Pedro J. Bondaczuk
O balanço das atrações da televisão neste ano , no que se refere à exibição de shows, não é dos melhores. Quando 1985 começou, e a Rede Globo mostrou, durante dez dias seguidos, o autêntico “happening” musical, que foi a apresentação do “Rock ‘n Rio”, de 20 a 30 de janeiro, esperava-se um período repleto de novidades, com arrojados investimentos e, sobretudo, de grande criatividade, Transcorridos, porém, quase doze meses, o crítico olha para trás e vê, decepcionado, que nada disso aconteceu.
A TV viveu, como sempre, dos velhos e surrados programas de auditório, que a cada ano ficam mais vazios, por estarem sempre se repetindo. A exceção, mais uma vez, ficou por conta da informalidade de Fausto Silva, em seu “Perdidos na noite”, na Record, caracterizado pela descontração e pela participação direta da platéia. Mas esse programa não viveu apenas das brincadeiras do apresentador e nem da sua irreverência. Trouxe, no correr de 1985, os maiores nomes da música popular brasileira (que, a rigor, nem são muitos), gente de todas as vertentes e tendências musicais. Conseguiu, portanto, democraticamente, agradar a todos os gostos. E o público, que não é bobo e nem nada, prestigiou maciçamente o “Perdidos na noite”, aumentando, em muito, a cotação comercial desse horário (o das 22 horas dos sábados) que, em dias normais já não é muito concorrido, imaginem num fim de semana. Foi uma façanha, sem dúvida. Isso é o que se pode chamar de competência.
Fausto Silva veio, mais uma vez, provar que um programa para agradar o telespect6ador não exige produções elaboradas, cenários encantadores ou qualquer coisa do gênero, que implique em altos investimentos. Se tiver tudo isso, tanto melhor. Mas basta que se traga gente que realmente seja a que o povo deseja ver e ouvir. O resto acaba acontecendo por si só. Por este o motivo, o crítico não pode deixar de destacar, mais uma vez, esse show, que na verdade é um típico “happening”, em que tudo (ou quase tudo) pode acontecer.
Outro destaque na área – tão pobre que se precisa recorrer a anotações para se lembrar – foi o “Festival dos Festivais” da Rede Globo, que se não foi aquilo que a emissora anunciou aos quatro ventos que seria, acabou se salvando no seu final, quando os jurados evitaram de cair num espetacular ridículo e consagraram, como composições vencedoras, as que realmente tinham mais qualidades artísticas. Entretanto, continuamos insistindo no que escrevemos na ocasião, quando afirmamos que a composição “Ellis, Ellis”, do campineiro Estevam Natolo Junior e do baiano Marcelo Simões merecia melhor sorte. E não se trata de bairrismo. Deveria ter sido classificada, pelo menos, na terceira colocação.
Talvez os jurados quisessem, na ocasião, evitar qualquer conotação de protecionismo, já que o marido da homenageada, o maestro César Camargo Mariano, fazia parte da equipe que organizou e produziu o festival. Com isso, entretanto, acabou injustiçando os autores de “Ellis, Ellis” que, a bem da verdade, compuseram esse inteligente e expressiva página musical muito antes de se cogitar na realização do festival.
Mas, de qualquer maneira, o resultado, pelo menos, foi melhor do que o registrado em outras tantas oportunidades. Correram rumores, na ocasião, que havia uma “marmelada” engatilhada, visando atender a interesses meramente comerciais de gravadoras. Entretanto, não se sabe se por recomendação de última hora da emissora (o que é o mais provável) o júri aplicou a lógica. E salvou do completo ridículo mais uma competição que não fez, todavia, justiça à enorme promoção feita em torno dela.
Contudo, num quadro decepcionante de espetáculos, o “Festival dos Festivais” sobressaiu e foi destaque. Fica a expectativa do crítico para os já tradicionais shows de fim de ano que a Rede Globo costuma promover. Quem sabe, no final da temporada, o ano, em termos de musicais, acabe sendo salvo em cima da hora. Afinal os artistas destacados para tais apresentações dispensam qualquer espécie de comentário ou de recomendação. Já têm seu lugar garantido no escasso firmamento dos grandes astros do “show business” nacional.
Em favor das emissoras deve ser ressaltado que o período atual não é dos mais brilhantes para a música popular brasileira. No corrente ano, não apareceu uma única composição que realmente possa ser classificada de inovadora. A arte popular brasileira parece atravessar um longo período de “entressafra” criativa. Nenhum movimento novo está, sequer, sendo esboçado. Se estiver, pelo menos ainda não chegou a ser divulgado.
Os velhos fazedores de sucessos parecem acomodados, cientes de que já cumpriram seus papéis. A nova safra de compositores (salvo raras e honrosíssimas exceções) prefere repisar pegadas já desgastadas pelo tempo, conforme pôde ser constatado durante o “Festival dos Festivais”, caracterizado pela excentricidade, pela valorização excessiva do visual, por letras mal elaboradas e sem conteúdo e por tentativas de se misturar aquilo que não é miscível: as raízes brasileiras com ritmos alienígenas.
Mesmo com todas essas carências, todavia, as emissoras tinham condições de mostrar performances melhores. Fica, como esperança, a expectativa para 1986 – o segundo ano da Nova República – que os jovens, sobretudo (principalmente os que ostentam juventude de espírito e não a cronológica) ponham os cérebros, e não somente os corpos, para funcionar. E que os programadores de televisão tenham sensibilidade para produzir shows de bom gosto. Pelo menos isso. O ideal, claro, é aliar esse fator a um tantinho de inteligência. Mas isso já é querer demais!
(Comentário publicado na página 20, editoria de Artes e Variedades, do Correio Popular, em 6 de dezembro de 1985).
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