Pedro J. Bondaczuk
Dele, o compositor Ludwig van Beethoven disse que, ouvindo sua música, “até um herege” se converteria. Exagerou? Claro que não. O personagem que irei enfocar (a pedido de muitos leitores) merece, plenamente, a designação de gênio. Não raro ela é usada inadequadamente para pessoas apenas comuns. Não é o caso. Claude Debussy foi mais enfático a propósito e qualificou-o de “Deus da música”. Os dois ilustres compositores referiam-se a um mestre, que tinha melodia e harmonia nas veias: Johann Sebastian Bach.
Mesmo passados três séculos do seu nascimento e mais de dois de sua morte, ele segue, ainda, influenciando compositores (clássicos e populares) e instrumentistas mundo afora. Foi um fenômeno em sua especialidade. O célebre violoncelista Pablo Casals confessou, embevecido: “Pela manhã, no começo do meu dia, eu preciso de Bach mais do que água e comida. E isto é Bach. Eu preciso de perfeição e alegria”. Exagero? Entendo que não. Também recorro, amiúde, a este poderoso “fortificante” do espírito.
Eu poderia citar opiniões tão apaixonadas, ou mais, de outros tantos consagrados compositores (clássicos e populares) e instrumentistas, tempo e mundo afora. Como, por exemplo, o que Heitor Villa Lobos afirmou a propósito, para justificar tamanha reverência: “A música de Bach é um fundo folclórico de todas as nações”. Só não a aprecia quem não a conhece ou quem tem péssimo gosto estético (se não nenhum) para essa arte tão complexa e bela. Li várias biografias a seu respeito e anotei, no meu tão comentado bloco de anotações, uma série de peculiaridades que merecem menção e comentários. Todas, no entanto, são unânimes num ponto: em reconhecer sua genialidade.
Os gênios têm uma característica comum, não importa a área em que atuem, que é sumamente injusta para com eles, posto que até explicável. Sofrem uma espécie de maldição que lhes pesa sobre a cabeça: a de serem incompreendidos pelos contemporâneos. Claro que não se trata de nenhuma regra e mesmo que se tratasse, comportaria, claro, exceções, e essas há até em razoável quantidade. Estatisticamente, porém, pelo menos os gênios cujas biografias conheço, tiveram essa marca de incompreensão.
Uma explicação plausível, ou pelo menos razoável, para isso seria o fato dos gênios nascerem antes do tempo que deveriam nascer. Essa incompreensão lhes traz, via de regra, uma série de dissabores, incompatíveis com sua verdadeira importância e com as obras que legam à posteridade. Muitos deles, não raro, terminam suas vidas no abandono, quando não na indigência. Em vez de serem devidamente reconhecidos, não raro são alvos da galhofa e do escárnio dos medíocres, dos invejosos e dos imbecis.
Sua genialidade, às vezes, é até interpretada como insanidade. Já se disse que a distância que separa um gênio de um louco é ínfima, quase imperceptível. Discordo, obviamente. Todavia, se atentarmos bem, concluiremos que ambos são anormais, ocupando os extremos opostos do que se entende por “normalidade”, onde a maioria das pessoas se insere. A história está repleta de exemplos dessa incompreensão e estúpida cegueira coletiva. Cada geração tem seus casos e estes já ascendem às centenas, quiçá aos milhares. Há gênios não reconhecidos pelos contemporâneos na política, na religião, na música, na pintura, na literatura, e nas ciências, entre outras atividades.
Essa incompreensão, por exemplo, levou os gregos a condenarem Sócrates à morte, mediante a ingestão da cicuta, um poderoso veneno, sob a pueril e insustentável acusação de “corromper a juventude” com suas idéias lúcidas e revolucionárias. E justo eles que lançaram as bases da democracia e do respeito às opiniões!
Foi por causa dela que Jesus Cristo foi pregado na cruz, por difundir a mensagem (hoje óbvia) de que “só o amor constrói para a eternidade”. Van Gogh, torturado pelos demônios interiores, reflexos de sua genialidade, foi outra vítima da má vontade dos contemporâneos. Terminou seus dias confinado a um hospício, onde morreu.
Paul Gauguin – que apenas quando quarentão descobriu que trazia em si a magnífica chama da genialidade – desorientado e confuso, se desfez de tudo o que tinha, largou o emprego, abandonou mulher e filhos e saiu pelo mundo, como o célebre personagem de Miguel Cervantes, o Dom Quixote, a duelar com dragões imaginários (na verdade moinhos de vento), terminando seus dias como mendigo, doente e desamparado, nas exóticas ilhas dos Mares do Sul.
Exemplos dessa incompreensão e dos resultados desastrosos dela advindos, abundam. Como o caso de Fedor Dostoievsky, em permanente conflito com seus fantasmas e com uma legião de credores a acossá-lo o tempo todo com cobranças e que não se importavam nem um pouco com suas agruras financeiras. Levaram-no, inclusive, em diversas oportunidades às barras dos tribunais. O magnífico escritor russo escapou ileso de uma sentença de morte por fuzilamento (que chegou a ser encenado com a utilização de pólvora seca em vez de balas a título de “lição”) e que viveu longo confinamento no que denominou de “casa dos mortos”, na remota e de clima para lá de inclemente da Sibéria. O fim material dos gênios, volta e meia, é trágico.
Nesse aspecto, porém, Johann Sebastian Bach teve mais sorte. A incompreensão acompanhou-o, sim, mas limitou-se à sua obra, poupando sua pessoa. Fez, portanto, poucos estragos em sua pacata vida. Isso deveu-se, possivelmente, ao seu temperamento, bonachão, cordato e avesso a polêmicas e controvérsias. Aceitava passivamente as críticas feitas à sua obra e sequer sofria com elas (ou pelo menos aparentava não sofrer). Sendo gênio (no que hoje é reconhecido consensualmente), ficou conhecido, em sua época, não como o revolucionário compositor que foi, mas somente como bom organista. E isto lhe bastou. Pior para seus contemporâneos, é claro.
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