Sunday, July 21, 2013

Paga quem não tem culpa

 Pedro J. Bondaczuk


As grandes transformações que estão ocorrendo no mundo, em especial no Leste europeu, certamente deverão demorar algum tempo – provavelmente muito – para chegar aos países terceiromundistas. Nestes ainda impera a mentalidade medieval do feudalismo, do sistema de castas estratificadas, onde as oportunidades de ascensão social são apregoadas, mas nunca concedidas de fato.

As chamadas elites de tais sociedades ainda estão com a cabeça no primeiro milênio da era cristã, quando a humanidade já está às vésperas do terceiro. Com isso, quem sofre é o grosso da população, que se desespera por não ver perspectivas animadoras à sua frente. E finda por se entregar ao completo desalento.

El Salvador está passando, há dez anos, por um drama, ao qual a opinião pública mundial não tem dado maior atenção, a não ser quando deseja usar os acontecimentos dramáticos que ali se desenrolam a favor das grandes potências. Para justificar vendas de armas, por exemplo, ou por razões ideológicas.

Desde a noite de sábado passado, a capital salvadorenha vem sendo palco de uma selvagem batalha entre dois extremos. De um lado, os rebeldes esquerdistas, querendo depor as elites que estão solidamente respaldadas pelos dólares de Tio Sam. De outro, a extrema-direita, pretendendo manter um “status quo” perverso e injusto, que fatalmente conservará esse país na miséria e numa categoria inferior dentro da comunidade internacional.

No meio de ambos, estão as verdadeiras vítimas desse confronto maligno, entre duas concepções de associativismo nacional fracassadas em lugares mais civilizados. Ou seja, está a maioria esmagadora dos mais de seis milhões de salvadorenhos, que por sinal não tem sonhos tão mirabolantes que não sejam realizáveis em outras partes do Planeta.

Os habitantes dessa atormentada República da América Central querem somente um pouquinho de paz, empregos que lhes garantam o sustento digno (sem ostentações), que lhes concedam a oportunidade de acesso à saúde, à educação e, por que não, ao consumo. Mas no atual sistema, nada disso é acessível para o povo desse país.

Aliás, o ser humano, ali, nunca foi encarado pelo que é, mas pelo que tem (como ademais ocorre na maioria das sociedades arcaicas e decadentes do Terceiro Mundo). Um ex-ditador salvadorenho, o general Maximiliano Hernandez Rodriguez, que desgraçou a vida dessa gente até 1944, chegou a afirmar, num dos seus arroubos de filosofia calhorda: “É maior o crime de matar uma formiga do que um homem, porque o homem ao morrer reencarna, enquanto a formiga morre definitivamente”.

Os acontecimentos dos últimos cinco dias em San Salvador mostram que o caudilho fez escola. Por isso é que os seres humanos são abatidos como insetos nos sangrentos combates que se travam em plena Capital.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 17 de novembro de 1989).


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