Wednesday, July 24, 2013

Cem anos sem um ícone naturalista

Pedro J. Bondaczuk

Em janeiro deste 2013 completaram-se cem anos da morte de um dos mais importantes escritores brasileiros, ícone do Naturalismo no Brasil. Todavia, por um desses lamentáveis lapsos, tão comuns entre nós, a data foi virtualmente (para não dizer literalmente) ignorada pelos meios de comunicação e por veículos (poucos) dedicados à cultura e às artes (notadamente à Literatura) de todo o País.  Refiro-me ao escritor maranhense, filho do vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo, Aluísio de Azevedo. Para ressaltar sua importância basta lembrar que foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e que se tornou titular e primeiro ocupante da cadeira de número 4. Legou à posteridade, 23 livros, entre romances, contos, peças teatrais, cartas etc.

Também não registrei a data, mas asseguro-lhes que não foi por esquecimento. Nem poderia esquecer desse evento, já que o centenário em questão completou-se um dia depois do meu aniversário,  ou seja, em 21 de janeiro. Nesse dia, estava pautada a redação de um texto alusivo ao evento para este espaço, mesmo que se tratasse de simples menção. Todavia, outros assuntos se sobrepuseram (alguns a pedido de leitores), o tempo foi passando, passando e, quando me dei conta, já se passaram mais de noventa dias da ocorrência. Mas... antes tarde do que nunca. Até porque, a biografia desse maranhense, nascido em São Luís, em 14 de abril de 1857, irmão mais novo do escritor Artur Azevedo, é das mais interessantes e dignas de nota.

Seus livros mais conhecidos, e mais famosos, muitos dos quais são leitura obrigatória para alunos que prestam vestibular, são  os romances “O mulato”, “O cortiço”, “Casa de pensão”, “Filomena Borges” e “O coruja”. Mas todos os outros 18 que não citei têm seu encanto, seu valor e sua marca. Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo foi parar na literatura por vias transversas. Começou a chamar a atenção como talentoso desenhista e pintor de mão cheia, o que, em vez de lhe desviar o foco, viria a ser de suma utilidade na carreira literária. Na juventude, aliás, nem lhe passava pela cabeça dedicar-se às letras. Tanto que, incentivado pelo pai, se transferiu, em 1876, para o Rio de Janeiro, onde cursou a Academia Imperial de Belas Artes. E era muito bom no que fazia.

Começou a trabalhar em jornal como caricaturista de “O Fígaro”. Na época, nenhuma publicação impressa estampava fotografias, pois esta sequer havia sido inventada. Todas as ilustrações de matérias eram feitas por exímios ilustradores. Tudo levava a crer que Aluísio faria carreira na imprensa nessa função. Todavia, a morte do pai, ocorrida em 1878, forçou-o a retornar às pressas a São Luís para cuidar dos interesses da família.

Apesar de excelente desenhista, rabiscava, também, seus textos, provavelmente inspirado pelo irmão mais velho ou espelhando-se, mesmo que de forma inconsciente, nele. Dessa forma, escreveu, e publicou, em 1879, um primeiro romance. Intitulava-se “Lágrima de mulher”, que fez relativo sucesso. Aliás, naquele recanto tão distante da capital do País, a publicação tinha que ser excepcionalíssima para gerar alguma repercussão fora do âmbito maranhense. E não era o caso.

Contudo, animado por esse primeiro relativo êxito (mais correto seria dizer “não fracasso”), Aluísio Azevedo partiu para a segunda experiência literária da sua vida. E que experiência!!! Esta sim repercutiu, e muito, provavelmente além do que esperava e desejava. Esse novo livro foi “O mulato”, lançado em 1881, que qualquer estudante razoavelmente aplicado conhece, já leu, fez resenha e esteve às voltas com sua forma e conteúdo no vestibular. O que abalou os alicerces da conservadora sociedade de São Luís foi o teor desse romance. Nele, o então jovem escritor escancarou os vícios e, sobretudo, os preconceitos da população local, sempre negado, no entanto ostensivo. E fê-lo com realismo cru, sem censura e nem autocensura, o que chocou aquela sociedade hipócrita e discriminadora. Além de intensa polêmica, o livro causou enorme onda de indignação na capital maranhense contra o ousado escritor.

Houve toda sorte de manifestações, e não somente na imprensa, mas principalmente nela, com as mais ácidas críticas. Todavia, foram realizadas, também, várias passeatas e outros tipos de manifestações públicas de repúdio. Não era para tanto, mas... Toda aquela indignação popular, para Aluísio inesperada, indignou-o e levou-o a se mudar, em definitivo, para o Rio de Janeiro. Oito anos depois, já residindo na capital federal, ao preparar nova edição desse romance, suprimiu partes e reescreveu outras de “O mulato”, deixando o conteúdo menos contundente e menos polêmico. É esta segunda versão que ainda encontramos circulando por aí, em boas livrarias e em sebos.

Em 1895, Aluísio de Azevedo decidiu interromper de vez a carreira literária, que ia de vento em popa, para se dedicar, de corpo e alma, a outra atividade, por coincidência a mesma do pai, ou seja, à diplomacia. Atuou como diplomata por 17 anos, até a sua morte, representando o Brasil na Espanha, Inglaterra, Itália, Japão (país que o fascinou tanto que escreveu um livro sobre seus costumes), Paraguai e, finalmente, a Argentina, onde morreu, em 21 de janeiro de 1913.

Na capital portenha teve algumas passagens que chamam a atenção e merecem ser mencionadas. Uma delas foi sua convivência com Pastora Luquez, de quem adotou, de papel passado e tudo, dois filhos. Foi ali, também, que em agosto de 1912, sofreu um atropelamento, cujas seqüelas, provavelmente, causaram sua morte cinco meses depois. Seus restos mortais permaneceram sepultados em Buenos Aires por apenas cinco anos, pois, em 1918, por iniciativa de Coelho Neto, foram trasladados para sua terra natal, São Luís, onde estão até hoje. A grande contribuição de Aluísio de Azevedo à literatura brasileira foi, sob influência, principalmente, de Émile Zola, a de ter introduzido o Naturalismo entre nós. Foi, pois, pioneiro e digno de reverência e louvor.


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