Data de reflexão
A data de ontem, 7 de maio, marcou o fim de um dos maiores
flagelos que se abateram sobre a humanidade, em toda a sua história. Há
exatamente 40 anos, dava-se a rendição incondicional da Alemanha nazista às
forças aliadas (Estados Unidos, Grã-Bretanha, União Soviética e França), pondo
termo a um conflito que durou menos de seis anos, mas que matou quase tanta
gente quanto a epidemia de Peste Negra que grassou na Ásia, Europa e África, e
atingiu até a zona ártica, entre 1341 e 1345, tendo chegado à Islândia e à
Groenlândia.
A chamada “Morte Negra” dizimou,
no século XIV, praticamente metade da população mundial da época, tendo
vitimado 75 milhões de pessoas. A “peste nazi-fascista”, porém, uma espécie de
loucura coletiva que atingiu vasto segmento populacional, exterminou 50 milhões
de seres humanos, seis centenas de anos após, dos quais seis milhões
absolutamente indefesos, nos infernos macabros de Auschwitz, Dachau, Birkennau
e Bergen-Belsen, entre outros.
Esta é uma data que traz ótimas e
péssimas recordações. As positivas referem-se ao fim de um pesadelo que, em
certos momentos, pareceu, a todos, que jamais terminaria. As dolorosas, são as
dos sobreviventes dos campos de concentração ou de quem perdeu entes queridos durante
aquele curto (mas que chegou a parecer eterno) instante de insânia coletiva de
um povo. Mas esse dia é, também, propício a reflexões.
Assim que a Segunda Guerra
terminou, os políticos foram pródigos em pronunciamentos. A imprensa, foi farta
em análises e advertências. O mundo tornou-se repleto de promessas e de boas
intenções. Todos foram unânimes em afirmar e em repetir que jamais a humanidade
tornaria a pegar em armas para se trucidar insensatamente, pois o perigo
nazista passara.
Dizia-se que nunca mais campos de
extermínio, ignóbeis e horrendos, impossíveis de serem descritos em toda a sua
hediondez senão pelos que ali tiveram a sua provação, voltariam a existir.
Pronunciamentos, análises, advertências e promessas...Pura retórica! Meras
palavras lançadas ao vento...
Passados menos de três anos, em
1948, quase que o mundo volta a ficar conflagrado outra vez, por causa do
bloqueio soviético de Berlim. Depois, vieram as guerras da Coréia, do Vietnã,
de Biafra, do Líbano e assim por diante. Desde o grande conflito, contra as
potências do Eixo, já foram catalogados mais de duas mil guerras, levantes e
revoluções. E o número de mortos nesses combates beira ao total de vítimas do
flagelo nazista. Não aprendemos, portanto, nada.
Campos de concentração disfarçados
(e alguns até ostensivos) voltam a brotar. Manifestações racistas repetem-se,
aqui e acolá, com as pessoas já esquecidas do que elas causaram há apenas 40
anos. Quatro décadas podem parecer muito tempo, mas não são, pelo menos do
ponto de vista da História.
Regimes tão ou mais cruéis que o
nazismo aparecem, posto que localizados, restritos a determinadas áreas, sem
que se faça nada para conter a disseminação dessas ervas selvagens, daninhas e
venenosas. Até que um acontecimento fortuito (são sempre eles que deflagram as
tragédias inesquecíveis) venha a opor, quando ninguém estiver esperando,
novamente, nação contra nação, numa outra guerra mundial.
É necessária uma eterna
vigilância contra os loucos e incendiários, que hoje, como há 40 anos, existem
em profusão. Há muitos Hitlers apenas esperando uma chance para emergir.
Machado de Assis, na sua sagacidade, escreveu, certa feita, que “os
acontecimentos parecem-se com os homens. São melindrosos, ambiciosos,
impacientes, o mais pífio quer aparecer antes do mais idôneo, atropelam tudo,
sem justiça nem modéstia”.
Devemos cuidar, portanto, para
não sermos, outra vez, atropelados pelos fatos. Errar de novo, além de ser o
cúmulo da estupidez, seria, certamente, fatal para todos nós. Afinal, da
próxima vez não haverá rendições.
(Artigo publicado na
página 10, Internacional, do Correio Popular, em 6 de maio de 1985).
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