Meditar
é preciso 1
Pedro J. Bondaczuk
O
hábito da meditação é dos mais saudáveis, posto que poucas pessoas cultivem-no.
Não me refiro ao exercício esporádico de autoconhecimento, feito uma vez ou
outra, por acaso, quando nos dê na veneta. Isso quase todo mundo faz. Ou seja,
pontualmente, vez por outra. Esse tipo de meditação tem pouca eficácia, se é
que tem alguma. Quando falo em hábito, refiro-me a uma dedicação plena, diária,
insubstituível, a um ato tão rotineiro quanto tomar banho e escovar os dentes
todas as manhãs, por exemplo, e como outras tantas ações indispensáveis à
higiene e à manutenção da saúde.
Desenvolvi
esse costume há praticamente meio século e nunca, em circunstância alguma e em
nenhum lugar, abri mão dele. Não saberia encarar os desafios do dia sem esse
exercício espiritual. Não sou, óbvio, como os gurus indianos que passam horas e
horas em meditação, indiferentes à marcha do tempo. Agir assim, aliás, seria
totalmente inviável no mundo moderno, caracterizado pela correria e por inúmeros
compromissos de todas as naturezas. Dedico poucos minutos a essa prática, mas
creio que muito bem aproveitados. São só cinco. Mas são diários, imediatamente
após o despertar e antes de fazer a higiene pessoal. É o quanto basta. Pelo
menos é o tempo que me é suficiente.
Não
sei qual o método adotado pelos que têm o mesmo hábito (se é que têm algum),
mas, da minha parte, utilizo como “estopim” que deflagra a meditação de cada
dia a leitura de alguma página, escolhida a esmo, de um dos cinco livros que sempre
mantenho no lugar que considero mais nobre da casa (pelo menos é o mais
íntimo): meu criado-mudo. E eles não são, sempre, os mesmos. Renovo-os,
periodicamente, mas sem tempo certo para a renovação. Pode ser que renove no
prazo de um mês ou, não raro, até de dois ou três anos. Faço-o exclusivamente
por impulso (ou seria inspiração?).
Os
critérios de escolha são muito pessoais. Refletem, óbvio, minhas preferências
literárias. Para o leitor ter idéia do
que me serve, atualmente, de “gancho” para meditação diária, informo que, os
cinco livros, que hoje ocupam esse lugar nobre, são: “A arte da felicidade”, do
Dalai Lama; “História universal da infâmia”, de Jorge Luís Borges”;
“Desobedecendo”, de Henry David Thoreau; “Eu e outras poesias”, de Augusto dos
Anjos e...”Albas e serenas”, de Mauro Sampaio. Este último, é o mais utilizado
e já está sobre meu criado-mudo há sete anos!
Parece
exagero, mas não é. Se você é meu leitor constante, sabe do apreço que tenho
por este poeta, já falecido, de quem tive o privilégio e a honra de ser amigo.
Leio-o, com constância. Todavia, faço-o não apenas pela amizade que lhe devotei
e que devoto, posto que agora apenas à sua memória. Seus poemas são, além de
belos, profundos. São apropriados à meditação.
"A
missão da poesia é a de queimar com o verbo os corações", afirmou um dia o
escritor russo, Fedor Dostoievski. Essa feliz observação serve, a caráter, para
definir a obra de Mauro Sampaio. E
"Albas e Serenas", entre os tantos livros que ele publicou,
preenche aquela condição proposta por Mário Quintana: a de que "a poesia deve ser como um soco
na alma". Ou seja, não pode passar despercebida. Precisa surpreender,
sacudir, induzir ao raciocínio, depois de haver provocado emoção. É o que a
poesia de Mauro faz.
Sinta
o leitor o lirismo destes versos e a profunda verdade que contêm:
"Não sei se fui menino de rua.
A vida engole
até as pequenas ruas de nosso
destino".
Ou
destes:
"Como são frágeis
as eternas saudades!
Bem-aventurado o tempo!".
Ou
destes outros:
"Multiplica-te em pedaços,
terás a força dos ventos.
Teus braços serão mais longos
que o infinito.
Serás eterno".
O
que mais eu poderia acrescentar, diante de tanta verdade, dita com tamanha
elegância e maestria? Só me resta a saudável surpresa, o sentir o coração
queimando, o deliciar-me com a indescritível sensação que o belo produz.
Fernando Pessoa, num de seus livros, constatou que "a poesia é espanto,
admiração, como de um ser tombado dos céus, a tomar plena consciência da sua
queda, atônito, diante das coisas. Como se alguém que conhecesse a alma das
coisas e lutasse para recordar esses conhecimentos, lembrando-se de que não era
assim que as conhecia, não sob aquelas formas e aquelas condições, mas de nada
mais se recordando".
Os versos de Mauro
Sampaio, ao contrário de vários mistificadores, não são pedantes, cifrados,
voltados apenas para um grupo de iniciados. São fáceis de entender e,
sobretudo, não deixam jamais o leitor indiferente. Despertam emoções,
lembranças, meditações. Como este pequeno (na extensão) poema intitulado
"Guache":
"Sobre a mesa do bar,
um copo enorme
explode ternura".
O que se pode
acrescentar a esta pérola, que não a macule? Devo ressaltar que a empolgação
com "Albas e Serenas" não é exclusivamente minha. Há uns quinze anos,
se não me falha a memória, o escritor Eustáquio Gomes publicou, no Correio
Popular, belíssima crônica enfocando a poética de Mauro Sampaio e,
particularmente, este livro. Vários dos seus poemas soam como aforismos, ideais
para meditar sobre temas tanto aparentemente triviais, quanto os
transcendentais. Um exemplo é "O Sábio":
"Nem sempre o
apogeu
está no topo da
montanha".
Ou o
"Desaponto":
"Criei-te impossível:
Amo-te infeliz e entristecido".
Ou
"Posse":
"Nada é inteiramente meu.
- Há qualquer coisa de estranho em mim".
Eu
acrescentaria sem pestanejar: “há mesmo”. Mas se trata de talento, de
sensibilidade, de competência, de habilidade no manejo da língua portuguesa, na
difícil, e às vezes ingrata, tarefa de transmitir sentimentos. Diz Mauro, no
poema "Para o Alto":
"O poeta fala das estrelas,
não por pairarem no alto.
O poeta fala das estrelas,
não por descerem
e pisarem o chão.
O poeta fala das estrelas porque as
alcança".
É
bem o caso de Mauro Sampaio... Ele as alcançou, facilmente, com as mãos. E, não
contente, foi morar, para sempre, em uma delas. Cultive o hábito da meditação,
caro leitor, seja você escritor ou não. Faço-o com ou sem método, não importa.
Mas torne-a atividade inadiável, permanente, constante, diária e, sobretudo,
prazerosa, o que ela, de fato, é. Tente e verá como seus dias serão sempre
claros, tépidos e luminosos, mesmo quando nuvens escuras encobrirem o céu e
ventos raivosos ameaçarem acabar com a sua paz.
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