Dúvidas e reflexões
Pedro J. Bondaczuk
A
questão da dívida externa do Terceiro Mundo é um assunto que suscita uma série
praticamente inesgotável de análises e reflexões. E desperta enorme quantidade
de indagações. Pode ser enfocada sob os ângulos mais variados. Como, por
exemplo, pelo lado do devedor, ou pelo do credor.
A
nós, endividados, interessa, claro, o primeiro aspecto e ele suscita questões
de diversas ordens, tais como as referentes à aplicação do dinheiro, ao aval
para que o empréstimo fosse contratado, às garantias oferecidas de que ele
seria saldado e de que forma, e quais as vantagens que a operação traria a quem
se endividou.
A
mais elementar das lógicas diz que, quando alguém (ou alguma entidade, ou,
ainda, algum país) lança mão de recursos alheios, é porque não conta com os
próprios. Tem que investir, comprar, realizar transações, mas não tem dinheiro.
Um empréstimo é contraído, por outro lado, quando a despesa em que ele será
utilizado é absolutamente inadiável. No caso do Terceiro Mundo, a bem da
verdade, era.
A
intenção, pelo menos nominal, era a de promover o desenvolvimento acelerado do
país devedor, gerando empregos para fazer face ao altíssimo crescimento
populacional. Era necessário criar, nessas sociedades paupérrimas, para
alimentar contingentes crescentes de crianças, por exemplo. De prover a
educação dessa nova geração. De criar condições mínimas de saúde e higiene.
Enfim, os países que tomaram esses empréstimos pretendiam, com isso,
proporcionar uma vida decente a esses e a todos os cidadãos.
Muito
bem, a conclusão, pelo menos em tese, é a de que havia necessidade premente
desse aporte de capitais. Presume-se que o cadastro do candidato a essa
operação bancária tenha sido cuidadosamente verificado e considerado “bom”.
O
bom-senso também sugere que, por se tratar de dinheiro alheio, passivo,
portanto, de devolução (e com algum tipo de vantagem para o detentor dos
recursos), deveria ser aplicado em operações que dessem retorno, em projetos
lucrativos, pelo menos a médio prazo. Débitos contraídos nestas circunstâncias,
com os recursos conseguidos alhures aplicados em indústrias, na agricultura e
em outras atividades geradoras de riquezas (que foi o que o Terceiro Mundo
sempre precisou e ainda precisa, mais do que nunca), são amortizáveis quase que
automaticamente, sem grandes sacrifícios do devedor.
Entretanto,
o impasse que se verifica agora, no momento em que se deve saldar essa dívida,
o que se constata é que a mais elementar das lógicas passou muito longe, tanto
nos procedimentos dos devedores, quanto dos credores. Os primeiros emprestaram
muito mais do que poderiam pagar. Aceitaram condições que qualquer matuto
iletrado perceberia que eram sumamente desvantajosas. E aplicaram o dinheiro
emprestado (quando não o depositaram em suas contas numeradas pessoais em
bancos da Suíça, como parece ser o caso do ex-ditador filipino Ferdinand
Marcos), em obras suntuosas, mas supérfluas e superfaturadas, ou em
empreendimentos que não proporcionam retorno ou, quando proporcionam, esse
ocorre a longuíssimo prazo. Já os credores, agiram como viciados em jogos. Ou seja,
apostaram na sorte grande e correm o risco de se dar mal.
E
o que está acontecendo? O dinheiro emprestado pela grande maioria dos países do
Terceiro Mundo que, teoricamente, se destinava a gerar milhares e milhares de
empregos está, na verdade, na hora do débito ser pago (e o pagamento exigido
por enquanto é somente o de juros e comissões), causando a perda das ocupações
que já existiam, em decorrência de programas recessivos impostos pelos
banqueiros e seus propostos aos devedores.
O
Terceiro Mundo, carente de capitais (daí tê-los tomado no mercado financeiro
internacional), está sendo sangrado em seus parcos recursos. Até nos que sempre
teve. Para se ter uma idéia da gravidade dessa sangria, basta dizer que apenas
a América Latina transferiu, nos últimos quatro anos, US$ 100 bilhões (pouco
menos de um terço de todo o débito, somado, do continente) aos países
industrializados.
“Bem”,
dirá o leitor, “pelo menos parte da dívida dos países da região foi paga”. Quem
pensa isso, porém, está enganadíssimo. E é aí que reside o grande mistério da
questão. Nem um único e mísero centavo do valor principal da dívida foi
amortizado! Pelo contrário, acumularam-se juros em cima de juros para pagar, fazendo
com que aquilo que originalmente devíamos aumentasse, misteriosamente, sem que
tomássemos nenhum novo empréstimo!
Com
essas informações em mãos, reflito, cá com os meus botões: “Será que quem
emprestou essa montanha de dinheiro, em condições tão estúpidas, não sabia
calcular?” Afinal, tratavam-se de técnicos, de economistas altamente
qualificados, com doutorado nas melhores universidades norte-americanas e
européias.
E
quem cedeu esse dinheiro aos países do Terceiro Mundo, cogitou da possibilidade
de calote? Avaliou se quem o estava emprestando tinha condições de pagar?
Conferiu se quem estava emprestando tinha legitimidade para agir em nome do seu
governo? Há, no mínimo, milhares e milhares de indagações do tipo, que se podem
fazer, sem que alguém, seja lá quem for, tenha respostas, minimamente
convincentes, a respeito. Afinal, como explicar o absurdo?!!
(Artigo publicado na página 12,
Internacional, do Correio Popular, em 8 de abril de 1986)
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