Mês paradigmático
Pedro J. Bondaczuk
O mês de julho é
pródigo em acontecimentos relevantes para Campinas, cidade que amo de paixão,
da qual sou, com muito orgulho, “filho adotivo”, há já 53 anos e da qual nunca,
nem remotamente, sequer cogitei de me mudar. Para quê, se aqui encontro tudo o
que preciso para viver bem, com respeito e dignidade, principalmente o que mais
prezo na vida: reconhecimento? Sim, sou reconhecido por meus irmãos
campineiros, aos quais me empenho em retribuir com o que de melhor possuo. Mas,
voltando a julho, considero-o, por todos os motivos possíveis e imagináveis,
como um “mês paradigmático” para esta metrópole interiorana, de um milhão e cem
mil habitantes.
Estas reflexões,
todavia, não se destinam a expressar meu amor por Campinas. Este expresso no
dia a dia, como jornalista, escritor e, principalmente, como cidadão. Objetivo,
sim, ressaltar a importância do mês de julho para a cidade. Por que? Porque,
por exemplo, este período do ano é destinado a reverenciar a memória de um dos
campineiros mais ilustres, Guilherme de Almeida, eleito, tempos atrás, em
votação popular, como “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, que ele sempre foi até
sua morte. O talentoso filho de Campinas ganhou, anualmente, no mês em que nos
deixou para “habitar as estrelas”, para “ficar
encantado”, toda uma semana de eventos rememorativos. Como se vê, nem todos os
brasileiros sofrem de fatal “amnésia” em relação às suas personalidades de
destaque. O campineiro, pelo menos, tem memória em relação aos que merecem ser
lembrados (e reverenciados).
Mas julho é importante
para Campinas não apenas por marcar uma perda irreparável, a de Guilherme de
Almeida, pois este continua vivíssimo, posto que apenas em espírito, na sua
vasta e magnífica obra poética. O mês marca, também (e principalmente), o
próprio aniversário de fundação da cidade, cujo 239° ano de “nascimento” será
comemorado neste domingo, dia 14. Somente estas duas datas já seriam mais do
que suficientes para que o campineiro considerasse este período de cada ano
muito especial. Todavia, ainda há um terceiro evento, tão importante quanto os
dois citados, para ampliar ainda mais a importância de julho para Campinas.
Há 147 anos –
completados ontem, numa ensolarada, mas gélida quinta-feira, dia 11 – nascia,
em uma casa modesta desta cidade, situada na atual Rua Regente Feijó, o maior
gênio musical das Américas e, sem nenhum exagero, do mundo. Refiro-me a Antonio
Carlos Gomes, o “Nhô Tonico”, apelido com que assinava os muitos autógrafos que
deu em vida. Não mencionarei seus dados biográficos, porquanto não é este o
objetivo destas (emotivas) reflexões. Ademais, escritores muito mais famosos e
gabaritados do que eu publicaram inúmeros livros a propósito. Desconfio, até,
que Carlos Gomes seja uma das personalidades brasileiras mais biografadas de
todas.
Aliás, a propósito,
recomendo um livro em particular, que além de tratar da biografia do “gênio
musical das Américas”, analisa, minuciosamente, suas principais composições.
Refiro-me a “Carlos Gomes”, de autoria do crítico e professor de História da
Música da ECA/USP, Lorenzo Mammi. A obra integra a coleção “Folha Explica”, do
jornal “Folha de São Paulo”. É leitura que recomendo de olhos fechados, pela
riqueza de conteúdo e pela perícia com que o assunto é tratado.
Não há quem não tenha
jamais lido ou ouvido qualquer referência ao “Tonico de Campinas”, como também
era chamado. Mesmo os que nunca ouviram nenhuma composição de música erudita e
não conheçam rigorosamente nada a propósito (infelizmente, a maioria dos
brasileiros), já ouviram, com certeza, alguma vez (inúmeras vezes) os acordes
iniciais, que os técnicos chamam de “protofonia”, da principal obra do ilustre
campineiro: “O Guarani”. Basta que tenham ouvido, uma vez que seja, o boletim
noticioso oficial, em cadeia nacional de rádio, a tal da “Voz do Brasil”, que é
introduzido, diariamente, com esses acordes, para que saibam, mesmo que
infimamente, como era sua forma de compor.
Agora respondam: se
Carlos Gomes não fosse o gênio que foi, seria esta a introdução desse programa
diário? Claro que não! Considero essa escolha como homenagem nacional (mesmo
que não fosse essa a intenção) de um brasileiro que brilhou nos grandes centros
culturais da Europa quando tudo o que se referisse a Brasil era considerado
bizarro e selvagem. Em alguns lugares do mundo ainda é, mas a globalização e a
internet começam a mudar isso.
E “O Guarani” não é a
única obra genial do compositor campineiro. Há muitos artistas (de todas as
artes) que acertam a mão, de cara, logo na primeira de suas produções, com a
qual se consagram e se perpetuam, sem fazer nada mais que mereça consideração
pelo resto da vida. Não é o caso, todavia, de Carlos Gomes. Somente de óperas
(sem contar composições de outros gêneros musicais), o “gênio das Américas”
legou outras nove à posteridade, a saber: “A noite do castelo” (1861), “Joana
de Flandres” (1863), “Fosca” (1873), “Salcador Rosa (1874), “Maria Tudor”
(1879), “O escravo” (1889), “Condor” (1891) e “Colombo” (1892).
O leitor atento
certamente notou que me referi a nove óperas, mas que nomeei apenas oito.
Deixei, de propósito, a nona para o final, por se tratar da minha predileta,
que ouço, todos os anos, por ocasião do aniversário da cidade. “Adotei-a”, como
se fosse, legitimamente minha, para homenagear minha urbe de adoção e que se
intitula, apropriadamente, “Minha Campinas”. Ouçam-na, se tiverem oportunidade,
e entenderão o motivo da minha passional opção.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment