Saturday, July 06, 2013

Direto do Arquivo

Decepção dos anos 80



Pedro J. Bondaczuk


O líder chinês, Deng Xiaoping, será catalogado pelos historiadores deste quarto final do século XX, entre outras coisas, como a maior decepção política, para o seu povo e para a comunidade internacional, deste dramático período. Assim que ascendeu ao poder, em meados dos anos 60, na esteira do desaparecimento do mentor da Grande Marcha, Mao Tsé-Tung, ele chegou a dar a impressão de ser o enviado do destino, o homem que tenderia a fazer da mais populosa nação do Planeta, que abriga um quinto de toda a comunidade humana em seu território, uma parceira na construção de um mundo melhor, ao invés de antagonista dos povos que amam a liberdade. Neste mês de abril completa-se somente um ano que a sua máscara de democrata, de reformador, de um liberal começou a cair. Durante anos a fio a mídia internacional passou por cima de uma série de irregularidades cometidas por Deng Xiaoping, especialmente no que se refere a direitos humanos.

Não foi o primeiro, mas talvez seja o último, erro de avaliação da imprensa ocidental acerca de um político. Podemos citar, por exemplo, o ex-ditador romeno Nicolae Ceausescu, tido e havido por vários comentaristas de renome, respeitados por suas opiniões, como um "quase democrata", na então "Galáxia Vermelha" que orbitava ao redor da União Soviética de Leonid Brezhnev. Após a revolução de dezembro de 1989, todavia, a comunidade mundial pôde constatar, estarrecida, o quanto esteve mal informada, por tanto tempo, acerca desse truculento homem público.

Com Deng, a coisa foi até pior. Em primeiro lugar, pelas próprias dimensões e importância do seu país. Em segundo, pelas expectativas que ele gerou, induzindo muita gente ao erro. O Ocidente investiu maciçamente em território chinês, confiante de que seu capital estaria seguro, já que no entender da maioria, as tímidas reformas liberalizantes, no plano da economia, seriam irreversíveis e acompanhadas das correspondentes mudanças políticas. Os acontecimentos de abril, maio e início de junho de 1989, principalmente, mostraram como todos estavam tragicamente enganados.

No campo econômico, bastou o mercado começar a funcionar, fazendo surgir um surto inflacionário, um tanto tímido, para que os economistas do governo tremessem nas bases. No aspecto político, a primeira manifestação de grandes proporções, que poderia ter sido facilmente esvaziada com algumas concessões, mesmo que diminutas, produziu aquele espetáculo dantesco do massacre da Praça da Paz Celestial. Agora Deng sai definitivamente do palco, para dar lugar a outros protagonistas, na tragédia representada no país mais populoso do mundo. E já vai tarde, levando consigo uma enorme decepção de parte considerável de toda a humanidade.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 4 de abril de 1990)


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