Paga quem não tem culpa
As grandes transformações que estão ocorrendo no mundo, em
especial no Leste europeu, certamente deverão demorar algum tempo –
provavelmente muito – para chegar aos países terceiromundistas. Nestes ainda
impera a mentalidade medieval do feudalismo, do sistema de castas
estratificadas, onde as oportunidades de ascensão social são apregoadas, mas
nunca concedidas de fato.
As chamadas elites de tais
sociedades ainda estão com a cabeça no primeiro milênio da era cristã, quando a
humanidade já está às vésperas do terceiro. Com isso, quem sofre é o grosso da
população, que se desespera por não ver perspectivas animadoras à sua frente. E
finda por se entregar ao completo desalento.
El Salvador está passando, há dez
anos, por um drama, ao qual a opinião pública mundial não tem dado maior
atenção, a não ser quando deseja usar os acontecimentos dramáticos que ali se
desenrolam a favor das grandes potências. Para justificar vendas de armas, por
exemplo, ou por razões ideológicas.
Desde a noite de sábado passado,
a capital salvadorenha vem sendo palco de uma selvagem batalha entre dois
extremos. De um lado, os rebeldes esquerdistas, querendo depor as elites que
estão solidamente respaldadas pelos dólares de Tio Sam. De outro, a
extrema-direita, pretendendo manter um “status quo” perverso e injusto, que
fatalmente conservará esse país na miséria e numa categoria inferior dentro da
comunidade internacional.
No meio de ambos, estão as verdadeiras vítimas desse
confronto maligno, entre duas concepções de associativismo nacional fracassadas
em lugares mais civilizados. Ou seja, está a maioria esmagadora dos mais de
seis milhões de salvadorenhos, que por sinal não tem sonhos tão mirabolantes
que não sejam realizáveis em outras partes do Planeta.
Os habitantes dessa atormentada
República da América Central querem somente um pouquinho de paz, empregos que
lhes garantam o sustento digno (sem ostentações), que lhes concedam a
oportunidade de acesso à saúde, à educação e, por que não, ao consumo. Mas no
atual sistema, nada disso é acessível para o povo desse país.
Aliás, o ser humano, ali, nunca
foi encarado pelo que é, mas pelo que tem (como ademais ocorre na maioria das
sociedades arcaicas e decadentes do Terceiro Mundo). Um ex-ditador
salvadorenho, o general Maximiliano Hernandez Rodriguez, que desgraçou a vida
dessa gente até 1944, chegou a afirmar, num dos seus arroubos de filosofia
calhorda: “É maior o crime de matar uma formiga do que um homem, porque o homem
ao morrer reencarna, enquanto a formiga morre definitivamente”.
Os acontecimentos dos últimos
cinco dias em San Salvador mostram que o caudilho fez escola. Por isso é que os
seres humanos são abatidos como insetos nos sangrentos combates que se travam
em plena Capital.
(Artigo publicado na página 10,
Internacional, do Correio Popular, em 17 de novembro de 1989).
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