor do “Pai da Psicanálise”, que mais tarde se
tornaria seu principal rival, Carl Gustav Jung. Este deu-lhe mais detalhes
sobre as novas idéias, o que aumentou, em muito, seu entusiasmo. No mesmo ano,
os dois se reencontraram, na mesma cidade suíça, com o objetivo de planejar um
congresso psicanalítico que deveria ser o marco inicial da nova disciplina.
Jones seguiu para a
capital austríaca, onde foi introduzido no então restrito, porém seleto grupo
da Sociedade Psicanalítica de Viena. Mas ainda não entrara em contato com o
próprio Freud, que tanto ansiava conhecer pessoalmente. Esse encontro viria a
ocorrer em 1908, quando da realização do Primeiro Congresso Psicanalítico, levado
a efeito na cidade de Salzburg. No final desse ano, Jones embarcou para o
Canadá, mais especificamente, para Toronto, onde permaneceu por quatro anos.
Nesse país, além de exercer a psicanálise, tornou-se incansável divulgador das
idéias freudianas. E não apenas nos círculos psicopatológicos canadenses, mas
também nos Estados Unidos. Foi o criador de várias instituições psicanalíticas
nesses dois países, com destaque para as Associação Americana de Psicopatologia
e Associação Americana de Psicanálise, da qual foi seu primeiro secretário até
o início do ano de 1913, quando regressou à Europa.
Jones foi o maior
divulgador e tradutor da obra de Freud em língua inglesa. Fundou, também, a
Sociedade Psicanalítica de Londres. Como se vê, não lhe faltavam entusiasmo e
iniciativa. Quando ocorreu o rompimento entre Freud e Jung – e ele era amigo de
ambos – tomou partido do primeiro. Naquela oportunidade, o legado teórico e
institucional do movimento psicanalítico correu sério risco de se perder.
Jones, porém, não se deteve para lamentar a situação. Agiu. E agiu com
eficiência. Não só se manteve vinculado ao “Círculo Seleto de Freud”, como
formou um “Comitê Secreto” que se propôs a defender e preservar as idéias do
mestre.
Por causa das teorias
do seu “guru”, notadamente as que atribuíam ao sexo a causa de praticamente
todos os desvios mentais, a rede de rádio British Broadcasting Corporation (a
célebre BBC) colocou o nome de Jones na lista das pessoas consideradas
perigosas para a moralidade pública. Era proibido citá-lo em qualquer contexto,
como se não existisse e não tivesse a importância que tinha. O veto só viria a
ser abolido em 1929, mesmo ano em que a Associação Médica Britânica reconheceu,
oficialmente, a psicanálise.
Muita coisa mais
poderia ser dita a propósito desse galês teimoso, determinado e, sobretudo,
fiel. Como o fato de manter vivas as idéias de Freud quando seus colegas (a maioria deles), e o próprio
mestre, já não estavam mais no mundo dos vivos. Em 1944, foi vítima de ataque
cardíaco e muita gente achou que seus dias de vida estavam contados. Que nada!
Sobreviveu não só ao problema no coração, como a muitos dos que fizeram esse
sombrio prognóstico. Viveu ainda mais 14 anos, até 11 de fevereiro de 1958 (42
dias após completar o 79° aniversário), tempo suficiente para escrever a que é
considerada a melhor e mais exata biografia de Sigmund Freud e para consolidar
de vez seu acervo teórico e sua memória. Quem não gostaria de ter um discípulo
tão fiel e um amigo tão dedicado?!
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