Um
Woodstock brasileiro?
Pedro J. Bondaczuk
O Rock in Rio número
um, o “original”, realizado em janeiro de 1985 na cidade que até hoje lhe
empresta o nome, causou grande impacto, principalmente entre os amantes desse
ritmo, mas também entre os que não o apreciam tanto ou que lhe são indiferentes
e, enfim, na chamada opinião pública. O aparato tecnológico utilizado foi o que
havia de mais moderno e potente na ocasião, em termos de som e de luzes. O
festival reuniu um público estimado em duzentas mil pessoas nos dez dias de
apresentações. Além disso, contou com várias horas de exibição direta pela
televisão, e pela poderosa Rede Globo, que o veiculou em rede nacional para
todo o Brasil e para vários países que recebem (e já recebiam) sua imagem. Fora
a divulgação em vários dos programas da Vênus Platinada.
Muitos críticos, na
oportunidade, compararam o Rock in Rio ao famoso Woodstock, levado a efeito em
1969, nos Estados Unidos. Concordo com a comparação, em alguns pontos, e
discordo em outros. Quanto ao conforto e acessibilidade do público, por exemplo,
o festival brasileiro superou, e em muito, deu de goleada no congênere
norte-americano. Afinal, foi meticulosamente planejado e exaustivamente
divulgado.
Já o evento ocorrido
nos Estados Unidos foi praticamente espontâneo, quase quer sem nenhuma programação
prévia. Por isso, enfrentou tremendos problemas logísticos, que comentarei
oportunamente. Ainda assim, foi marcante e histórico, tanto que, quando se
analisa a mudança de costumes ocorrida nos anos finais do século XX, e quando
se aborda o fenômeno dos “hippies”, Woodstock é invariavelmente citado como
marco e um dos causadores dessas transformações.
Com a distância no
tempo, creio ser oportuna uma análise desses dois eventos. Ela não é tão
simples como possa parecer. Tentei estabelecê-la, na época da realização do
primeiro Rock in Rio, através de um longo ensaio, escrito e publicado uma
semana ou menos do fim do festival – que publiquei no Correio Popular de
Campinas, jornal em que então trabalhava e atuava não só como editor, mas como
comentarista de diversas áreas, na edição de 27 de janeiro de 1985, um domingo
– com o título dos mais óbvios, porém no qual já expressava minhas dúvidas:
“”Rock in Rio, um Woodstock brasileiro?”
A impressão que tive e
que manifestei na ocasião é a mesma que tenho hoje, passados 27 anos da
realização desse espetáculo. Em alguns aspectos, como no do conforto para a
platéia, organização, divulgação e aparato técnico, entre outros, o show do Rio
superou, com folga, o dos Estados Unidos. Já no que se refere à presença de astros
e estrelas do rock, Woodstock não foi e talvez jamais seja superado, nem mesmo
igualado, não apenas pelo Rock in Rio, como por qualquer outro espetáculo do
gênero realizado, até hoje, em várias partes do mundo. Afinal, só para citar
dois nomes, não é qualquer show, por mais badalado que seja, que poder ou já
pôde reunir um Jimmy Hendrix e uma Janis Joplin.
No meu ensaio de 1985,
citei um fato, que não vi citado em nenhum outro texto, em qualquer jornal ou
revista, que poderia ter esvaziado o festival e o levado até ao cancelamento
ou, pelo menos, afastado o público, mas que não afastou e nem esvaziou. Talvez
o efeito tenha sido o oposto e até contribuído para que a afluência de pessoas
fosse ainda maior. Tratou-se de um boato segundo o qual uma das tão vagas e
ambíguas profecias do francês Michel de Nostradamus preveria uma “catástrofe”,
de proporções bíblicas (mais ou menos como a da destruição das cidades de
Sodoma e Gomorra), durante a realização do Rock in Rio. Claro que nada disso
aconteceu. Tudo transcorreu na mais completa normalidade, aliás já esperada
pelos céticos e realistas, que nunca levaram a sério o badalado “profeta”
quinhentista.
Houve pequenos
incidentes, sim, mas apenas os naturais decorrentes da concentração de duzentas
mil pessoas em um espaço nem tão amplo assim, ouvindo, por nove horas seguidas,
sons estridentes e luzes alucinantes. Ocorreram alguns desmaios, um ou outro
roubo, briguinhas inocentes e logo apartadas pela turma do deixa disso e nada
mais. Não se teve qualquer notícia de alguém que saísse ferido, mesmo que
levemente, nos dez dias de realização do festival. Até hoje não se sabe quem
espalhou esse boato e em que “profecia” de Nostradamus essa bobagem foi
baseada. Na época, alguns dos que foram ao Rock in Rio levantaram a hipótese de
que essa previsão alarmista teria sido uma forma extrema de divulgação do
festival. Não creio nisso.
Reitero que não se
verificou nenhum incidente que pudesse ser considerado minimamente grave, o que
se constituiu, sem dúvida, em grande feito dos organizadores do evento e dos
responsáveis por sua segurança. Não aconteceu, sequer, nada tão grave, por
exemplo, como alguns tumultos que ocorriam num Maracanã lotado (antes, óbvio,
da atual reforma do gigantesco estádio) em dia de Fla x Flu, ou num Morumbi
nervoso durante um São Paulo x Corinthians pelo Campeonato Brasileiro.
Como promoção
comercial, é óbvio, o Rock in Rio satisfez as expectativas dos promotores e
provavelmente até os surpreendeu. É o que indica a mínima das lógicas. Se
considerassem o evento um fracasso, certamente ele não se repetiria, como vem
se repetindo com regularidade, e já por dez edições, realizadas em três
importantes metrópoles: Rio de Janeiro, Lisboa e Madri, com projetos de se
estender, a partir de 2014, para Lima e Buenos Aires. No aspecto de
continuidade, portanto, Woodstock não pode ser comparado, sequer remotamente,
nem de longe (e com muito favor) ao Rock in Rio. Voltarei a tratar do assunto
com mais detalhes e objetividade na sequência.
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