Povo subjugado e sem voz
O
Afeganistão, até a época da invasão das tropas soviéticas, em 27 de dezembro de
1979, era um país pouco conhecido em âmbito internacional. Muitos desconheciam
até mesmo a sua existência e outros tomavam conhecimento dela apenas de
passagem, nos compêndios de Geografia.
Hoje o que se passa entre as suas fronteiras
continua sendo praticamente um mistério no Ocidente. Mas o motivo é bastante
diferente daquele que mantinha esse Estado asiático incógnito até que fosse
invadido. Bem que o mundo gostaria de saber o que se passa nas suas miseráveis
cidades e aldeias, perdidas em exóticos e quase inacessíveis vales.
Mas as sombras de uma cruel e perversa ditadura
baixaram sobre o país e ninguém consegue atender, por mais que deseje, aos
desesperados clamores de socorro do seu povo. É muito arriscado desafiar o
poderio militar da União Soviética.
Centenas de milhares de soldados estrangeiros
tiraram o direito dessa República muçulmana ao gozo da liberdade. E o destino dos
que se opõem a essa cruel e humilhante dominação é dos mais horrendos, a julgar
pelos relatos de diplomatas ocidentais, únicos canais de informação (e
razoavelmente confiáveis) para se Ter alguma notícia sobre o martírio do povo
afegão.
Os soviéticos, após a invasão ao Afeganistão,
expulsaram todos os correspondentes internacionais desse território, para que
não testemunhassem o massacre que viriam a promover. Só o fato das tropas
invasoras permanecerem no país há já seis anos (e não mostram qualquer disposição
de se retirarem de lá), revela o quanto era mentirosa a alegação do Cremlin
para justificar o ataque a essa miserável comunidade asiática, cuja última
renda per capita conhecida (a de 1978) era de irrisórios US$ 211 anuais e onde
92% da população era analfabeta. A alegação era a de que as forças russas
estavam no Afeganistão a pedido dos próprios afegãos.
Sob ocupação estrangeira, é difícil e sobretudo
improvável que esse quadro de miséria e de abandono de anos atrás tenha sido
revertido ou pelo menos evoluído para melhor. Uma sociedade tutelada por um
povo com costumes, tradições, cultura e crenças diferentes das suas, perde a
identidade. Desorganiza-se na base e faz da corrupção e do deboche prática
comum, uma espécie de salvaguarda para garantir pelo menos a sobrevivência
física dos seus membros.
O relatório a respeito da situação dos direitos
humanos no Afeganistão, que acaba de ser divulgado e que será apresentado no
plenário das Nações Unidas, na próxima semana, é dos mais revoltantes e
aterradores. Torturas e prisões arbitrárias, por exemplo, segundo o documento,
são corriqueiras no país.
E os dados ganham mais força e maior credibilidade
quando cotejados com dois outros levantamentos a respeito: um (de
respeitabilíssima procedência), da Anistia Internacional, sediada em Londres e
outro do Departamento de Estado dos EUA. Ambos relatórios fazem as mesmas
denúncias, embora com enfoque e ênfase diferentes.
Como podem os soviéticos, depois do que fizeram (e
do que estão fazendo) aos afegãos tecer críticas e recriminações aos crimes
cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (cujo 40º aniversário
do seu término os russos se preparam para celebrar, com grande pompa, em maio)?
Não há dúvidas de que pouquíssimos criminosos de
guerra pagaram por seus pecados em Nuremberg. Crimes tão hediondos (ou mais)
seguem sendo cometidos diariamente, pelo mundo afora, sob as nossas vistas e
não há sequer como evitar. É a lei do mais forte sobrepondo-se a normas e
princípios que teoricamente deveriam reger as relações entre os povos.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 1º de março de
1985).
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