Sunday, February 17, 2013


Dúvidas e reflexões

Pedro J. Bondaczuk

A questão da dívida externa do Terceiro Mundo é um assunto que suscita uma série praticamente inesgotável de análises e reflexões. E desperta enorme quantidade de indagações. Pode ser enfocada sob os ângulos mais variados. Como, por exemplo, pelo lado do devedor, ou pelo do credor.

A nós, endividados, interessa, claro, o primeiro aspecto e ele suscita questões de diversas ordens, tais como as referentes à aplicação do dinheiro, ao aval para que o empréstimo fosse contratado, às garantias oferecidas de que ele seria saldado e de que forma, e quais as vantagens que a operação traria a quem se endividou.

A mais elementar das lógicas diz que, quando alguém (ou alguma entidade, ou, ainda, algum país) lança mão de recursos alheios, é porque não conta com os próprios. Tem que investir, comprar, realizar transações, mas não tem dinheiro. Um empréstimo é contraído, por outro lado, quando a despesa em que ele será utilizado é absolutamente inadiável. No caso do Terceiro Mundo, a bem da verdade, era.

A intenção, pelo menos nominal, era a de promover o desenvolvimento acelerado do país devedor, gerando empregos para fazer face ao altíssimo crescimento populacional. Era necessário criar, nessas sociedades paupérrimas, para alimentar contingentes crescentes de crianças, por exemplo. De prover a educação dessa nova geração. De criar condições mínimas de saúde e higiene. Enfim, os países que tomaram esses empréstimos pretendiam, com isso, proporcionar uma vida decente a esses e a todos os cidadãos.

Muito bem, a conclusão, pelo menos em tese, é a de que havia necessidade premente desse aporte de capitais. Presume-se que o cadastro do candidato a essa operação bancária tenha sido cuidadosamente verificado e considerado “bom”.

O bom-senso também sugere que, por se tratar de dinheiro alheio, passivo, portanto, de devolução (e com algum tipo de vantagem para o detentor dos recursos), deveria ser aplicado em operações que dessem retorno, em projetos lucrativos, pelo menos a médio prazo. Débitos contraídos nestas circunstâncias, com os recursos conseguidos alhures aplicados em indústrias, na agricultura e em outras atividades geradoras de riquezas (que foi o que o Terceiro Mundo sempre precisou e ainda precisa, mais do que nunca), são amortizáveis quase que automaticamente, sem grandes sacrifícios do devedor.

Entretanto, o impasse que se verifica agora, no momento em que se deve saldar essa dívida, o que se constata é que a mais elementar das lógicas passou muito longe, tanto nos procedimentos dos devedores, quanto dos credores. Os primeiros emprestaram muito mais do que poderiam pagar. Aceitaram condições que qualquer matuto iletrado perceberia que eram sumamente desvantajosas. E aplicaram o dinheiro emprestado (quando não o depositaram em suas contas numeradas pessoais em bancos da Suíça, como parece ser o caso do ex-ditador filipino Ferdinand Marcos), em obras suntuosas, mas supérfluas e superfaturadas, ou em empreendimentos que não proporcionam retorno ou, quando proporcionam, esse ocorre a longuíssimo prazo. Já os credores, agiram como viciados em jogos. Ou seja, apostaram na sorte grande e correm o risco de se dar mal.

E o que está acontecendo? O dinheiro emprestado pela grande maioria dos países do Terceiro Mundo que, teoricamente, se destinava a gerar milhares e milhares de empregos está, na verdade, na hora do débito ser pago (e o pagamento exigido por enquanto é somente o de juros e comissões), causando a perda das ocupações que já existiam, em decorrência de programas recessivos impostos pelos banqueiros e seus propostos aos devedores.

O Terceiro Mundo, carente de capitais (daí tê-los tomado no mercado financeiro internacional), está sendo sangrado em seus parcos recursos. Até nos que sempre teve. Para se ter uma idéia da gravidade dessa sangria, basta dizer que apenas a América Latina transferiu, nos últimos quatro anos, US$ 100 bilhões (pouco menos de um terço de todo o débito, somado, do continente) aos países industrializados.

“Bem”, dirá o leitor, “pelo menos parte da dívida dos países da região foi paga”. Quem pensa isso, porém, está enganadíssimo. E é aí que reside o grande mistério da questão. Nem um único e mísero centavo do valor principal da dívida foi amortizado! Pelo contrário, acumularam-se juros em cima de juros para pagar, fazendo com que aquilo que originalmente devíamos aumentasse, misteriosamente, sem que tomássemos nenhum novo empréstimo!

Com essas informações em mãos, reflito, cá com os meus botões: “Será que quem emprestou essa montanha de dinheiro, em condições tão estúpidas, não sabia calcular?” Afinal, tratavam-se de técnicos, de economistas altamente qualificados, com doutorado nas melhores universidades norte-americanas e européias.

E quem cedeu esse dinheiro aos países do Terceiro Mundo, cogitou da possibilidade de calote? Avaliou se quem o estava emprestando tinha condições de pagar? Conferiu se quem estava emprestando tinha legitimidade para agir em nome do seu governo? Há, no mínimo, milhares e milhares de indagações do tipo, que se podem fazer, sem que alguém, seja lá quem for, tenha respostas, minimamente convincentes, a respeito. Afinal, como explicar o absurdo?!!           

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 8 de abril de 1986)

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