Monday, February 18, 2013


TV divulga o Brasil no exterior

Pedro J. Bondaczuk

A televisão brasileira, tempos atrás, tinha a incômoda (e infelizmente procedente) fama de ser um veículo alienante, usado como uma forma de escapismo pelas pessoas que desejavam fugir de uma realidade deprimente. Na década de 60, mais especificamente no pós-64, o saudoso jornalista Sérgio Porto, que assinava suas deliciosas crônicas na imprensa com o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, costumava definir esse meio de comunicação como sendo “máquina de fazer doidos”.

Nesse período, os programas de maior audiência eram os chamados “mundo cão”em que a miséria, a ignorância e mesmo a loucura das pessoas eram exploradas com sensacionalismo, num processo cruel e desumano, que demonstrava uma falta de ética sumamente reprovável. Até muito pouco tempo atrás, esse tipo de veiculação ainda tinha seus adeptos, embora o grau maior de conscientização do telespectador fizesse com que sua audiência fosse qualquer coisa tão baixa, em termos de índices, a ponto dela ser literalmente inexpressiva. E sem qualquer pressão, ou censura, ou outro tipo de violência, felizmente esses programas morreram de morte natural, vítimas do desinteresse popular.

Hoje em dia, embora o esquema tipo “máquina de fazer doido” ainda teime em sobreviver em alguns canais e horários, a televisão, não se pode negar, evoluiu demais, especialmente naquilo que diz respeito à informação. Ninguém está defendendo que a miséria, a ignorância e os desvios mentais e comportamentais sejam escondidos “sob o tapete”, para o telespectador não ver. O que não se admite, em hipótese alguma, é que para efeitos de sensacionalismo, as pessoas menos dotadas tenham desrespeitada a sua dignidade e que sejam ridicularizadas perante, pelo menos, 70 milhões de semelhantes, que têm o hábito de ver TV.

De povo influenciado pela subcultura que vem de fora, passamos a influenciar os outros. Mas não com maus exemplos. À subcultura alheia retrucamos com nossa cultura. E, o que é digno de nota, positivamente. Por exemplo, as novelas da Rede Globo, tão criticadas, tempos atrás, como sendo imorais, desagregadoras da família e veiculadoras de maus exemplos, estão invadindo os lares de milhões de europeus e asiáticos. Em Portugal, elas têm feito, até, com que reuniões governamentais tenham horários mudados para não concorrerem consigo. Uma pessoa, que chegou recentemente daquele país, garantiu que inclusive o linguajar típico do português começa a ser abrasileirado.

Expressões de gíria, comuns nas ruas de São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e outras cidades de grande porte do País, são hoje repetidas pelos lisboetas e pelo povo de tantas outras localidades lusitanas com a maior naturalidade. Em Portugal o termo tão característico, “gajo”, por exemplo, está praticamente desaparecendo, substituído pela palavra “cara”.

Ainda na quarta-feira, quem assistiu ao “Jornal da Globo”, pôde perceber a genuína alegria da delegação chinesa, que participa do “Festival de Cinema do Rio de Janeiro”, quando conheceu a atriz Lucélia Santos pessoalmente e ouviu uma resposta positiva dela quando convidada a visitar a China no próximo ano. Essa popularidade toda a artista adquiriu, do outro lado do mundo, no país mais populoso do Planeta, graças à novela “A escrava Isaura”, que consegue manter oito milhões de pequineses, diariamente, vidrados no aparelho de TV no horário das 19 horas, quando esse programa é exibido.

Na França, na Itália, na União Soviética, na Finlândia (sem falar na América Latina), esse ritual, que há mais de vinte anos prende o brasileiro em casa, está se difundindo. Será que tantos milhões de pessoas podem ser chamadas de alienadas, em países com tamanhas tradições culturais? É claro que não! Embora os pessimistas, os derrotistas ou os obcecados não queiram admitir, nós também produzimos trabalhos artísticos de inegável qualidade. E nossa cultura, com isso, ganha espaços antes preenchidos apenas pelo Carnaval e pelo futebol no exterior.

Aos poucos, os outros povos de centros mais evoluídos começam a “descobrir” o Brasil. Começam a entender que a nossa capital não é Buenos Aires e que nem existem onças passeando nas ruas de Brasília, conforme muita gente ainda acha por aí afora. Começam a respeitar, sobretudo, o que nossos intelectuais produziram por muitos anos e que mesmo em âmbito interno não mereceram o devido valor, pois “santo de casa não faz milagres”.

Não há dúvida que a televisão vive ainda um momento de contradição no País. Convivem teimosos focos do estilo “máquina de fazer doido”, alienante e sem imaginação, com o que há de mais avançado no mundo em termos de comunicação audiovisual. O clichê surrado e sem graça continua, lado a lado, com altíssima criatividade. Ocupam o mesmíssimo veículo a estúpida “deformação” cultural e comportamental, com a informação precisa, correta e ágil. Subsiste a subcultura, nascida da incompetência, junto com as manifestações culturais as mais avançadas possíveis.

Mas tudo isso reflete as contradições do nosso povo. Mostra os contrastes chocantes presentes em todos os campos, entre o máximo e o mínimo, o milionário e o miserável, o gênio e o louco. Afinal, a televisão é um espelho da nossa sociedade, por ser um simples meio, mas não a mensagem, da realidade brasileira.

(Comentário publicado na página 19, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 23 de novembro de 1984).

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