Thursday, February 28, 2013


Povo subjugado e sem voz

 Pedro J. Bondaczuk
  
O Afeganistão, até a época da invasão das tropas soviéticas, em 27 de dezembro de 1979, era um país pouco conhecido em âmbito internacional. Muitos desconheciam até mesmo a sua existência e outros tomavam conhecimento dela apenas de passagem, nos compêndios de Geografia.

Hoje o que se passa entre as suas fronteiras continua sendo praticamente um mistério no Ocidente. Mas o motivo é bastante diferente daquele que mantinha esse Estado asiático incógnito até que fosse invadido. Bem que o mundo gostaria de saber o que se passa nas suas miseráveis cidades e aldeias, perdidas em exóticos e quase inacessíveis vales.

Mas as sombras de uma cruel e perversa ditadura baixaram sobre o país e ninguém consegue atender, por mais que deseje, aos desesperados clamores de socorro do seu povo. É muito arriscado desafiar o poderio militar da União Soviética.

Centenas de milhares de soldados estrangeiros tiraram o direito dessa República muçulmana ao gozo da liberdade. E o destino dos que se opõem a essa cruel e humilhante dominação é dos mais horrendos, a julgar pelos relatos de diplomatas ocidentais, únicos canais de informação (e razoavelmente confiáveis) para se Ter alguma notícia sobre o martírio do povo afegão.

Os soviéticos, após a invasão ao Afeganistão, expulsaram todos os correspondentes internacionais desse território, para que não testemunhassem o massacre que viriam a promover. Só o fato das tropas invasoras permanecerem no país há já seis anos (e não mostram qualquer disposição de se retirarem de lá), revela o quanto era mentirosa a alegação do Cremlin para justificar o ataque a essa miserável comunidade asiática, cuja última renda per capita conhecida (a de 1978) era de irrisórios US$ 211 anuais e onde 92% da população era analfabeta. A alegação era a de que as forças russas estavam no Afeganistão a pedido dos próprios afegãos.

Sob ocupação estrangeira, é difícil e sobretudo improvável que esse quadro de miséria e de abandono de anos atrás tenha sido revertido ou pelo menos evoluído para melhor. Uma sociedade tutelada por um povo com costumes, tradições, cultura e crenças diferentes das suas, perde a identidade. Desorganiza-se na base e faz da corrupção e do deboche prática comum, uma espécie de salvaguarda para garantir pelo menos a sobrevivência física dos seus membros.

O relatório a respeito da situação dos direitos humanos no Afeganistão, que acaba de ser divulgado e que será apresentado no plenário das Nações Unidas, na próxima semana, é dos mais revoltantes e aterradores. Torturas e prisões arbitrárias, por exemplo, segundo o documento, são corriqueiras no país.

E os dados ganham mais força e maior credibilidade quando cotejados com dois outros levantamentos a respeito: um (de respeitabilíssima procedência), da Anistia Internacional, sediada em Londres e outro do Departamento de Estado dos EUA. Ambos relatórios fazem as mesmas denúncias, embora com enfoque e ênfase diferentes.

Como podem os soviéticos, depois do que fizeram (e do que estão fazendo) aos afegãos tecer críticas e recriminações aos crimes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial (cujo 40º aniversário do seu término os russos se preparam para celebrar, com grande pompa, em maio)?

Não há dúvidas de que pouquíssimos criminosos de guerra pagaram por seus pecados em Nuremberg. Crimes tão hediondos (ou mais) seguem sendo cometidos diariamente, pelo mundo afora, sob as nossas vistas e não há sequer como evitar. É a lei do mais forte sobrepondo-se a normas e princípios que teoricamente deveriam reger as relações entre os povos.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 1º de março de 1985).

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