Tuesday, July 09, 2013

Excentricidade tem limite 

Pedro J. Bondaczuk
  
O grupo guerrilheiro colombiano Movimento 19 de Abril, o malfadado M-19, desde o seu surgimento caracterizou-se por ações espetaculosas. Por exemplo, foi um dos primeiros, pelo menos em termos de América Latina, a ocupar estações de rádio para divulgar comunicados, visando a sublevar a população. Certa feita invadiu uma universidade, apenas para que um de seus membros pudesse fazer uma "preleção" aos estudantes. E realizou outras tantas "gracinhas" mais, desse mesmo tipo. Entretanto, com a invasão ao Palácio da Justiça de Bogotá e com o seqüestro do presidente da Corte Suprema da Colômbia, eles foram longe demais. E podem estar certos que nem os outros grupos ilegais do país, que buscam na violência cega e irracional a solução para os problemas colombianos (que são semelhantes aos de todo o Terceiro Mundo) estão rindo dessa "peraltice" sangrenta. E nem poderiam.

O que causa espanto é a afirmação do representante do M-19 na Europa, Eduardo Rodriguez, que divulgou ontem em Madri um comunicado no mínimo surrealista. Disse ele, em certo trecho, que "com o assalto ao Palácio da Justiça pretendíamos mostrar ao mundo que era necessária a paz e procurávamos o diálogo direto com o presidente Belisário Betancur". Como se para conversar com algum meu desafeto eu precise invadir sua casa, submeter ao cativeiro sua família, destruir tudo o que ele possui e ainda assim esperar que o mesmo me compreenda. Isso, francamente, não cabe na cabeça de ninguém. E desrespeitar o Judiciário, um dos três poderes soberanos de uma República, não pode jamais ser uma brincadeira. Nem mesmo de loucos.

Quisessem os guerrilheiros do M-19 um diálogo com o governo, teriam respeitado a trégua que fizeram com o presidente colombiano em 24 de agosto do ano passado. Naquela oportunidade, os sinos de Bogotá e das grandes cidades repicaram em regozijo pelo fim da violência na Colômbia. A esperança falou mais alto do que o realismo. Comentávamos, então, neste mesmo espaço, que o processo, para ser levado a cabo com sucesso, requeria sinceridade e confiança mútuas. Uma das partes, todavia, rompeu unilateralmente esse pressuposto. E essa não foi o presidente Betancur, que se expôs às duras críticas da oposição mas assim mesmo anistiou os extremistas. Inclusive vários dos que participaram das estrepolias iniciadas anteontem, e cujo desfecho, até a noite de ontem, ainda era incerto.

Os guerrilheiros pensaram repetir agora as pantomimas que protagonizaram em fevereiro de 1980 (dia 27), quando tomaram para reféns 14 embaixadores no interior da Embaixada da República Dominicana em Bogotá. Entre estes estavam o brasileiro Geraldo Eulálio Nascimento e Silva e o norte-americano Diego Ascêncio, servindo atualmente no Brasil. Na ocasião, o M-19 humilhou o presidente Júlio César Turbay Ayalla. Impôs o que bem entendeu e acabou obtendo tudo. Até uma elevada importância em dinheiro e salvo-conduto para ir a Cuba.

Mas na oportunidade, os próprios EUA passavam por um drama de seqüestro de diplomatas, tendo 52 de seus cidadãos cativos dos fundamentalistas iranianos em sua missão de Teerã. Isto é, os vários governos visados pelas guerrilhas ainda não dispunham de "know-how" para sair desse tipo de enrascada. Jimmy Carter estava na Casa Branca e se perdia em vacilações, que serviam de estímulos ao terror. Tudo favorecia aos extremistas.

Hoje, a situação é totalmente diversa. Até um Yasser Arafat (mesmo que por meras razões estratégicas) vem a público, como o fez ontem, para condenar o terrorismo. À testa do governo norte-americano está um homem disposto a tudo, até a "infringir a lei internacional", para punir os seqüestradores, conforme o próprio Reagan afirmou na semana passada à BBC de Londres. Nem um Khadafy, tido e havido como um líder acostumado a lançar mão desse expediente criminoso, deixou de recriminar ontem os seqüestradores. Onde, pois, o M-19 esperava buscar respaldo para se livrar dessa sinistra "peraltice" de anteontem? E ainda tem coragem de afirmar que o seu desejo é o diálogo?! Ora, ora, ora...

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 8 de novembro de 1985)


  
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