Fórmula de sanidade
Pedro
J. Bondaczuk
“Nós nunca somos tão
desamparadamente infelizes como quando perdemos um amor”. Quem disse isso não
foi nenhum poeta (não, pelo menos, considerado como tal, embora o autor dessa
observação tenha sido, à sua maneira, poeta sim senhores). Foi um médico
sisudo, um pesquisador da mente humana, um “xereta” da alma à cata de seus
segredos e mistérios. O leitor perspicaz já percebeu a quem me refiro. Foi ele
mesmo, o “Pai da Psicanálise”, Sigmund Freud, o autor dessa peremptória
afirmação. Afirmou e não se limitou a divagar em torno do assunto. Essa
constatação nem se deu em contexto literário, ou mais especificamente, poético
(embora coubesse como uma luva nele). Foi conseqüência de meticulosa e
sistemática observação de um cientista. Portanto, trata-se de conclusão
racional, posto que referente a algo superior, em termos de intensidade, à
razão: a emoção.
Mas o que mais me
chamou a atenção, no caso, foi o arremate dado por Freud, que se adequaria, sem
causar nenhum espanto, na boca de um poeta, mas que se tratou de uma espécie de
receita, de “terapia”, de remédio receitado por um médico, após fazer o
diagnóstico e identificar a anomalia que procurou na consulta (na verdade, em
“n” consultas): “Em última análise, precisamos amar para não adoecer”. E não
precisamos? Quem perde um amor, não importa o motivo da perda – se por morte,
se por conclusão da (o) parceiro (a) que não era o que queria, se por amor
próprio ferido ou se por qualquer outra causa – no primeiro momento de dor e
não raro de espanto, acha que não. Que não conseguirá amar a mais ninguém.
Claro que conseguirá. E não somente “uma” outra pessoa, mas uma dezena, uma
centena, quiçá um milhar delas, dependendo das sempre aleatórias e não raro
voláteis circunstâncias.
Há quem fique com
cicatrizes tão profundas na alma, em decorrência da perda, que adoeça
literalmente. Há, até, casos extremos em que pessoas morrem por causa disso.
Tempos atrás, publiquei uma crônica tratando desse assunto e citando exemplos
de indivíduos fisicamente sadios antes da ruptura de um relacionamento, que
morreram pouco após este ocorrer. E de puro desgosto. O ideal, de acordo com o
poeta Alfred de Musset (e os poetas sabem como ninguém desses assuntos
atinentes a sentimentos), seria que ambos amantes, caso o amor terminasse,
deixassem de amar, um ao outro, simultaneamente. É raro isso acontecer?
Raríssimo! Mas é impossível? Claro que não! Musset escreveu: “Se duas pessoas começam a se amar ao mesmo
tempo, é uma grande felicidade. Porém maior ainda é quando deixam de se amar
também ao mesmo tempo”. Nessa circunstância, claro que o poeta tem razão.
Contudo, não é fácil esquecer. Entendo, até, que sequer é necessário.
Posso, por exemplo, amar várias pessoas simultaneamente (conheço inúmeros casos
assim) e ainda assim manter-me fiel, pelo menos em termos de relacionamento, a
uma única e específica, que me corresponda plenamente e me satisfaça física e
emocionalmente. Não considero isso como infidelidade, até porque é impossível
controlar e direcionar sentimentos. Se há uma questão em que o ID se torna
soberano e sobrepuja tanto o Ego, quanto (e principalmente) o Superego, é esta.
Ademais, Pablo Neruda não deixa de ter razão quando constata, neste verso de um
de seus tantos poemas: “É tão curto o amor, e é tão longo o esquecimento”. Às
vezes prolonga-se tanto que vai além da nossa vida. Ou seja, não ocorre nunca
enquanto vivermos.
Mais sensato é cultivar o amor, no dia a dia, e assim impedir que ele
esfrie, congele e desapareça unilateralmente. Se desaparecer de forma
simultânea, tudo bem. Poupará sofrimentos aos parceiros. Caso contrário...
Recorro a outro poeta, no caso Affonso Romano de Sant’Anna, que fez algumas
sensatas recomendações para manter a chama do amor sempre viva. Pincei de sua
crônica “Aprendendo a amar” este trecho, que considero o mais enfático (e útil)
desse belíssimo texto:
“Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça
coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe
alegre. Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se
cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar
sempre, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama
toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser
toda atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando
o que deixou de ter”. E não é?
Sofrendo com eventual perda ou não, correndo todos os riscos inerentes
à necessidade de reciprocidade para se realizar, faço minhas as recomendações
de Sigmund Freud, que entendia, como poucos, o poder das emoções: “Em
última análise, precisamos amar para não adoecer”. Ame, pois, e ame muito para
conservar a saúde física e, sobretudo, a mental. Cultive seu amor no dia a dia,
para que não murche, não esfrie e não pereça. E seja feliz, nos limites da
possibilidade de sê-lo.
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