Excentricidade tem limite
Pedro J. Bondaczuk
O
grupo guerrilheiro colombiano Movimento 19 de Abril, o malfadado M-19, desde o
seu surgimento caracterizou-se por ações espetaculosas. Por exemplo, foi um dos
primeiros, pelo menos em termos de América Latina, a ocupar estações de rádio
para divulgar comunicados, visando a sublevar a população. Certa feita invadiu
uma universidade, apenas para que um de seus membros pudesse fazer uma
"preleção" aos estudantes. E realizou outras tantas "gracinhas"
mais, desse mesmo tipo. Entretanto, com a invasão ao Palácio da Justiça de
Bogotá e com o seqüestro do presidente da Corte Suprema da Colômbia, eles foram
longe demais. E podem estar certos que nem os outros grupos ilegais do país,
que buscam na violência cega e irracional a solução para os problemas
colombianos (que são semelhantes aos de todo o Terceiro Mundo) estão rindo
dessa "peraltice" sangrenta. E nem poderiam.
O
que causa espanto é a afirmação do representante do M-19 na Europa, Eduardo
Rodriguez, que divulgou ontem em Madri um comunicado no mínimo surrealista.
Disse ele, em certo trecho, que "com o assalto ao Palácio da Justiça
pretendíamos mostrar ao mundo que era necessária a paz e procurávamos o diálogo
direto com o presidente Belisário Betancur". Como se para conversar com
algum meu desafeto eu precise invadir sua casa, submeter ao cativeiro sua
família, destruir tudo o que ele possui e ainda assim esperar que o mesmo me
compreenda. Isso, francamente, não cabe na cabeça de ninguém. E desrespeitar o
Judiciário, um dos três poderes soberanos de uma República, não pode jamais ser
uma brincadeira. Nem mesmo de loucos.
Quisessem
os guerrilheiros do M-19 um diálogo com o governo, teriam respeitado a trégua
que fizeram com o presidente colombiano em 24 de agosto do ano passado. Naquela
oportunidade, os sinos de Bogotá e das grandes cidades repicaram em regozijo
pelo fim da violência na Colômbia. A esperança falou mais alto do que o
realismo. Comentávamos, então, neste mesmo espaço, que o processo, para ser
levado a cabo com sucesso, requeria sinceridade e confiança mútuas. Uma das
partes, todavia, rompeu unilateralmente esse pressuposto. E essa não foi o
presidente Betancur, que se expôs às duras críticas da oposição mas assim mesmo
anistiou os extremistas. Inclusive vários dos que participaram das estrepolias
iniciadas anteontem, e cujo desfecho, até a noite de ontem, ainda era incerto.
Os
guerrilheiros pensaram repetir agora as pantomimas que protagonizaram em
fevereiro de 1980 (dia 27), quando tomaram para reféns 14 embaixadores no
interior da Embaixada da República Dominicana em Bogotá. Entre estes
estavam o brasileiro Geraldo Eulálio Nascimento e Silva e o norte-americano
Diego Ascêncio, servindo atualmente no Brasil. Na ocasião, o M-19 humilhou o
presidente Júlio César Turbay Ayalla. Impôs o que bem entendeu e acabou obtendo
tudo. Até uma elevada importância em dinheiro e salvo-conduto para ir a Cuba.
Mas
na oportunidade, os próprios EUA passavam por um drama de seqüestro de
diplomatas, tendo 52 de seus cidadãos cativos dos fundamentalistas iranianos em
sua missão de Teerã. Isto é, os vários governos visados pelas guerrilhas ainda
não dispunham de "know-how" para sair desse tipo de enrascada. Jimmy
Carter estava na Casa Branca e se perdia em vacilações, que serviam de
estímulos ao terror. Tudo favorecia aos extremistas.
Hoje,
a situação é totalmente diversa. Até um Yasser Arafat (mesmo que por meras
razões estratégicas) vem a público, como o fez ontem, para condenar o
terrorismo. À testa do governo norte-americano está um homem disposto a tudo,
até a "infringir a lei internacional", para punir os seqüestradores,
conforme o próprio Reagan afirmou na semana passada à BBC de Londres. Nem um
Khadafy, tido e havido como um líder acostumado a lançar mão desse expediente
criminoso, deixou de recriminar ontem os seqüestradores. Onde, pois, o M-19
esperava buscar respaldo para se livrar dessa sinistra "peraltice" de
anteontem? E ainda tem coragem de afirmar que o seu desejo é o diálogo?! Ora,
ora, ora...
(Artigo publicado na página 9,
Internacional, do Correio Popular, em 8 de novembro de 1985)
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