Apaixonada e
apaixonante
Pedro
J. Bondaczuk
A filha caçula de
Sigmund Freud foi uma mulher apaixonada e apaixonante. No primeiro caso, sua
paixão maior, da qual jamais abriu mão, foi pelas crianças, notadamente as
carentes e com distúrbios psíquicos. No segundo, foi amada por vários
pretendentes, embora não tenha se casado com nenhum. Anna Freud foi,
involuntariamente, inclusive, pivô de uma séria crise entre Sigmund Freud e um
de seus mais fieis discípulos, Alfred Ernest Jones (que se tornaria, anos mais
tarde, o biógrafo oficial do “Pai da Psicanálise”), que quase os levou à
ruptura. Ambos, todavia, superaram essa divergência e continuaram amigos. Mas
tiveram uma azeda discussão na época.
O incidente ocorreu em
1913, quando de uma viagem de pai e filha a Londres. Tratou-se de um “quase
affaire” sentimental. É melhor explicar logo. Anna era uma mulher bonita, sem
dúvida. Atraía os olhares masculinos com freqüência, mesmo se eventualmente não
quisesse (e nem sei se esse era o caso). Na oportunidade em que este fato
ocorreu, Jones era solteiro, mas amante de Loe Kann, cujo relacionamento não
andava, lá, às mil maravilhas. Pelo contrário. Ambos pareciam enfastiados um do
outro, embora permanecessem juntos. Ela
estava, então, sendo analisada por Freud. Ocorre que Jones começou a cortejar
Anna, secretamente. Achava que ninguém soubesse, a não ser eles dois, claro.
Estava enganado. Não contava com a capacidade de observação feminina,
notadamente de uma mulher enganada, ou, no caso, talvez prestes a sê-lo.
Diga-se, a bem da
verdade, que Anna (ao que consta) não correspondia ao assédio do infiel
psicanalista. Loe, todavia, soube das investidas do amante sobre a filha de seu
analista. E contou tudo para Freud, provavelmente em uma das sessões de
análise. Para quê! O velho mestre ficou furioso! Chamou Jones às falas e
fez-lhe sérias advertências. Muitos atribuem sua reação a um profundo ciúme da
filha, o que ele sempre negou. Coincidência ou não, todavia, a partir de então
Freud passou a desviar, sob um pretexto ou outro, todos os possíveis
pretendentes de Anna, e que não foram poucos, frise-se. Especialmente Hans
Lampl.
Esse médico e
psicanalista holandês, de descendência judia, foi apaixonadíssimo pela jovem
colega e parecia ser correspondido por ela. Parecia... Chegou a formalizar
pedido de casamento, mas Freud opôs-se a essa união, embora gostasse muito
desse rapaz. Temia, no entanto, seu caráter, digamos, um tanto impulsivo, a
despeito dele ser pessoa encantadora e bem humorada, de gosto refinado e amante
das artes. Anos depois, Anna admitiu que foi melhor para ela ter obedecido o
pai e não se casado com Lampl, com quem manteve, no entanto, sólida amizade.
Concluiu que o casamento não daria certo. Vá se saber!
Em relação a Jones,
Freud advertiu a filha que aceitar essa corte, de quem se mostrava tão infiel
para com Loe (com quem era amasiado), equivaleria a embarcar em uma aventura
sem futuro, com um “velho celibatário espertalhão”, como qualificou seu
discípulo. Na verdade, o caso não prosperou. Quarenta anos depois, em 1953,
todavia, Jones confidenciou a Anna que ainda a amava e que nunca deixou de
amá-la. Mas... então já era tarde para qualquer tentativa de parte a parte.
Ademais, um romance, àquela altura, não estava nos planos da filha de Sigmund
Freud, às voltas com outras preocupações mais absorventes.
Após analisar Loe, o
velho pai, ciumento e rabugento, chegou a esta conclusão: “Jones faz a corte a
Anna para vingar-se do fato de que sua amante quer deixá-lo, graças ao sucesso
do tratamento”. Seria só esse o motivo? Possivelmente não. Pelo menos a julgar
pela confissão feita quarenta anos depois, pelo velho apaixonado, de que nunca
deixou de amar a filha do seu mestre e amigo. Mas... vá se saber! Nessas coisas
do coração, não se pode ter certeza de muita coisa ou, provavelmente, de nada.
Em 1925, Anna veio a
conhecer, em Viena, uma pessoa que teria enorme influência em toda a sua vida.
Não, malicioso leitor, não foi nenhum homem, por quem tenha eventualmente se
apaixonado. Nada disso. Tratou-se de uma mulher, Dorothy Burlingham. E ela
tornou-se sua mais íntima amiga e confidente enquanto viveram. Através dessa
pessoa, inclusive, Anna realizou seu desejo instintivo de maternidade. Explico.
Praticamente “adotou” os quatro filhos de Dorothy – Bob (Robert), Mabbie (Mary),
Katrina (Tinky) e Michael (Mickey).
Tratava-se de um
quarteto problemático. Todos os quatro sofriam de distúrbios psíquicos
relativamente graves. Anna, porém, tratou-os (como ressalta um de seus
biógrafos), com um “devotamento místico”. Foi, para eles, mais do que mera
analista ou simples terapeuta. Acumulou, também, as funções de mãe e de
educadora, que exerceu com zelo e diligência por muitos e muitos anos. A
despeito desse apaixonado desvelo, no entanto, não conseguiu evitar que dois
desses “filhos postiços” tivessem fins trágicos. Bob, por exemplo, morreu em
decorrência de uma crise de asma, depois de passar longo tempo sob severa
depressão. Com Mabbie ocorreu algo pior. Ela cometeu suicídio, ingerindo dose
cavalar de medicamentos. Há casos que parecem não ter solução. Pelo menos
estes, não tiveram um desejável “happy end”.
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