Cem anos sem um ícone
naturalista
Pedro
J. Bondaczuk
Em janeiro deste 2013
completaram-se cem anos da morte de um dos mais importantes escritores
brasileiros, ícone do Naturalismo no Brasil. Todavia, por um desses lamentáveis
lapsos, tão comuns entre nós, a data foi virtualmente (para não dizer
literalmente) ignorada pelos meios de comunicação e por veículos (poucos)
dedicados à cultura e às artes (notadamente à Literatura) de todo o País. Refiro-me ao escritor maranhense, filho do
vice-cônsul português David Gonçalves de Azevedo, Aluísio de Azevedo. Para
ressaltar sua importância basta lembrar que foi um dos fundadores da Academia
Brasileira de Letras e que se tornou titular e primeiro ocupante da cadeira de
número 4. Legou à posteridade, 23 livros, entre romances, contos, peças
teatrais, cartas etc.
Também não registrei a
data, mas asseguro-lhes que não foi por esquecimento. Nem poderia esquecer
desse evento, já que o centenário em questão completou-se um dia depois do meu
aniversário, ou seja, em 21 de janeiro.
Nesse dia, estava pautada a redação de um texto alusivo ao evento para este
espaço, mesmo que se tratasse de simples menção. Todavia, outros assuntos se
sobrepuseram (alguns a pedido de leitores), o tempo foi passando, passando e,
quando me dei conta, já se passaram mais de noventa dias da ocorrência. Mas...
antes tarde do que nunca. Até porque, a biografia desse maranhense, nascido em
São Luís, em 14 de abril de 1857, irmão mais novo do escritor Artur Azevedo, é
das mais interessantes e dignas de nota.
Seus livros mais
conhecidos, e mais famosos, muitos dos quais são leitura obrigatória para
alunos que prestam vestibular, são os
romances “O mulato”, “O cortiço”, “Casa de pensão”, “Filomena Borges” e “O
coruja”. Mas todos os outros 18 que não citei têm seu encanto, seu valor e sua
marca. Aluísio Tancredo Belo Gonçalves de Azevedo foi parar na literatura por
vias transversas. Começou a chamar a atenção como talentoso desenhista e pintor
de mão cheia, o que, em vez de lhe desviar o foco, viria a ser de suma
utilidade na carreira literária. Na juventude, aliás, nem lhe passava pela
cabeça dedicar-se às letras. Tanto que, incentivado pelo pai, se transferiu, em
1876, para o Rio de Janeiro, onde cursou a Academia Imperial de Belas Artes. E
era muito bom no que fazia.
Começou a trabalhar em
jornal como caricaturista de “O Fígaro”. Na época, nenhuma publicação impressa
estampava fotografias, pois esta sequer havia sido inventada. Todas as
ilustrações de matérias eram feitas por exímios ilustradores. Tudo levava a
crer que Aluísio faria carreira na imprensa nessa função. Todavia, a morte do
pai, ocorrida em 1878, forçou-o a retornar às pressas a São Luís para cuidar
dos interesses da família.
Apesar de excelente
desenhista, rabiscava, também, seus textos, provavelmente inspirado pelo irmão
mais velho ou espelhando-se, mesmo que de forma inconsciente, nele. Dessa
forma, escreveu, e publicou, em 1879, um primeiro romance. Intitulava-se
“Lágrima de mulher”, que fez relativo sucesso. Aliás, naquele recanto tão
distante da capital do País, a publicação tinha que ser excepcionalíssima para gerar
alguma repercussão fora do âmbito maranhense. E não era o caso.
Contudo, animado por
esse primeiro relativo êxito (mais correto seria dizer “não fracasso”), Aluísio
Azevedo partiu para a segunda experiência literária da sua vida. E que
experiência!!! Esta sim repercutiu, e muito, provavelmente além do que esperava
e desejava. Esse novo livro foi “O mulato”, lançado em 1881, que qualquer
estudante razoavelmente aplicado conhece, já leu, fez resenha e esteve às
voltas com sua forma e conteúdo no vestibular. O que abalou os alicerces da
conservadora sociedade de São Luís foi o teor desse romance. Nele, o então
jovem escritor escancarou os vícios e, sobretudo, os preconceitos da população
local, sempre negado, no entanto ostensivo. E fê-lo com realismo cru, sem
censura e nem autocensura, o que chocou aquela sociedade hipócrita e
discriminadora. Além de intensa polêmica, o livro causou enorme onda de
indignação na capital maranhense contra o ousado escritor.
Houve toda sorte de
manifestações, e não somente na imprensa, mas principalmente nela, com as mais
ácidas críticas. Todavia, foram realizadas, também, várias passeatas e outros
tipos de manifestações públicas de repúdio. Não era para tanto, mas... Toda
aquela indignação popular, para Aluísio inesperada, indignou-o e levou-o a se
mudar, em definitivo, para o Rio de Janeiro. Oito anos depois, já residindo na
capital federal, ao preparar nova edição desse romance, suprimiu partes e
reescreveu outras de “O mulato”, deixando o conteúdo menos contundente e menos
polêmico. É esta segunda versão que ainda encontramos circulando por aí, em
boas livrarias e em sebos.
Em 1895, Aluísio de
Azevedo decidiu interromper de vez a carreira literária, que ia de vento em
popa, para se dedicar, de corpo e alma, a outra atividade, por coincidência a
mesma do pai, ou seja, à diplomacia. Atuou como diplomata por 17 anos, até a
sua morte, representando o Brasil na Espanha, Inglaterra, Itália, Japão (país
que o fascinou tanto que escreveu um livro sobre seus costumes), Paraguai e, finalmente,
a Argentina, onde morreu, em 21 de janeiro de 1913.
Na capital portenha
teve algumas passagens que chamam a atenção e merecem ser mencionadas. Uma
delas foi sua convivência com Pastora Luquez, de quem adotou, de papel passado
e tudo, dois filhos. Foi ali, também, que em agosto de 1912, sofreu um
atropelamento, cujas seqüelas, provavelmente, causaram sua morte cinco meses
depois. Seus restos mortais permaneceram sepultados em Buenos Aires por apenas
cinco anos, pois, em 1918, por iniciativa de Coelho Neto, foram trasladados
para sua terra natal, São Luís, onde estão até hoje. A grande contribuição de
Aluísio de Azevedo à literatura brasileira foi, sob influência, principalmente,
de Émile Zola, a de ter introduzido o Naturalismo entre nós. Foi, pois,
pioneiro e digno de reverência e louvor.
No comments:
Post a Comment